Nenhum professor aceitaria seguramente ser cúmplice de Bolsonaro, partidário da tortura e da violência, apoiando-o no cumprimento de desígnios intoleráveis como o de transformar a História à luz da ideologia populista que o move ou o de impor na Escola o regresso da teoria geocêntrica, pondo de lado séculos de estudo, bem como a perseguição e até a morte dos que se opuseram à escuridão da ignorância.
Impossível será também a um professor suportar o desprezo e a indiferença dos Trumps deste mundo, igualmente partidários da tortura e da violência, no que diz respeito às alterações climáticas que nos ameaçam e daí a espontânea adesão ao gesto inesperado e convictamente revoltado da jovem Greta Thunberg que, contagiando colegas e professores de todo o mundo, ousou desafiar os poderes políticos europeus, forçando-os a ouvir a narrativa da tragédia que se aproxima, se se continuar com falsas promessas a descurar o que tem de ser imediatamente feito.
Situações extremadas, em diferentes geografias, e que recebemos incrédulos, revelando ambas, de forma ostensiva, a prepotência e o desprezo pelo Saber e pelo Conhecimento e que qualquer professor repudia porquanto contrárias à sua missão e à autoridade que lhe está subjacente e que encontra o seu significado na competência e no estudo contínuo.
Um professor também não pactua com ciladas que aprofundam a ignorância e anestesiam o acto de pensar.
A facilidade que alimenta a infantilização e ignora as capacidades de crianças e jovens, a apologia do funcional em detrimento do belo, não propiciando a educação da sensibilidade e o desenvolvimento sério do espírito crítico, são exemplos de ciladas que se têm armado aos alunos sob a capa de um discurso falsamente bondoso que põe em risco o seu futuro pois não os prepara para a Vida.
A facilidade foi o argumento usado, por exemplo, pelos criadores do Acordo Ortográfico de 1990, que a ela se referiram focando bizarramente o facto de os alunos não gostarem de acentuar as palavras ou de terem de se esforçar demasiado para decorar as que na sua escrita continham consoantes mudas.
Servindo-se dos alunos, subvalorizaram a etimologia, fomentaram o equívoco e invocaram o critério da pronúncia para simplificar a ortografia, numa atitude de ignorância lamentável pormenorizadamente expressa na Nota Explicativa do Acordo Ortográfico, decretado contra a vontade dos portugueses e das comunidades culturais consultadas.
O resultado está à vista na escrita atabalhoada e caótica da Língua Portuguesa, na dificuldade em ensiná-la, tais são as contradições e os erros que a todo o momento surgem e sobre os quais os próprios alunos se questionam, bem como na violência que representa para um professor ser forçado a «ensinar» o que considera ser um erro.
Um Acordo cuja Nota Explicativa põe, na verdade, em causa o Saber e o Conhecimento e determina a perda da função normativa da ortografia.
Comungando todo o professor, independentemente da sua área de ensino, da ideia de que só o domínio da língua portuguesa permitirá aos alunos bem pensar, e que esse domínio exige que a compreendam, que a escrevam correctamente e sobre ela reflictam, o que a imposição do AO 90 tem impedido, torna-se imperioso voltar a ensinar a escrever correctamente o português, não perpetuando incongruências e erros, e demonstrando igualmente aos alunos que fazê-lo constitui da parte do professor um profundo acto de amizade e de fidelidade ao Saber. Seguramente que nos agradecerão um dia, conscientes de que não os traímos na confiança que em nós, desde o primeiro momento, depositaram.
Os professores não estão sós nesta causa e as 20.000 assinaturas da Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico (ILCAO), com força de Projecto-Lei, demonstraram-no. Entregues na Assembleia da República a 10 de Abril p.p., recebemos entretanto a habitual e já esperada nota de invalidação de algumas assinaturas - cerca de 1000.
Assim sendo, apelamos a todos quantos se revêem nesta causa para a recolha de mais assinaturas, de forma a, simultaneamente, repor as que foram consideradas não válidas e aumentar o número de subscritores.
Poderá fazê-lo em https://ilcao.com/subscricoes/subscrever/
Na Feira do Livro de Lisboa, junto aos pavilhões da Gradiva, que apoia esta nossa iniciativa de recolha de assinaturas, poderá também subscrever a ILC.
Maria do Carmo Vieira,
Professora
2 comentários:
Eu, como simples professor de física e química que sou - dado que perdi o estatuto de professor de Ciências Físico-Químicas, por força da vontade dos espíritos facilitistas dos altos quadros dos serviços educativos do Estado Português, que veem na existência de disciplinas de caráter científico no ensino secundário um mal quase desnecessário, porque só servem para dificultar as aprendizagens, que já deveriam ser todas flexíveis e muito fáceis -, apesar de tentar escrever segundo as normas do Acordo Ortográfico, revejo-me na causa da professora Maria do Carmo Vieira e também vou subscrever esta ILC.
O facilitismo é a principal causa do estado de decadência do sistema de ensino em Portugal.
Um indivíduo, que frequente a disciplina de física e química do 11.º ano, precisa, para ser aprovado, de obter a nota mínima de dez, no 3.º período, e realizar um exame nacional que só vale 30 % da classificação final. Quer dizer, o indivíduo pode passar com um sete, um seis, ou um zero no exame!
Para evitar fraudes, na minha escola assiste-se todos os anos ao corrupio de dezenas de carros patrulha da polícia que transportam de um lado para o outro as provas de exame em processo sigiloso de classificação. É necessário assegurar que os 30 % do exame são atribuídos com a máxima justiça e equanimidade.
Nesta prova escrita e teórica há sempre um grupo destinado à avaliação do trabalho experimental! Já os renascentistas diziam que a experiência é a mãe de toda a ciência! Vai daí, no referido grupo experimental, pede-se aos alunos que identifiquem o aparelho de medida desenhado numa figura e leiam no respetivo mostrador o valor da grandeza física, fazendo de conta que estão a fazer um trabalho laboratorial!
O senhor secretário de estado João Costa, lídimo sucessor de Anas Benaventes e Marias de Lurdes Rodrigues, pode dizer que estamos cheios de medo do facilitismo, mas olhe que fazer trabalho experimental só com papel e caneta pode ser muito perigoso!
Moral da história: o que interessa é ter boa média para entrar em Medicina e Engenharia. Os outros podem ir para o profissional, onde tudo ainda é muito mais fácil!
Já assinei a petição, com a chancela de ser subscrita por uma grande Senhora da cultura no combate a um verdadeiro crime: o novo Acordo Ortográfico!
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