terça-feira, 26 de agosto de 2014

SOBRE A AVALIAÇÃO DAS UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS AGRÁRIAS


Recebemos do Prof. Arnaldo A. Dias da SilvaProfessor catedrático emérito, especialista em Alimentação Animal, ex-director do CECAV, unidade da UTAD, o seguinte texto:

São hoje públicas as críticas, quase todas contundentes,  à recente avaliação dos Centros de ID encomendada pela FCT a uma instituição europeia com falência anunciada para o final deste ano, conforme foi publicado pela imprensa.

A muitos, como eu, parece que a FCT que, num passado recente, ajudou um número considerável de pessoas a lutar bravamente para que Portugal tivesse um instrumento indispensável ao desenvolvimento do país, caminha  para bater no fundo de um precipício.

Todavia, uns quantos bem dentro do “sistema”– poucos, estou crente - procuram fazer passar a imagem diametralmente oposta, dando vazão a um posição que, por vezes, assume foros de infantilismo.

O mundo científico não pode deixar que o actual clima, que nos tenta embalar, com cheiro melífluo, perdure. Não podemos assistir serenos e impávidos ao que se está a passar, destruindo o valioso trabalho realizado durante os últimos anos pela própria FCT. Bem conceituados professores-investigadores da nossa praça, desempoeirados, sem papas na língua e sem teias de aranha na cabeça, têm denunciado situações absolutamente disparatadas.O Prof. Sobrinho Simões do bem conhecido  IPATIMUP, o Prof. Carlos Fiolhais da Universidade de Coimbra que mantém um blogue na internet muito atento à avaliação dos Centros da FCT, o Prof. Renato Carmo do CIES ou o jornalista José Vítor Malheiros no jornal PÚBLICO, são bons exemplos do inconformismo e  revolta perante a actual situação. Na imprensa  e na internet, estas e outras pessoas qualificadas têm manifestado a sua opinião com desassombro. Será que temos de chegar a dizer: “Bons tempos aqueles em que estes respeitados professores-investigadores e muitas outras pessoas entusiasmavam os jovens   a obterem graduação adequada para entrarem no mundo científico e transformarem Portugal num país desenvolvido”?

Teremos chegado ao fim da ciência entre nós? Com orgulho faço parte da maioria que não quer ser silenciosa, como numa tirada infeliz chamou aos investigadores o actual presidente da FCT.  Recuso-me a aceitar que este estado de coisas persista, pois decididamente este não é um modo saudável de conduzir a ciência. 

“Injusto, sectário!” dirão alguns dos obedientes a esta política científica, exaltados e talvez baralhados por  análises tão negras, por leituras tão destrutivas da situação pacífica - dirão eles – já que gostam de estar sempre de bem com todos, particularmente com o poder que talvez lhes possa atribuir algumas benesses. Estou em crer que não são hoje em dia a maioria dos nossos professores universitários e investigadores. No entanto, a experiência diz-me que, com este (des)governo podemos sempre, desgraçadamente, cair mais e haverá - sempre houve - quem veja oportunidade de aproveitar o que se vai passando em seu benefício ou do grupo de investigação a que está ligado, por convicção ou por oportunismo, e não tenha grandes preocupações de coerência com o seu próprio passado, mesmo o mais recente.

Sobre a tristemente famosa avaliação das unidades ID pela FCT, revejo-me inteiramente nas críticas que o Reitor da Universidade de Lisboa, Prof. António Cunha Serra, explanou com clareza aos microfones da Rádio Renascença na última semana de Julho.

Mas, para mostrar que a desadequação dos avaliadores às coisas avaliadas não é só de agora, vejamos  o que se passou com a avaliação do “Projecto Estratégico 2011-2013” das unidades de ID de Ciências Agrárias, que inclui o Centro de que fui director até Setembro de 2009 – o CECAV,  Centro de Ciência Animal e Veterinária, da UTAD, Universidade de Trás os Montes e Alto Douro?  Este Centro é de índole agrária bem como todos os outros seis  incluídos no mesmo grupo de avaliação, embora as designações não sejam clara como deviam.  Ficou excluído o INIAVInstituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, que está na tutela do Ministério da Agricultura. O ICAAM da Universidade de Évora (Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas) foi enquadrado na mesma categoria para avaliação da FCT e sobre a justa indignação de membros do ICAAM perante a classificação de Bom desta unidade  ID  pode ler-se o PÚBLICO de 19.07.2014.     

