São vários os seus "ingredientes" do novo modo de pensar que se instalou na educação escolar e a determina. Não é fácil reuni-los, captar o seu sentido e operacionalizá-los, nem perceber a sua interligação.
Expressões como auto-estima, auto-conceito, auto-conhecimento; inteligência emocional e, até, espiritual, inteligências múltiplas; afectos e emoções, e gestão dos ditos afectos e emoções; informação e sociedade do conhecimento; tecnologias e múltiplas das suas especificações; games, gamificação, ludicidade; diferenciação e colaboração; terapias várias nas quais se inclui a do riso, empreendedorismo, iniciativa e resiliência; coaching e mindfulness... devem constituir o novo vocabulário de quem se quer mostrar moderno no campo da pedagogia.
Trata-se de expressões que, na sua maioria, são importadas de outros campos, nomeadamente da psicologia (geral e clínica) e das tecnologias, mas, talvez, sobretudo do quotidiano social, com todas as suas forças de expressão e de pressão.
Ainda que correndo o risco de cometer heresia face ao que se encontra estabelecido e é dado como verdade inabalável, algumas pessoas da área da pedagogia e de fora dela começam a publicar reflexões interessantes e importantes a que devemos dar atenção.
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Transcrevemos abaixo partes (com adaptações) de um texto publicado no The New York Times, que, de modo muito claro, cumpre esse requisito, até porque o mindfulness é elevado, neste momento, no nosso país, a medida capaz de concorrer para o sucesso escolar (Mind up), tendo, nessa medida, sido adoptado em várias escolas.
Ruth Whippman
A técnica da atenção plena (mindfulness) é, supostamente, uma defesa face às pressões da vida moderna mas, de forma suspeita, começa a tornar-se em mais outra pressão – é um círculo especial do inferno do autodesenvolvimento (...).
Trata-se de uma filosofia certamente mais recompensadora para aqueles cujas vidas se pautam por momentos privilegiados, em comparação com quem se depara com horas de trabalho, humilhação e exaustão.
Aconselharem-nos a viver mais no presente, em atenção plena, contém muitas vezes uma dose de presunção moralizante; é uma espécie de "momento de vergonha" dos mais distraídos, como um professor severo que nos repreende por não estarmos concentrados na aula (...). A verdade é que as nossas vidas são muito mais interessantes vivendo fora do presente do que nele (…).
Uma das mais magníficas actividades do nosso cérebro é a capacidade de equacionar alternativas passadas, presentes e futuras em paralelo, de modo a ultrapassar o tédio da vida quotidiana. O que diferencia os humanos dos animais é precisamente esta capacidade de nos desligarmos do que está a acontecer num exacto momento, dando-lhe contexto e significado. (…)
A implicação [da filosofia subjacente ao mindfulness] é que, descurando viver o momento no momento, somos ingratos e não-espontâneos, estamos a desperdiçar as nossas vidas, e portanto, se somos infelizes, a culpa é nossa e só nossa.
Esta atitude moralista é parte de uma longa história de auto-ajuda baseada no pensamento cultural de policiamento. É o "movimento de pensamento positivo" a transformar os problemas quotidianos em "pensamentos problemáticos". A "atenção plena" torna-se o foco do nosso apetite pelo auto-aperfeiçoamento interior.
Quando antes se entendia que os problemas, mesmo os mais complexos e enraizados – desde um casamento infeliz ou stress laboral até à pobreza e discriminação racial – deviam ser encarados para serem superados, agora a ideia é "instruir os aflitos" a serem mais conscientes desses problemas.
Isto é uma espécie de neoliberalismo das emoções, em que a felicidade é vista, não como uma resposta às nossas circunstâncias, mas como resultado do esforço mental individual, e, naturalmente, como uma recompensa para quem o consegue e, por isso, o merece.
O problema não é a nossa renda de casa altíssima ou o salário miserável, os nossos chefes corruptos ou a pilha gigante de pratos sujos para lavar – o problema somos nós.
É, naturalmente, mais fácil e mais barato responsabilizar o indivíduo pelos seus pensamentos errados do que abordar as causas espinhosas da infelicidade, que, bem vistas as coisas não é só dele.
Assim, damos aulas de mindfulness em vez de nos debruçarmos sobre a desigualdade educacional e instruímos trabalhadores exaustos para uma respiração atenta, em vez de lhes providenciar férias pagas ou melhores cuidados de saúde.
Embora alguns dos estudos demonstrem que o mindfulness ou exercícios semelhantes possam ter alguns benefícios, quando comparados com outras técnicas de relaxamento (...), verifica-se que as pessoas não conseguem, com isso, um melhor desempenho (...).
Assim, em vez de gastarmos a nossa energia lutando para permanecermos no momento presente com atenção plena, talvez devêssemos simplesmente estar gratos pelo facto de o nosso cérebro nos permitir estar noutro lugar.
Maria Helena Damião e Joana Branco
1 comentário:
Não vou alargar-me em considerações, mas louvo a análise que é feita com abertura de perspetivas críticas.
Todas as estratégias e metodologias para ensinar padecem do mesmo vício, qual seja o de, eficientemente, quererem "levar" o aprendiz a saber, fazer, reproduzir, determinadas matérias que lhe são alheias.
Há em tudo isso uma violência, que alguns louvam, mas que uma boa parte, preferia não ter sofrido.
Sempre (sempre) no pressuposto do interesse do próprio, submete-se o indivíduo, não apenas a uma visão (religião, ideologia, crença), mas também a uma condição inelutável de "estar sujeito".
O haver "um preço a pagar para..." já é uma situação de privilégio. Abandonada a pedagogia da palmatória e do chicote, nem por isso se deixou de recorrer a instrumentos de persuasão, de coerção e de humilhação e de castigo.
Em geral, assiste-se, hoje, a uma culpabilização da criança e do jovem, primeiro, por viverem à custa de alguém, nomeadamente dos subsídios para a sua formação (obrigatória).É óbvia a dificuldade de lhes imputar responsabilidades pelo que quer que seja. Sê-lo-ia se fossem adultos, muito mais por o não serem.
É toda uma filosofia e uma concepção sobre a natureza do homem e os processos de socialização/aprendizagem, que subjazem ao paradigma educacional atual, que vale a pena questionar e pôr em causa.
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