Recebemos do Prof. Arnaldo A. Dias da Silva, Professor catedrático emérito, especialista em Alimentação Animal, ex-director do CECAV, unidade da UTAD, o seguinte texto:
São hoje
públicas as críticas, quase todas contundentes, à recente avaliação dos Centros de ID encomendada
pela FCT a uma instituição europeia com falência anunciada para o final
deste ano, conforme foi publicado pela imprensa.
A muitos, como eu, parece que a FCT que, num passado recente, ajudou um número considerável de
pessoas a lutar bravamente para que Portugal tivesse um instrumento
indispensável ao desenvolvimento do país, caminha para bater no fundo de um precipício.
Todavia, uns
quantos bem dentro do “sistema”– poucos, estou crente - procuram fazer passar a
imagem diametralmente oposta, dando vazão a um posição que, por vezes, assume
foros de infantilismo.
O mundo científico não pode deixar que o actual clima, que nos
tenta embalar, com cheiro melífluo, perdure. Não podemos assistir serenos e
impávidos ao que se está a passar, destruindo o valioso trabalho realizado
durante os últimos anos pela própria FCT. Bem conceituados professores-investigadores da nossa praça, desempoeirados, sem papas na língua e sem teias de aranha na cabeça, têm denunciado situações absolutamente disparatadas.O Prof. Sobrinho Simões do bem conhecido IPATIMUP, o Prof. Carlos Fiolhais da
Universidade de Coimbra que mantém um blogue na internet muito atento à
avaliação dos Centros da FCT, o Prof. Renato Carmo do CIES ou o
jornalista José Vítor Malheiros no jornal PÚBLICO, são bons exemplos do
inconformismo e revolta perante a actual
situação. Na imprensa e na internet, estas e outras pessoas
qualificadas têm manifestado a sua opinião com desassombro. Será que temos de
chegar a dizer: “Bons tempos aqueles em que estes respeitados
professores-investigadores e muitas outras pessoas entusiasmavam os jovens a
obterem graduação adequada para entrarem no mundo científico e transformarem
Portugal num país desenvolvido”?
Teremos chegado ao fim da ciência entre nós?
Com orgulho faço parte da maioria que não quer ser silenciosa, como numa
tirada infeliz chamou aos investigadores o actual presidente da FCT. Recuso-me a aceitar que este estado de
coisas persista, pois decididamente este não é um modo saudável de conduzir a
ciência.
“Injusto,
sectário!” dirão
alguns dos obedientes a esta política científica, exaltados e talvez baralhados
por análises tão negras, por leituras tão destrutivas da situação pacífica
- dirão eles – já que gostam de estar sempre de bem com todos, particularmente
com o poder que talvez lhes possa atribuir algumas benesses. Estou em crer que não são hoje em dia a
maioria dos nossos professores universitários e investigadores. No entanto, a
experiência diz-me que, com este (des)governo podemos sempre,
desgraçadamente, cair mais e haverá - sempre houve - quem veja oportunidade de
aproveitar o que se vai passando em seu benefício ou do grupo de investigação a
que está ligado, por convicção ou por oportunismo, e não tenha grandes
preocupações de coerência com o seu próprio passado, mesmo o mais recente.
Sobre a
tristemente famosa avaliação das unidades ID pela FCT, revejo-me
inteiramente nas críticas que o Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. António Cunha
Serra, explanou com clareza aos microfones da Rádio Renascença na última
semana de Julho.
Mas, para
mostrar que a desadequação dos avaliadores às coisas avaliadas não é só de
agora, vejamos o que se passou com a
avaliação do “Projecto Estratégico 2011-2013” das unidades de
ID de Ciências Agrárias, que inclui o Centro de que fui director até
Setembro de 2009 – o CECAV, Centro de Ciência Animal e Veterinária, da
UTAD, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro? Este Centro é de índole agrária bem como
todos os outros seis incluídos no mesmo
grupo de avaliação, embora as designações não sejam clara como deviam. Ficou excluído o INIAV, Instituto
Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, que
está na tutela do Ministério da Agricultura. O ICAAM da Universidade de
Évora (Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas) foi
enquadrado na mesma categoria para avaliação da FCT e sobre a justa
indignação de membros do ICAAM perante a classificação de Bom desta
unidade ID pode ler-se o PÚBLICO
de 19.07.2014.
