quarta-feira, 26 de junho de 2019

PORQUE NÃO UMA ESTRELA NA TESTA DOS “JUDEUS“? E MEIA ESTRELA E MEIO GALO DE BARCELOS NA DE MUITOS PORTUGUESES COMO TALVEZ NÓS?

Artigo de opinião de Guilherme Valente que foi publicado pelo Observador e que recebi para publicação também neste blogue:

Carta aberta ao meu amigo Alexandre Homem Christo a propósito do seu artigo “Quando o Estado perpetua o racismo”.

Li entre o choque e a surpresa o artigo com este título publicado no Observador pelo meu amigo Alexandre Homem Christo.

O Censo é para saber onde nasceram os residentes em Portugal nacionais ou estrangeiros? Mas se fosse isso, que é comum e percebe-se porquê, não originaria divergência. Não é isso, portanto. O que se quer saber - perguntar, e a quem? - é a origem étnica de cada um de nós. O meu, o seu, o dos nossos filhos de netos, código genético! E que poderá responder cada um de nós, cada um deles? Eu, por exemplo, pela parte do meu pai descendente em linha directa de D. Duarte de Almeida, o herói da batalha de Toro, celta possivelmente, e judeu (o que é isso de ser judeu?) por parte da minha mãe. E o meu filho, de mãe chinesa de Macau, e os filhos da minha filha provavelmente de pai catalão, sei lá com que ascendência? O que registaria o INE no seu inquérito?

E para quê? Para enfrentar e acabar com o fascismo , responde o meu amigo AHC. Como? Eu diria que seria para o multiplicar.

Porque não uma estrela na testa dos judeus? Mas como identificar os judeus? Desenterrando um qualquer Mengele? E meia estrela com meio galo de Barcelos nos semi-judeus, seja em que grau for, como seremos quase todos, mesmo, porventura, alguns dos chineses humildes e laboriosos que vivem connosco? E uma... sei lá, tanga pintada na testa dos africanos e meia tanga e meio galo de Barcelos nos luso-africanos? E uma pinta na testa dos indianos e meia nos luso-indianos? E uma flor de lotus nos chineses e meia com meio galo de Barcelos nos lusos-chineses, até agora rarissimos pelas razões que sei ? E nos filhos e netos e bisnetos de toda essa gente que selo ou estigma lhes gravar na face e na alma? Sendo mais concreto, o quê, por exemplo no José Manuel Fernandes, em que me parece poder vislumbrar-se uma clara ascendência berbere? E nos filhos dele?

Que emblemas e estigmas para as “identidades” individuais inumeráveis e exponenciais que inapelavelmente geraremos todos nós, brancos e pretos, meio-brancos e meio pretos, caucasianos e semitas, mistura riquíssima crescente de tudo isso, seja lá o que isso for. Eu, branco - que estranho dizer-me assim de mim próprio -, louro e de olhos esverdeados, muito provavelmente com ascendência de algum selvagem Vikings, mas possivelmente mais parecido com um negro de S. Tomé se tivermos, por exemplo, um metabolismo do fígado idêntico, ou tivermos ambos nascido e crescido na minha Leiria do anos cinquenta, do que parecido com um filho de beirões como os meus pais mas que tenha nascido e crescido em Angola e com diabetes, que felizmente nem eu nem o meu suposto primo africano temos? Percebe? “Todos diferentes, todos iguais”... e agora o quê?

Depois do orgulho gay, o orgulho negro, e, portanto, o branco, e o de todas as outras cores. E porque não o orgulho rico e meio rico e pobre? E o orgulho dos filhos de elites, sejam lá elites do que for, politicas, académicas, médicas, cientistas, industriais, comerciais, bancárias? E o INE passar a perguntar e registar isso tudo.

Fui até à caricatura para se perceber a tolice. Mas o pior, claro, não é ser tolice. É ser crime, pelos dramas pessoais e a catástrofe social que desencadearia.

