sexta-feira, 16 de julho de 2021

DO TERMO DA OBSOLESCÊNCIA PREMATURA À OUTORGA DE JURIS DE UM AUTÊNTICO “DIREITO DE REPARAÇÃO” - 2

Texto de Mário Frota, Director do CEDC – Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra – na continuação de texto anterior (ver aqui). 

I PARLAMENTO EUROPEU RESOLUÇÃO DE 25 DE NOVEMBRO DE 2020 

O Parlamento Europeu adoptou, porém, em 25 de Novembro do ano transacto, uma outra RESOLUÇÃO sob a consigna “Rumo a um Mercado Único mais Sustentável para Empresas e Consumidores”.

Aí confere particular relevo ao “Direito à Reparação dos Produtos” (intentando uma estratégia fulcral em matéria de REPARAÇÃO de BENS DE CONSUMO). 

Emitiu, nesse sentido, um sem-número de recomendações que visam, com efeito, dar forma a um Mercado Interior Sustentável (delimitado pelas fronteiras exteriores do denominado Espaço Económico Europeu), como convém e constitui, nos tempos que correm, imperativo indeclinável de uma qualquer política europeia de consumidores com reflexos no plano global. 

E enumera um amplo leque de medidas que há que trasladar para a lei e se compendiam como segue: 
• A outorga (ex novo) de um «direito de reparação» aos consumidores que se imbrica necessariamente numa extensão temporal da garantia legal dos bens de consumo
• A promoção da reparação em vez da substituição 
• A normalização das peças sobresselentes susceptível de promover a interoperabilidade e a inovação 
• O acesso gratuito às informações necessárias para a reparação e a manutenção 
• Um leque de informações que aos produtores incumbe em matéria de disponibilidade de peças sobresselentes, actualizações de «software» e a faculdade de reparação de um produto, nomeadamente acerca de: 
• o período estimado de disponibilidade a partir da data da compra, 
• o preço médio das peças sobresselentes no momento da compra, 
 • o prazos aproximados recomendados de entrega e reparação e
• informações sobre os serviços de reparação e manutenção 
• O período mínimo obrigatório para o fornecimento de peças sobresselentes e consonância com a duração de vida estimada do produto após a colocação no mercado da última unidade
• A garantia de preço razoável para as peças sobresselentes
• A garantia legal para as peças substituídas por um reparador profissional quando os produtos já não estiverem cobertos pela garantia legal ou comercial
• A criação de incentivos, como o «bónus do artesão», susceptíveis de promover as reparações, em particular após o fim da garantia legal.
Este cacharolete de medidas tende a conferir uma particular consistência ao “direito de reparação” que surge como credencial de uma longa vida ao produto como óbice à subsistente obsolescência prematura que é prenúncio de excesso de resíduos e de afrontamento aos equilíbrios ambientais. 

A INVERSÃO DO PARADIGMA REPARAR QUE NÃO SUBSTITUIR VANTAGENS & DESVANTAGENS

Os dados estão lançados: dar mais vida aos produtos; prover à reparação em vez de se enveredar pela sua substituição.

Há já medidas tendentes à sua concretização em determinados segmentos por mor das directivas de execução da Comissão Europeia.

A Espanha acaba de alargar a garantia das coisas móveis de consumo para 3 anos e a durabilidade média dos produtos em geral por 10 anos com o arsenal de sobresselentes e acessórios que a medida naturalmente reclamará. 

A aprovação de regras que estendessem, por exemplo, a longevidade de alguns dos dispositivos nos smartphones por 5 anos, que seja, representaria, no Espaço Económico Europeu
• uma diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente-CO2, o que 
• significaria retirar de circulação 15 milhões de veículos movidos a combustíveis fósseis… 

 O desenho de um novo “direito de reparação” visa conferir mais vida aos produtos.

O direito de reparação, como tal concebido, é susceptível de fazer renascer mesteres, entretanto, extintos. 

Mas as interrogações acodem ao nosso espírito: é mais fácil substituir que reparar? 

Reparar… por forma a que seja mais acessível manter o produto que substituí-lo?

Ou será mais oneroso reparar pelas repercussões do valor da mão-de-obra, remunerada aos preços correntes de mercado? Claro que tal dependerá obviamente da categoria dos produtos e da sua peculiar concepção…

Trata-se, na realidade, de uma autêntica revolução a que ora se esboça.

Será que a inversão do paradigma não constituirá obstáculo à “Inovação & Desenvolvimento”? 

Não haverá que curar de um equilíbrio ponderado de molde a evitar que o progresso se estanque, se paralise por mor da estagnação dos produtos e da sua desuetude? 

Um tal exercício demandará decerto uma dose apreciável de “engenho & arte” e não se solucionará, obviamente, de uma penada só…

Ou será que a evolução de novos modelos inteiramente recicláveis (e de acesso universal, ao alcance de qualquer bolsa…, como se proclama e ponto é que o seja deveras!) não configurará o cenário preferível?

O mote para o debate está dado… e nele há que fazer participar a comunidade em todos os seus estamentos. 

Importante é que esquadrinhemos os ângulos sob que se perspectivam as novas realidades, envolvendo na discussão os partícipes, todos os partícipes por inteiro [Universidades, Centros Tecnológicos & de Investigação, indústria, serviços, distribuição (associações de interesse económico), consumidores…] para que soluções mais adequadas e convenientes se logrem e imponham no interesse geral.

Porque é indispensável dar com firmeza passos na senda da sustentabilidade.

Porque força é “dar mais vida aos produtos para que a vida se prolongue”: eis o lema de uma estratégia convertida em nova política de consumidores que deve ser perfilhada “urbi et orbi”! 

Dar mais vida aos bens para que se dê, como nos habituámos a proclamar, mais vida à vida”!

Mário Frota
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Bibliografia: 
  • J. Guiltinan: 'Creative Destruction and Destructive Creations: Environmental Ethics and Planned Obsolescence', 2008. 
  • Longer Lasting Products, edited by T. Cooper, GOWER, 2010.
  • Étude sur la durée de vie des équipements électriques et électroniques, ADEME, 2012.
  • Scoping study to identify potential circular economy actions, priority sectors, material flows and value chains, European Commission, 2014.
  • The Durability of Products, European Commission, 2015.
  • The Influence of Lifespan Labelling on Consumers, Study commissioned by the European Economic and Social Committee, 2016.
  • European Parliament, Planned obsolescence: Exploring the issue, Briefing, May, 2016.
  • Planos Europeus em domínios como: Economia Circular, Resoluções do Parlamento Europeu, Nova Agenda do Consumidor Europeu (2021/25).

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