Naturalmente sou
levado a crer que as pessoas minimamente esclarecidas achariam lógico que uma
Comissão que fosse avaliar a razoabilidade de determinado montante a atribuir e
a continuidade ou não de financiamento a Centos ou outras unidades de
Investigação de índole agrária (incluindo a medicina veterinária,
naturalmente) fosse constituída, pelo menos, por um engenheiro agrónomo
ou agrícola , um engenheiro silvicultor ou florestal, um médico veterinário, um
engenheiro zootécnico, alguém porventura mais ligado aos espaços verdes e,
talvez, um só doutorado com formação generalista. Eventualmente para poupar euros
limitaria a composição a um membro de cada um dos grupos atrás enunciados já
que o poder que nos governa diz amiúde as finanças públicas não podem “gastar”
tanto dinheiro com a ciência e, portanto, suportar tantos encargos com investigadores e bolseiros.
(Este país não aguentaria tal
luxo...) É evidente que todos os
investigadores-avaliadores com as formações que mencionei acima teriam de ser
pessoas reconhecidamente respeitadas pela comunidade científica agrária e teriam
de ser doutorados.
Vejamos então o
que se passou no sentido de atingir em Portugal, finalmente, patamares de EXCELÊNCIA
também em investigação agrária, uma área que não poderá ser excepção às demais. Pois tivemos uma Comissão Avaliadora do Plano Estratégico
(2011-2013) das ciências agrárias constituída essencialmente por generalistas
que têm pouco ou nada que ver com ciências agrárias.
De boa fé pergunto: a Comissão Avaliadora do Plano
Estratégico das Ciências Agrárias foi assim constituída porque outros
investigadores portugueses qualificados não se mostraram disponíveis? Ou foi assim
constituída para poupar dinheiro? Seja qual tenha sido o motivo, bem podemos dizer: ao que
“isto” chegou!
Tivemos um
painel de avaliação que dava pelo nome de Comissão das Ciências da Vida e do
Ambiente. Mas porque não se chamou apenas de ciências agrárias? Pergunto: a designação “ciências agrárias” estará fora de moda?
A Coordenação
desta Comissão Avaliadora coube a Simone Varandas do CITAB, pertencente
à UTAD. Outros dois membros do CITAB,
Centro presidido pelo Prof. Eduardo Rosa, integraram esta Comissão de Avaliação como Vogal
– Samantha Hughes e Eduardo Rosa Escuso-me a fazer comentários quanto à dimensão da representação da UTAD
e do CITAB nesta Comissão de Avaliação no Plano Estratégico.
Parece-me que a
prudência, sempre boa conselheira, apontaria para que a FCT, na escolha
dos avaliadores, adoptasse o sábio ditado popular – se não queres ser
lobo, não lhe vistas a pele. Sempre ficaria bem...
Um tanto
surpreendente, para mim afastado vai para cinco anos destas disputas, foi a
atribuição da coordenação das Unidades de Investigação de ciências agrárias
a Simone Varandas. Como desconheço a sua produção científica em qualquer
ramo da ciências agrárias, o bom senso aconselhava-me a consultar, pelo menos,
o seu curriculum vitae. Foi o que fiz. Dos 33 projectos que liderou ou lidera até à
data (se não me enganei a contar...), nenhum
é sobre agronomia, produção florestal, zootecnia ou medicina veterinária;
são todos, genericamente, referentes à água doce e à fauna e à flora que nela
habitam. Em perfeita
sintonia com o seu perfil, também não apresenta nenhum trabalho
científico publicado – em publicações cotadas internacionalmente ou não - que
possam ser consideradas, ainda que vagamente,
como áreas das ciências agrárias. Sem grande preocupação de rigor, podem
considerar-se todos os trabalhos publicados pela avaliadora Simone Varandas
versando assuntos, genéricos ou específicos, de ambiente.
Notas breves sobre os outros membros da Comissão
de Avaliação do CECAV para o Plano Estratégico para 2011-2013
Um membro era da
Divisão de Oceanografia do Instituto do
Mar e do Ambiente.
