Texto que escrevi inicialmente para o projeto Ciência na Imprensa Regional.
Vivemos numa época em que a
atividade científica é realizada a uma escala global, com milhares de
cientistas em inúmeros grupos de investigação e nas mais diversas áreas. Os
resultados destas pesquisas são publicados em revistas científicas
internacionais, com linguagem quase hermética resultante do elevado grau de
especialização, e, portanto, praticamente inacessíveis aos restantes cidadãos.
É neste contexto que nos apercebemos da enorme importância que têm os
divulgadores de ciência ao selecionar, desmontar e explicar, de modo
compreensível a todos, os resultados da investigação internacional.
Vem esta reflexão a propósito
do mais recente livro, “Íris Científica 3”, do divulgador de ciência António
Piedade. Este é um livro dividido em duas partes, em que o autor, primeiro,
olha para fora, falando-nos das pesquisas mais recentes sobre o espaço, para
depois olhar para o que se passa no nosso planeta, abordando a investigação
laboratorial. As macro e micro escalas encontram espaço neste livro de cerca de
140 páginas. São pequenos textos que nos falam dos mais diversos temas
científicos, de um modo fascinado e literário, quase poético. Aliás, não
poderia começar de melhor maneira: “Olho o conhecimento com um deslumbramento
novo!”. Ou ainda, mais à frente, antes de falar da gama do espetro da luz solar
que os nossos olhos são incapazes de captar, escreve: “Abraço o arco-íris com o
olhar visível”. Um último exemplo, já no final do livro, após explicar a cor
das folhas das árvores nas várias estações, recorrendo à fisiologia das
plantas, conclui: “Disfrutemos a beleza da paleta outonal, pois não há outra
igual!”.
Este é ainda um livro de
desafios, quando, por exemplo, começando por falar da Terra incita-nos a
calcular a massa da via láctea. Ou qual a quantidade de cálcio ou sódio existe
no nosso corpo, ou ainda o que está a acontecer à mancha vermelha de Júpiter?
Ao mesmo tempo que o autor
divulga a investigação realizada, aproveita também para partilhar algumas
reflexões, como no caso em que, ao falar da cooperação entre as primeiras
células que foi necessária para o desenvolvimento da vida na Terra e ao falar
da cooperação entre astrónomos de vários países que permite observações de
campos recônditos do cosmos, constata quão importante é a cooperação para a
vida assim como para as nossas atividades quotidianas: cooperando alcançamos “aquilo
que sozinhos não conseguimos, ou levamos mais tempo a atingir”.
Outro aspeto relevante, e que
pode passar despercebido à maioria dos leitores, é como a situação social está
a afetar a nossa vida, o que se reflete na nossa maneira de pensar e por
conseguinte de comunicar. Como vários investigadores têm notado, o contexto
bélico do século XX influenciou a criação de metáforas em bacteriologia e
imunologia, com bactérias que atacam, um sistema imunológico que se defende dos
invasores e um interior do corpo humano que é um campo de batalha. No presente,
António Piedade fala da genética numa linguagem diferente, em que menciona
“diálogo” entre cromossomas, interação com um “governo bioquímico que estamos
longe de entender bem”, “confrontação democrática”, “tendências”, ou “economia
genética”. Sinais dos tempos em que a preocupação com a guerra deu lugar à
preocupação com a situação política e económica, criando uma linguagem de pensamento
nova.
Os textos de “Íris Científica
3” resultam de crónicas que tem escrito para o projeto Ciência na Imprensa
Regional – Ciência Viva. Este livro vem
juntar-se aos outros dois anteriores, formando uma coleção que vale a pena
acompanhar e, decerto, ser estudada do ponto de vista académico num futuro
próximo.
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