terça-feira, 20 de dezembro de 2016

SEBASTIÃO FORMOSINHO (1943-2016)


O Prof. Sebastião Formosinho, professor de Química da Universidade de Coimbra, acaba inesperadamente de nos deixar. É uma grande perda para a pedagogia, a ciência, a tecnologia, a história da ciência, a sociologia da ciência, filosofia da religião e empreendedorismo. Foi meu Professor e meu Amigo. Por duas ocasiões apresentei livros dele. Tenho artigos escritos com ele, inclusivamente um que ainda não foi publicado. Era, acima de tudo, para além de um homem sábio um homem bom. Deixo aqui em sua homenagem uma nota bio-bibliográfica, que não faz justiça a tudo aquilo que fez e nos deixou. Que descanse em Paz.

Sebastião Formosinho, Professor de Química da Universidade de Coimbra,  nasceu em Oeiras em 19 de Setembro de 1943 e morreu em 19 de Dezembro de 2016. Ascendeu a Professor Catedrático em 1979, tendo antes sido Professor Extraordinário (1974), Professor Auxiliar (1971) e Assistente (1964) na Universidade de Coimbra (foi também Assistente na Universidade de Lourenço Marques). Entre 1990 e 2003 foi Professor da Universidade Católica. Obteve o Doutoramento em 1971 na Royal Institution da Grã Bretanha, tendo sido seu supervisor o Prof. George Porter, Prémio Nobel da Química de 1967. Obteve a agregação na Universidade de Coimbra em 1974, a mesma instituição onde se tinha licenciado em Ciências Físico-Químicas em 1964.

A sua carreira profissional é muito rica e diversificada: como é normal num académico, inclui as normais componentes científica (é autor de mais de cerca de 240 artigos científicos, com mais de 2000 citações, sobre química, ensino, história, filosofia e sociologia da ciência) e pedagógica (para além de professor de numerosos de alunos, foi autor de manuais não para os ensinos básico, secundário e superior), mas também uma componente política (foi Secretário de Estado do Ensino Superior), de gestão académica (dirigiu a Escola de Engenharia da Figueira da Foz e o Centro Regional das Beiras, em Viseu, da Universidade Católica, para além dos cargos de gestão que assumiu na sua universidade), técnico-industrial (presidiu à Comissão Científica Independente, que estudou a Co-Incineração de Resíduos Industriais Perigosos, um problema muito discutido no início deste século na sociedade portuguesa), de empreendedorismo (registou três patentes internacionais e criou uma startup) e cultural (é autor de cinco livros que abordam temas de ciência, filosofia e teologia, em colaboração com um padre católico).

Os seus interesses da investigação científica situam-se da reactividade química (modelos unidimensionais, reacções de transferência de electrões e protões no estado fundamental e em estados excitados), processos fotofísicos e fotoquímicos (em moléculas aromáticas), terapia fotodinâmica, produção de energia solar, história, filosofia e sociologia da ciência (em particular, controvérsias científicas, marcas culturais da ciência e relações ciência-religião). Contam-se na sua bibliografia mais de 180 artigos de química e cerca de 65 artigos de ensino, história, sociologia e filosofia das ciências. No quadro da sociologia da ciência interessou-se pela questão do "conhecimento tácito" de Michael Polanyi e pela identificação de marcas culturais na ciência através de análise bibliométrica. Organizou três reuniões internacionais. Chefiou a avaliação internacional dos centros de química nacionais.

Entre as tarefas de gestão que desempenhou, as principais foram: Presidente  do Conselho Científico da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (1978-79); Secretário de Estado do Ensino Superior nos 7.º e 8.º Governos Constitutionais (1980-81); Director do Departamento de Química de Coimbra (1983-86, 2004-08 e 2009-13); Presidente da Escola de Engenharia da Universidade Católica, Figueira da Foz (1991-94), Presidente da Sociedade Portuguesa de Química. (1992-98); e Presidente do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica, Viseu (1994-2003).

Recebeu vários prémios e distinções, das quais se destacam o Prémio da Fundação Gulbenkian para as Ciências Básicas (1994); o Prémio Estímulo à Excelência da Fundação para a Ciência e Tecnologia (2004); o Prémio Artur Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa (1972); a Medalha Ferreira da Silva da Sociedade Portuguesa de Química (1984); o Prémio Aboim Sande Lemos da Faculdade de Teologia da Universidade Católica (1998), IUPAC Fellow (2002); e o Prémio Inventa da Caixa Geral de Depósitos (2011) (para as patentes de que é co-autor).

Para além de ter co-editado três livros internacionais e dois nacionais, é autor de 28 livros que se repartem por quatro áreas: química, sociologia das ciências, resíduos químicos perigosos,  e sobre as relações entre ciência e religião.