Naturalmente sou levado a crer que as pessoas minimamente esclarecidas achariam lógico que uma Comissão que fosse avaliar a razoabilidade de determinado montante a atribuir e a continuidade ou não de financiamento a Centos ou outras unidades de Investigação de índole agrária (incluindo a medicina veterinária, naturalmente) fosse constituída, pelo menos, por um engenheiro agrónomo ou agrícola , um engenheiro silvicultor ou florestal, um médico veterinário, um engenheiro zootécnico, alguém porventura mais ligado aos espaços verdes e, talvez, um só doutorado com formação generalista. Eventualmente para poupar euros limitaria a composição a um membro de cada um dos grupos atrás enunciados já que o poder que nos governa diz amiúde as finanças públicas não podem “gastar” tanto dinheiro com a ciência e, portanto, suportar tantos encargos com investigadores e bolseiros. (Este  país não aguentaria tal luxo...)  É evidente que todos os investigadores-avaliadores com as formações que mencionei acima teriam de ser pessoas reconhecidamente respeitadas pela comunidade científica agrária e teriam de ser doutorados.

Vejamos então o que se passou no sentido de atingir em Portugal, finalmente, patamares de EXCELÊNCIA também em investigação agrária, uma área que  não poderá ser excepção às demais.  Pois tivemos uma Comissão Avaliadora do Plano Estratégico (2011-2013) das ciências agrárias constituída essencialmente por generalistas que têm pouco ou nada que ver com ciências agrárias.

De boa fé  pergunto: a Comissão Avaliadora do Plano Estratégico das Ciências Agrárias foi assim constituída porque outros investigadores portugueses qualificados não se mostraram disponíveis? Ou foi assim constituída para poupar dinheiro? Seja qual tenha sido o motivo, bem podemos dizer: ao que “isto” chegou!

Tivemos um painel de avaliação que dava pelo nome de Comissão das Ciências da Vida e do Ambiente. Mas porque não se chamou apenas de ciências agrárias? Pergunto: a designação “ciências agrárias” estará fora de moda?

A Coordenação desta Comissão Avaliadora coube a Simone Varandas do CITAB, pertencente à UTAD.  Outros dois membros do CITAB,  Centro  presidido pelo Prof. Eduardo Rosa, integraram esta Comissão de Avaliação como Vogal – Samantha Hughes e Eduardo Rosa Escuso-me a fazer comentários quanto à dimensão da representação da UTAD e do CITAB  nesta Comissão de Avaliação no Plano Estratégico.

Parece-me que a prudência, sempre boa conselheira, apontaria para que a FCT, na escolha dos avaliadores, adoptasse o sábio ditado popular – se não queres ser lobo, não lhe vistas a pele. Sempre ficaria bem...

Um tanto surpreendente, para mim afastado vai para cinco anos destas disputas, foi a atribuição da coordenação das Unidades de Investigação de ciências agrárias a Simone Varandas. Como desconheço a sua produção científica em qualquer ramo da ciências agrárias, o bom senso aconselhava-me a consultar, pelo menos, o seu curriculum vitae. Foi o que fiz. Dos 33 projectos que liderou ou lidera até à data (se não me enganei a contar...),  nenhum é sobre agronomia, produção florestal, zootecnia ou medicina veterinária; são todos, genericamente, referentes à água doce e à fauna e à flora que nela habitam. Em perfeita sintonia com o seu perfil, também não apresenta nenhum trabalho científico publicado – em publicações cotadas internacionalmente ou não - que possam ser consideradas, ainda que  vagamente, como áreas das ciências agrárias. Sem grande preocupação de rigor, podem considerar-se todos os trabalhos publicados pela avaliadora Simone Varandas versando assuntos, genéricos ou específicos, de ambiente.

Notas breves sobre os outros membros da Comissão de Avaliação do CECAV para o Plano Estratégico para 2011-2013

Um membro era da Divisão de Oceanografia do Instituto do Mar e do Ambiente.

