segunda-feira, 4 de agosto de 2014

No rescaldo do Campeonato do Mundo de Futebol 2014

“Só há uma forma de entender o fenómeno desportivo: na perspectiva das estruturas sociais. O que há de característico e fundamental no desporto é, justamente, o que define e caracteriza a sociedade em que ele se realiza” (José Esteves, professor de Educação Física, in “O Desporto e as Estruturas Sociais”).

Tendo em conta a amargura que transpareceu no rosto dos amantes portugueses do desporto-rei, e numa altura propícia a críticas em que, por vezes, segundo Pascal, “o coração tem razões que a razão desconhece”, julgo vivermos uma belíssima ocasião para  não deixar cair no esquecimento os verdadeiros males que afectaram a desconsoladora participação da nossa Selecção Nacional no Campeonato do Mundo  de Futebol de 2014. Isto é, a culpa, como é hábito nacional , não deve morrer solteira!



Por esse facto, torno a abordar  um  assunto que tanta tinta fez correr, tantas horas televisivas ocupou, tantas tertúlias de mesa de café mereceu, por os campeonatos mundiais de futebol se tornarem, por vezes,  numa espécie de tribunal popular em que  são sentados unicamente no banco dos réus os respectivos seleccionadores nacionais. Colho o exemplo do despedimento do brasileiro  Filipe Scolari (que chegou a ser tido inicialmente  de  motu proprio ) diferente da posição assumida por Paulo Bento  que, isentando-se de quaisquer culpas no cartório,  disse, peremptória e publicamente, perante as câmaras de televisão, que não se demitiria.  Pudera, não! Como escreveu João de Deus:  “O dinheiro é tão bonito / Tão bonito o maganão! / Tem tanta graça o maldito /  Tem tanto chiste, o ladrão”.

Quanto à direcção da Federação Portuguesa de Futebol, parafraseando uma expressão utilizada nas actas das audiências dos tribunais portugueses “aos costumes disse nada”, também ela, ainda nada disse sobre  medidas futuras a tomar para evitar novos e previsíveis desaires.  E aqui põe-se a questão: mas serão os selecionadores nacionais os únicos  culpados? Porventura, estarão isentos de culpa os  governantes com a tutela do Desporto, os dirigentes federativos que se põem  em evidência quando as vitórias lhes batem à  porta e  recolhem ao silêncio quando as derrotas lhe entram casa adentro? E os próprios  jogadores, estrelas de um firmamento futebolístico que nem sempre cintila, fazendo dos campeonatos mundiais de futebol  uma feira de venda de si próprios, com a ajuda preciosa dos seus agentes, atingindo os seus passes cifras astronómicas e, ipso facto, descurando o necessário jogo de equipa de uma modalidade desportiva colectiva por excelência?
Ou seja, em que cada jogador joga apenas em possível (e nem sempre conseguido) proveito próprio, desrespeitando os interesses da equipa nacional que representa, e atentando, em desespero de causa, contra a integridade física dos jogadores da equipa adversária, fazendo com que o desporto profissional corra o risco de se tornar num verdadeiro circo dos tempos  da Roma Imperial. Entretanto, em nossos dias, nos camarotes vipes, altas personalidades da vida nacional, alijam  possíveis responsabilidades, enquanto na arena seleccionadores e jogadores se tornam pasto de verdadeiros e ululantes fanáticos que enchem os estádios  e tudo deles exigem, passando das palmas aos assobios, num abrir e fechar de olhos, já que não podem exigir o sacrifício das suas vidas, em desforço de uma nação humilhada.

E, desta forma, são esquecidos os aumentos de impostos, os cortes  nos ordenados e pensões de velhos e doentes,  um serviço nacional de saúde a rebentar pelas costuras, um ensino alfobre de mediocridade, uma economia deficitária com bancos recapitalizados com o dinheiro dos contribuintes  e o aumento de desemprego - o maior flagelo de qualquer sociedade. Irónica e paradoxalmente, são, por vezes, em época de eleições, estas desgraças transformadas em bandeiras de êxito governativo de uma sociedade em que os pobres deste mundo de Cristo estão cada vez mais pobres, a classe média passou a pobre e os ricos estão cada vez mais ricos por mando, ou simples conivência,  daqueles que, por usarem suspensórios,  exigem que o povo aperte o cinto de calças com o cós descaído na cintura de um corpo com fome ou, apenas,  uma alimentação deficiente.   
 Por ”o desporto caracterizar a sociedade em que se realiza”, como bem enfatizou, e nunca é de mais repetir, José Esteves, doutor honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, , interrogo-me, e interrogo o leitor: poderá a nossa  selecção, debaixo da orientação de Paulo Bento, ainda mesmo   remendada com um ou outro novo jogador, vir a fazer melhor no Campeonato Europeu de Futebol que se avizinha?  Julgo que só por milagre! E os milagres não acontecem todos os dias. Por isso mesmo é que são milagres.  Seja como for, que a eliminação da equipa das quinas tenha servido de lição para que se não repitam erros passados em tentar, através de mezinhas de curandeiro resolver os verdadeiros problemas   da nossa mórbida participação no último  Campeonato do Mundo.

