Eugénio de Castro, um poeta muito esquecido.
Nele há poemas como este de 1989: "Um sonho"
Como todos os poemas precisa de tempo.
Requer uma leitura, outra e outra...
até que as palavras e a sua musicalidade
fiquem com o leitor...
Um Sonho
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaiece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acento
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...
Soam vesperais as Vêsperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, morena! em contactos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
2 comentários:
Pouco sei de Eugénio de Castro, mas a repetição de sons e a predominância de vogais abertas logo no primeiro verso lembram-me um pouco Camilo Pessanha e a sua Clepsidra. Na verdade, por vezes perdemo-nos a ler abstractos livros que não acrescentam e deixamos pérolas destas para trás. Este poema é um exercício de canto ao português que falamos e escrevemos. Ao contrário do que muita gente afirma, sustento como o Poeta que a nossa pátria é mesmo a línua portuguesa, é no seu território que evolvemos. Para bem e para mal. Esta é a pátria que se não perde nem no exílio, mau grado o quererem mudá-la com AO.
Espero bem que se levantem as vozes dos mortos e dos vivos que importam. A dos mortos está de pé, viva e pronta, como se lê em Eugénio de Castro. E a dos vivos?
Dou os parabéns à iniciativa de recordar Eugénio de Castro com um dos seus mais expressivos poemas. Infelizmente, tão importante autor permanece no olvido: com a publicação de Oaristos (1890) à qual se seguiriam muitas outras, ao longo da sua vida, Eugénio de Castro iniciou o seu programa de introdução da corrente artística do Simbolismo, cuja influência havia de chegar a nomes tão importantes como Camilo Pessanha, António Nobre, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
Eugénio de Castro audazmente tentou renovar a literatura portuguesa, procurando criar uma "arte pura", ou uma "arte pela arte", criticando os lugares comuns da desmaiada e decadente estética ultra-romântica e enfatizando a originalidade e elaboração cuidadosa das poesias. Para além disso contribuiu para o renascimento do teatro português finissecular com obras de calibre como "Belkiss", um êxito internacional, que o fez ser elogiado por grandes personalidades como Miguel Unamuno e Rubén Darío.
Não nos esqueçamos dele e dos seus companheiros simbolistas!
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