Outro elemento era da Universidade do Algarve, Departamento de Plant and Animal Science Virology, Diseases. Contei 5 publicações deste avaliador contidas no SCI nos últimos anos sobre Patologia de Plantas; potencialmente tem alguma coisa que ver com eventuais actividades das ciências agrárias desenvolvidas na UTAD, designadamente com actividades desenvolvidas pelo CITAB. Porém, nada tem que ver, como se compreenderá, com quaisquer actividades desenvolvidas ou a desenvolver pelo CECAV.

Um terceiro elemento pertence a um Laboratório Associado onde trabalha no Laboratório de Ecotoxilogia do Centro de Investigação Marinha e Ambiente.

Um quarto avaliador pertence ao Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra. As 5 publicações consideradas pelo avaliador como mais relevantes, são todas, como se esperariam que fossem, nos domínios da Ecologia pois não há – até agora, pelo menos, que saibamos -  investigação agrária de qualquer natureza na Universidade de Coimbra..

Um quinto avaliador é do Departamento de Geociências e Centro  Geofísica da Universidade de Évora. Pergunto: este avaliador não estaria no grupo errado? Será demais perguntar as razões que levaram à inclusão deste avaliador, certamente conceituado  no seu grupo – sem qualquer  ironia – mas que foi colocado na Comissão de Avaliação de Ciências Agrárias? Parece-me  inexplicável!

Samantha Hughes (UTAD-CITAB). No seu vasto curriculum até à data, também não constam publicações em qualquer assunto que caibam, mesmo com muito boa vontade, em domínios das ciências agrárias, ainda que  meramente generalistas.

Eduardo Rosa (UTAD-CITAB). Para além dos muitos trabalhos de investigação publicados no passado, sozinho ou, frequentemente, em grupo, em revistas cotadas no SCI, sobre factores antinutricionais (em especial glucosinolatos) em plantas, designadamente em plantas crucíferas, como a couve, para alimentação humana e raramente para a alimentação do gado e de outros trabalhos mais recentes sobre qualidade alimentar de leguminosas para humanos, assinalo que o Prof. Eduardo Rosa assinou em 2011 pela UTAD  com representantes de outras 11 universidades europeias, as normas de controlo HACCP a que deve obedecer o chamado leite biológico na UE.

Louvável atitude particularmente se o consumo de leite biológico tivesse algum significado entre nós. Bem ou mal, o consumo deste leite em Portugal é quase nulo e na Europa rica continua a ser  muito pequeno. Como o poder de compra dos portugueses – pelo menos seguramente da maioria deles – não vai aumentar nos próximos tempos, tudo leva a crer que o consumo deste tipo de leite vai ser ainda mais reduzido. 

Será conveniente dizer, no entanto, para que todos possamos compreender bem a importância real do chamado leite biológico para a avaliação de Centros de Investigação em ciências agrárias em Portugal, que a AGROS – principal entidade que comercializa este tipo de leite em Portugal – ainda não conseguiu obter nenhum produtor certificado de leite biológico em solo português.

Falar em solo português é necessariamente falar em Trás-os-Montes, onde a biodiversidade das pastagens, naturalmente, é muito maior e onde a AGROS investiu grande verba em publicidade. A despeito da intensa publicidade feita durante 6 (!) anos, todo o leite biológico que a AGROS hoje comercializa é importado de outros países da UE, em particular do Norte da Europa o mesmo se passando, inevitavelmente, com os iogurtes biológicos, feitos em Portugal com leite importado de alguns países da UE.  Até quando? Pode responder-se muito claramente: até que haja poder de compra para adquirir este tipo de leite, necessariamente mais caro, ou seja,  enquanto for dado dinheiro comunitário para os agricultores – aqui e noutros países -  sustentarem os custos da respectiva produção.

Comentários finais

Serão precisos mais comentários face ao rumo que levou entre nós a avaliação na área das ciências agrárias? Será que os actuais responsáveis (?) da FCT entendem  as consequências das decisões que tomaram e que continuam a tomar?

Assim, sem ilusões imediatas, pergunto-me: sem mudanças nas orientações políticas do sistema de avaliação em vigor na FCT, haverá alguma utilidade em proferir comentários, para além da satisfação de consciência da denúncia pública das situações mais absurdas que conhecemos? 

VILA do CONDE, 10 de Agosto de 2014.

Arnaldo A. Dias da Silva

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