terça-feira, 27 de julho de 2021

IPSISSIMA VERBA OS MALEFÍCIOS DA MATEMÁTICA

Novo texto de Eugénio Lisboa.

Para a maior parte das pessoas, a matemática é antipática (rima e, por acaso, é verdade). Mas, para outras pessoas, a matemática é pior do que antipática: é maléfica e, mesmo, francamente perigosa. Tcheckov escreveu uma peçazinha em um acto a que deu o título pedagógico de Os Malefícios do Tabaco. Poder-se-ia escrever todo um livro, coligindo e comentando testemunhos de eminências diversas, que viram, no uso intensivo da matemática, malefícios em nada menos deletérios do que os causados pelo tabaco. 

A matemática, por exemplo, ataca a saúde, de maneira assaz devastadora. Não sabiam? Pois quem o disse foi um médico suíço, Simon-Auguste David Tissot (1728-1797), que nada teve a ver com os relógios da afamada marca Tissot. Usava também o nome de Simon-André Tissot e escreveu várias obras interessantes, como, por exemplo, Avis au Peuple sur sa santé, Taité des nerfs et leurs maladies e, sobretudo, aquela que aqui nos interessa: De la santé des gens de lettres, publicada em 1769 e que viu uma sexta edição em 1795 (o que mostra o êxito editorial que a bafejou).

Nesta obra, entre outras coisas, faz este aviso que aqui deixo, para benefício do Professor Nuno Crato, sobre o mal que a matemática pode fazer às pessoas. Eu traduzo, do original, em francês: 
"O estudo [das matemáticas], desarranjando os nervos, produz uma infinidade de males. Um célebre matemático cuja conduta tinha sido sempre irrepreensível e que estava sob a ameaça de uma gota hereditária, apressou o deflagrar desta, ao empenhar-se demasiado na solução de um problema difícil.” 
O autor não especifica, infelizmente, se, entre a “infinidade de males” que a matemática desencadeia nas pessoas, estaria incluído o início caótico dos anos lectivos. Mas, pelo que tenho lido nos jornais e visto nas televisões, desconfio bem que sim. Pessoalmente, sempre achei o Professor Nuno Crato uma pessoa simpática e bem intencionada, de modo que só posso explicar as aflições em que anda metido, pelo seu empenho imoderado no terreno malsão da matemática. Tissot aconselhar-lhe-ia, estou certo, uma rigorosa dieta de alimentos pitagóricos. Vá por mim!

Mas há outros testemunhos igualmente preocupantes sobre as inquietantes consequências de nos devotarmos demasiadamente ao ameaçador universo de Pitágoras. Por exemplo, Monsenhor Dupanloup, de sua graça completa, Félix Antoine Philibert Dupanloup, nascido em 1802 e falecido em 1878, veio a ascender, tanto religiosa como secularmente, aos mais altos escalões da hierarquia: promovido a Bispo, foi, por outro lado, eleito para a augusta Academia Francesa, em 1854, e, pelos seus trabalhos sobre educação, veria Gregório XVI chamar-lhe, varado de apreço, Apostulus Juventutis. Era, diz-se, imponentemente alto, de feições nobilíssimas e dotado de brilhantes dotes de eloquência. Deixou, entre outras obras egrégias, uma monumental De la Haute Éducation Intelectuelle, em três formosos volumes, editada em 1866. É desta obra que transcrevo, transido de receio (como Crato, também gosto de números e de álgebras), estas palavras que, incompetentemente, traduzo:
“O estudo das matemáticas, ao comprimir a sensibilidade e a imaginação, torna, por vezes, terrível a explosão das paixões.” 
Imagine-se Crato, frio, amarrado ferozmente à beleza gélida dos números, comprimindo, formidavelmente, doentiamente, o fluir natural das paixões e da imaginação: o resultado só pode ser funesto. Quando a pressão sobe até valores intoleráveis, a espessura da botija de gás não aguenta: boum! 

Aqui têm, por fim, a explicação do que se passou com a abertura do ano escolar! É esta a única crónica fiável daqueles momentos de tanta consequência e das verdadeiras causas deles. Tudo quanto se tem escrito sobre o momentoso assunto é para esquecer. Cherchez la flame dans les chifres!
Eugénio Lisboa 

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