quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

NUNO CRATO E A DESVALORIZAÇÃO DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA


“É preferível um campo de jogos sem uma escola a uma escola sem campo de jogos”.
Woods Hutchinson (médico, professor e membro da “Associação Americana para o Avanço da Ciência”)

No meu post, intitulado “A Classificação da Disciplina de Educação Física”, aqui publicado ontem, abordei a desvalorização avaliativa desta disciplina curricular. Agora, debruço-me sobre os efeitos nefastos da diminuição dos tempos lectivos destinado a esta disciplina, igualmente, no consulado do então ministro da Educação Nuno Crato.

Sobre a importância da Educação Física na formação integral da juventude (conceito muito evocado  e pouco cumprido pelos nossos políticos), suporto-me, novamente, numa conferência por mim proferida (1972) na Sociedade de Estudos de Moçambique (“Palmas de Ouro” da Academia de Ciências de Lisboa), intitulada “Educação Física: Ciência ao Serviço da Saúde Pública”.

Dessa minha conferência que abriu as portas da notabilíssima Sociedade de Estudos de Moçambique à Educação Física, publicada em um dos seus Boletins (vol. 42, n.º 174, Jan-/Dez 1973), transcrevo parcialmente:

“A Sociedade de Estudos de Moçambique, através da respectiva Direcção, na pessoa do Engenheiro Manuel Pedro Romano, seu vice-presidente e presidente da Secção de Ciências (cargo que viria a ser desempenhado por mim no ano seguinte), ao debruçar-se sobre a Educação Física demonstrou ser uma instituição atenta aos problemas científicos do seu tempo e com eles preocupada.

E nesta hora, em que recai sobre mim a difícil tarefa de nesta Casa, representar a Ciência da Educação Física, sinto a responsabilidade dessa estreia que muito é agravada pela falta de mérito de quem se dirige a Vossas Excelências. E isto, sem a pretensão de me servir de uma estafada fórmula de falsa modéstia. Aceitei essa responsabilidade por dois motivos:
1.º Qualquer atitude passiva de cómoda anuência ao sistema de “deixar correr o marfim”, mais do que nunca, me parece desastrosa para os profissionais de Educação Física e, concomitantemente, para a actividade que exercem;
2.º Julgo possuir a sinceridade dos que acreditam, ou melhor têm fé, na enorme avassaladora força que representa a Educação Física no contesto de uma nação  para não se correr o risco de se atingir o declínio do circo romano  sem se ter conhecido o apogeu de uma educação integral helénica.
Na conta de péssimo soldado me teria se antes de enfrentar mais um combate em defesa da minha dama me considerasse vencido, a ponto de encontrar na deserção a única via de saída, ainda que desonrosa! Todavia, mal não me ficará procurar no testemunho de um oficial de outro ofício o aliado insuspeito e valoroso para uma causa que precisa de todos nós. Reporto-me ao teor de uma carta que me foi endereçada pelo engº. Rogério de Carvalho, já falecido, meu correligionário na prática do culturismo:
“É que defendo, por instinto, o seu ponto de vista. Do que me conhece, sabe que  sou dos que endeusam, sem profundo conhecimento de causa, a Educação Física. Adivinho, mais do que sei, que a complexidade de que ela se reveste hoje pertence ao âmbito dos estudos superiores. E não me refiro só ao cuidado, ou melhor à finalidade de aperfeiçoar e corrigir o corpo humano, mas à larga projecção que a Educação Física tem, ou deveria ter, na estruturação das nações. Sou demasiado leigo neste campo para opiniões hiperbólicas, mas uma sociedade sem Educação Física lembra-me a desagradável tristeza de um convento em ruínas e o suspeitoso desconforto de uma casa sem chuveiro, sem azulejos e sem livros. Como a Educação Física, nas suas últimas consequências, atende ao equilíbrio psíquico do indivíduo, ela actua como um arejado e luminoso tratado de relações humanas como, num pilar, o ferro está para o betão. Não acredito, para mais, que um grupo social de indivíduos confortavelmente instalados num corpo saudável, e bem oxigenado, penda, por exemplo, para as drogas”.
John Kennedy soube traduzir, com rara felicidade, a importância da Educação Física, num conceito abrangente de formação integral dos jovens. Escreveu ele:
“A aptidão física não é apenas uma das mais importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e dinâmica. A relação entre a saúde do corpo e as actividades da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte porque os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios”.
Resumindo e concluindo, como escreveu o político e  escritor francês René Andrieu: “Nada mais fatigante do que explicar o que toda a gente devia saber”. Ademais quando têm em suas mãos o destino da juventude de um povo.

Na foto: Fachada do edifício da Sociedade de Estudos de Moçambique

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