Numa Feira do Livro em que estive no stand da Gradiva com José Hermano Saraiva - que saudades desse Amigo admirável - ele desafiou-me para o exercício de identificar o mosaico caleidoscópio de diversidade de origem étnica dos portugueses que iam passando e conversando connosco.

Meu caro Alexandre: li o seu artigo chocado e surpreendido. Como é possível que nem mesmo alguém como o Alexandre veja a armadilha que querem armar? O delírio que também o Alexandre está a ajudar a promover.

A intenção do Alexandre é boa, não duvido, tal como achou ser bem intencionada a daqueles que discordam de si. Boa mas inadvertida, ingénua, a sua só pode ser isso. É que com essa sua posição está a dar importância e sentido ao que deve ser tratado e enfrentado como a pura ideologice que é. Está a dar “corda” ao que devia saber a que conduziria, perceber-lhe as consequências devastadoras, pessoais e sociais.

O delírio das identidades (mais criminoso ainda num país como o nosso), a invenção dessa tolice, seria criar um problema, a probabilidade de um drama para os cidadãos pessoal, educativa e socialmente mais frágeis. E sem qualquer sentido que justifique esse risco. Ora repare, e uso o seu caso para mais um dos inumeráveis exercícios possíveis na nossa sociedade, abençoadamente geneticamente riquíssima, repito: em que etnia o inscrever a si? É que lhe vislumbro (na foto no Observador bem percepíveis) traços de uma ascendência africana, presente, aliás, no stock genético dos Portugueses ao Sul do Tejo numa percentagem de 72% (dados do último estudo). Por curiosidade, 32% nos Portugueses ao Norte do Tejo.

E se for assim, diga-me em que categoria étnica se colocaria, o colocariam. Que selo lhe colocariam na testa? Português/berbere, com ascendência recente? E os seus filhos? Nos netos e bisnetos de toda a diversidade crescente presente na nossa população, o que colacará o INE na ficha deles, que selo e estigma lhes gravará na testa? Como é possível defender tal aberração, meu caro Alexandre? Que sentimentos induziria nos inúmeros cidadãos sem uma formação educativa suficiente e convicções intelectuais sedimentadas, nos que não são as elites, a que tivémos oportunidade ambos pertencer de algum modo? Explique-nos lá como se combateria com isso o racismo! Bem pelo contrário multiplicava-se.

Choca-me que o Alexandre não veja que com isso se está a alimentar os sos racismos e o extremismo político, à esquerda e à direita. Extremismos E “anti”- racistas que sacrificam aos seus desígnios políticos de emprego e estratego a gente fragilizada que procurou pa

No que é preciso insistir é no facto de haver discriminações, insistir na necessidade do combate comum do Estado e da sociedade para as ir erradicando. Mas a mais significativa e nefasta nem é da “raça”. Esta, aliás, sempre ligada à pobreza, confundida com esta. O problema real são essas discriminações, pessoal e nacionalmente “despedaçantes” . Discriminações nepóticas, de família, compadrio político ou de interesses.

Combatamos por uma sociedade meritocrática. Pela educação, pela LIBERAL igualdade de oportunidades, por um ensino público de qualidade, pela avaliação a todos os níveis, pela justiça. Não é esse o combate que temos travado ou querido travar?

A tal “política de identidade”, que o seu artigo objectivamente alimenta, multiplicação exponencial de racismos, conduziria se o delírio não parásse - e acho que parará por extinção natural - A uma regressão civilizacional, a uma espécie de mundo “mad max”... que parece anunciar-se.

Pense nos meus argumentos, meu Amigo. É epifânicio mudarmos de opinião!

* Já agora, gostava de saber de onde é originária a sua família. Se tiver curiosidade em conhecer a origem dos componentes presentes no seu stock genético, diga-me. Falarei ao meu Amigo Carlos Fiolhais que o ajudará nisso.

Abraço do amigo e admirador,
Guilherme Valente

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