A preparação do próximo Campeonato Europeu bate-nos já à porta. Entretanto os graves problemas que afectam a sociedade portuguesa  continuarão a ser deitados para trás das costas, voltando tudo à tristeza do nosso dia-a-dia até que a alegria volte a espelhar-se nos rostos lusitanos por os majestosos estádios de futebol do Velho Continente se encherem  de novo em renovada esperança  no esquecimento das sábias palavras de Sthepen Covery: “Se continuarmos a fazer o que estamos a fazer continuaremos a conseguir o que estamos a conseguir”.

4 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista;
No Mundial da África do Sul, os jogadores, não querendo admitir as suas limitações, vieram a publico justificar-se, e com isso, atribuir as culpas ao treinador Carlos Queirós, com a cumplicidade e cobardia dos dirigentes federativos, tais foram as declarações do Pepe, do Cristiano Ronaldo e outros...
Com o Paulo Bento, os jogadores, por não quererem ser repetitivos, receando caírem em descrédito, sempre a mesma desculpa não seria mais tolerável, escusaram-se de o fazer.
Mas os dirigentes federativos o que fazem, e fizeram, no caso do Professor Carlos Queirós fizeram a maior das vergonhas e humilhação que se pode fazer a um qualquer profissional; no caso do Paulo Bento nada fazem, são por isso dois pesos e duas medidas.
Por ventura estarão os dirigentes federativos correctos com o Paulo Bento, e devem segura-lo no cargo, eu acredito que ele pode ainda conseguir bons resultados no futuro, mas se isso vier a acontecer, nunca será um mérito dos deles, já mostraram a sua incompetência, a sua mesquinhez e pequenez de princípios, e de gente desta nada de bom e grandioso se pode esperar; quer seja no futebol ou nos outros sectores da vida, o que deve existir acima de tudo é uma conduta, mas no futebol a bola é redonda, e talvez a probabilidade de sucesso seja um pouco mais elevada, e os princípios podem ainda ser mais um pouco mais abandonados.

Cumprimentos Cordiais,

francisco feijó delgado disse...

A Alemanha tinha 14 jogadores abaixo dos 26 anos, nós tínhamos 3 (e o Rafa não saiu do banco). O Bayern contribui com 7 jogadores para a selecção alemã, o Real, equipa que contribuiu mais para a selecção nacional, forneceu 3 jogadores.

Olhando só para os futebolistas centro- e sul-americanos que se estrearam na Europa em clubes portugueses havia 12 jogadores, de entre os quais o melhor marcador do torneio e 3 presentes na final, sendo que todos eles progrediram mais que a selecção portuguesa (James Rodriguez, Jackson Martinez, Hulk, Ramires, David Luiz, Fucile, Maxi Pereira, Angel Di Maria, Enzo Pérez, Ezequiel Garay, Diego Reyes, e Hector Herrera), não contando com outros como Falcao que se lesionou, ou ainda jogadores quer doutros países (Mangala, Nabil Ghilas, Islam Slimani), quer sul-americanos mas que não se estrearam em Portugal (Marcos Rojo, Juan Quintero).

Não há milagres...
http://blog.scheeko.org/2014/07/breve-analise-pos-mundial/

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Festejo o seu reaparecimento como comentador dos meus post's. Trazem-me os seus comentários um "feed-back" precioso para reflectir sobre aquilo que escrevo sem a pretensão de ser senhor da verdade. Aliás, procuro suportar-me em Pessoa: “Concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador”.

E essa razão, ou simples esclarecimento público para a má prestação da selecção nacional, não é apresentada pelos actuais responsáveis da Federação como se tudo tivesse corrido no melhor dos mundos. Aliás pecha nacional em manter os problemas no segredo dos deuses ou, pior do que isso, "deixar ladrar os cães enquanto a caravana passa ".

Rui Baptista disse...

scheeko: Comungamos da mesma opinião: "não há milagres..." E, muito menos, julgo eu que não deve a preparação da selecção das quinas poder continuar a estar sujeita a improvisações tão ou gosto da nossa índole nacional.

Muito apreciei o seu comentário, aconselhando vivamente o leitor a consultar a análise que faz no seu blogue, referenciada no final do seu comentário.
Pela minha parte, limito-me a chamar a atenção sobre a nossa prestação do mundial de 2010.

Nesse ano, sendo Carlos Queiroz seleccionador nacional, chegámos aos oitavos de final onde fomos eliminados pela Espanha que se viria a sagrar campeã do mundo; obtivemos o resultado mais volumoso ao vencermos a Coreia do Norte por 7-0; a equipa nacional brasileira apenas levou de vencida a equipa da Coreia do Norte pelo tangencial resultado de 2-1.

Enquanto Portugal em 2014 baqueou na fase de grupos , em 2010, “Portugal não chegou aos quartos de final mas no cômputo geral ficou em 11.º lugar (Inglaterra 13.º - Dinamarca 24.º - Grécia 25.º - Itália 26.º - França 29.º). Os três primeiros são os únicos europeus (Esp., Hol, Ale.), 5 da América Latina, 1 africano (Gana) e um asiático (Japão)” (Boaventura, 2010).

Esta a realidade dos factos e contra factos não há argumentos, na “vox populi”. Desconheço a classificação de Portugal/2014 no cômputo geral. Seria de interesse estar de posse desse elemento para poder cotejar ambos.

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