Outro elemento
era da Universidade do Algarve, Departamento de Plant and Animal Science
Virology, Diseases. Contei 5 publicações deste avaliador contidas no
SCI nos últimos anos sobre Patologia de Plantas; potencialmente tem
alguma coisa que ver com eventuais actividades das ciências agrárias
desenvolvidas na UTAD, designadamente com actividades desenvolvidas pelo
CITAB. Porém, nada tem que ver, como se compreenderá, com quaisquer
actividades desenvolvidas ou a desenvolver pelo CECAV.
Um terceiro
elemento pertence a um Laboratório Associado onde trabalha no Laboratório de
Ecotoxilogia do Centro de Investigação Marinha e Ambiente.
Um quarto
avaliador pertence ao Departamento de Ciências da Vida da Universidade
de Coimbra. As 5 publicações consideradas pelo avaliador como mais
relevantes, são todas, como se esperariam que fossem, nos domínios da Ecologia
pois não há – até agora, pelo menos, que saibamos - investigação agrária de qualquer natureza na
Universidade de Coimbra..
Um quinto
avaliador é do Departamento de Geociências e Centro Geofísica da Universidade de Évora. Pergunto: este
avaliador não estaria no grupo errado? Será demais perguntar as
razões que levaram à inclusão deste avaliador, certamente conceituado no seu grupo – sem qualquer ironia – mas que foi colocado na Comissão de
Avaliação de Ciências Agrárias? Parece-me inexplicável!
Samantha
Hughes (UTAD-CITAB).
No seu vasto curriculum até à data, também não constam publicações em
qualquer assunto que caibam, mesmo com muito boa vontade, em domínios das ciências
agrárias, ainda que meramente
generalistas.
Eduardo Rosa
(UTAD-CITAB). Para
além dos muitos trabalhos de investigação publicados no passado, sozinho
ou, frequentemente, em grupo, em revistas cotadas no SCI, sobre factores
antinutricionais (em especial glucosinolatos) em plantas, designadamente em
plantas crucíferas, como a couve, para alimentação humana e raramente para a
alimentação do gado e de outros trabalhos mais recentes sobre qualidade
alimentar de leguminosas para humanos, assinalo que o Prof. Eduardo Rosa
assinou em 2011 pela UTAD com
representantes de outras 11 universidades europeias, as normas de
controlo HACCP a que deve obedecer o chamado leite biológico na UE.
Louvável atitude
particularmente se o consumo de leite biológico tivesse algum significado entre
nós. Bem ou mal, o consumo deste leite em Portugal é quase nulo e na Europa rica continua a ser muito pequeno. Como o poder de compra dos portugueses – pelo
menos seguramente da maioria deles – não vai aumentar nos próximos tempos, tudo
leva a crer que o consumo deste tipo de leite vai ser ainda mais reduzido.
Será conveniente
dizer, no entanto, para que todos possamos compreender bem a importância real
do chamado leite biológico para a avaliação de Centros de Investigação
em ciências agrárias em Portugal, que a AGROS – principal entidade que
comercializa este tipo de leite em Portugal – ainda não conseguiu obter nenhum
produtor certificado de leite biológico em solo português.
Falar em solo
português é necessariamente falar em Trás-os-Montes, onde a biodiversidade das
pastagens, naturalmente, é muito maior e onde a AGROS investiu grande verba em
publicidade. A despeito da intensa publicidade feita
durante 6 (!) anos, todo o leite biológico que a AGROS hoje comercializa
é importado de outros países da UE, em particular do Norte da Europa o
mesmo se passando, inevitavelmente, com os iogurtes biológicos, feitos em
Portugal com leite importado de alguns países da UE. Até quando? Pode
responder-se muito claramente: até que haja poder de compra para adquirir este
tipo de leite, necessariamente mais caro, ou seja, enquanto for dado dinheiro comunitário para
os agricultores – aqui e noutros países -
sustentarem os custos da respectiva produção.
Comentários finais
Serão precisos mais comentários face
ao rumo que levou entre nós a avaliação na área das ciências agrárias?
Será que os actuais responsáveis (?) da FCT entendem as consequências das decisões que tomaram e
que continuam a tomar?
Assim, sem
ilusões imediatas, pergunto-me: sem mudanças nas orientações políticas do
sistema de avaliação em vigor na FCT, haverá alguma utilidade em
proferir comentários, para além da satisfação de consciência da denúncia
pública das situações mais absurdas que conhecemos?
VILA do
CONDE, 10 de Agosto de 2014.
Arnaldo A.
Dias da Silva
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