1- Manuais escolares, tanto para o ensino básico e secundário como para o ensino superior. No primeiro grupo, refiram-se: Problemas e Testes em Química Geral  - 1.º vol., Coimbra Editora, 1981, com A.C. Cardoso e F. Pinto-Coelho, e 2.º vol., 1983, com A.C. Cardoso e M.G.M. Miguel; Química para Ti, 8.º ano, Livraria Minerva, 1984 e 9.º ano, ibidem, e 10.º ano, ibidem, 1987, todos eles com V. M.S. Gil, J.J.C. Teixeira Dias e A.C. Cardoso;  Química do Quotidiano (10.º ano). Livro do Aluno e Manual de Laboratório. Almedina, 1994, com A. C. Cardoso. E, no segundo grupo: Fundamentos de Cinética Química, Fundação Gulbenkian, 1983; Estrutura Molecular e Reactividade Química, ibidem, 1986, com A.J.C. Varandas; Cinética Química. Estrutura Molecular e Reactividade Química. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2003, com L. G. Arnaut; e Chemical Kinetics. From Molecular Structure to Chemical Reactivity, Elsevier, 2007, com L.G. Arnaut e H. Burrows.

2- Três livros sobre o processo da coincineração de resíduos tóxicos perigosos: Parecer Relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos, Principia, 2000, com C. Pio, H. Barros, J. Cavalheiro, 2 vols; Co-incineração. Uma Guerra para o Noticiário das Oito, com J. Cavalheiro, C. Pio, H. Barros, R. Dias e M. Rodrigues, Campo de Letras, 2003; e  Relatório de Actualização dos Processos de Co-incineração em Articulação com os CIRVER, com J. Cavalheiro e  C. Pio,  Porto, 2005.

3- Cinco livros sobre o modo como se faz ciência, em particular o processo de avaliação pelos pares Nos Bastidores da Ciência. Resistência dos Cientistas à Inovação Científica. Gradiva, 1988; O Imprimatur da Ciência. Das Razões dos Homens e da Natureza na Controvérsia Científica. Coimbra Editora, 1994; e Nos Bastidores da Ciência. Vinte Anos Depois, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007; Uma intuição por Portugal, Artez, 2009; e Nos Palcos da Ciência: uma apreciação estética da heterodoxia científica, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015. Este último livro é a versão alargada da "última lição" que o autor proferiu em 20 de Setembro de 2013 no Departamento de Química da sua Universidade. Trata-se de um resumo da sua trajectória científica e nele o autor faz um balanço da controvérsia que o seu "modelo dos estados de intersecção" (em inglês Intersecting State Models, ISM) e a sua "teoria de efeito túnel" suscitaram por terem enfrentado paradigmas instalados na ciência química, nomeadamente a teoria de Marcus, da autoria do canadiano Rudolph  Marcus, Prémio Nobel da Química de 1992. A proposta que Formosinho fez com os seus colaboradores foi considerada heterodoxa e é esta a história dessa heterodoxia científica que ele conta neste seu livro. Contra ventos e marés o ISM, a "bela" ideia do autor, tem conseguido afirmar-se.

4- Cinco livros (pode-se chamar uma pentalogia), de índole filosófico-teológica, onde se analisam questões de ciência e religião, em colaboração com o Padre Oliveira Branco: O Brotar da Criação. Um Olhar Dinâmico pela Ciência, a Filosofia e a Teologia. Universidade Católica, 1997; A Pergunta de Job. O mistério do mal, ibidem, 2003; e O Deus que não temos. Uma história de grandes intuições e mal-entendidos, Bizâncio, 2008;
A Dinâmica da Espiral. Uma Aproximação ao Mistério de Tudo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013; A Esperança, Utopia Impossível? Da insatisfação como via do (que podemos) conhecer, e esperar, e devir, Imprensa da Universidade de Coimbra, no prelo. É autor ainda de Ciência e Religião. A modernidade do pensamento epistemológico do Cardeal Cerejeira. Principia, 2002.

Muito dificilmente poderia um académico ter maior diversidade de títulos, todos eles servidos por uma mente sábia e uma escrita competente. O Prof. Sebastião Formosinho foi um pedagogo, cientista, tecnólogo, sociólogo e filósofo cuja ampla obra em domínios muito diferentes merece admiração. O seu último título, que será póstumo, poderá servir-nos de inspiração: 
Esperança, Utopia Impossível? Da insatisfação como via do (que podemos) conhecer, e esperar, e devir.

1 comentário:

Francisco Lá Féria Oliveira disse...

Sem dúvida uma grande perda.
Foi meu professor a duas cadeiras.
Descance em paz.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...