sexta-feira, 29 de agosto de 2014

DIPLOMAS ACADÉMICOS, EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO


“É fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida de valores.”
Albert Einstein

Por servir de mote a este novo texto, começo por transcrever este comentário ao meu post “Ensino Universitário e Investigação Científica”: “Imagine-se, a loucura que seria, em Portugal, reduzir os exames e substitui-los por exercícios, feitos em casa!!!" (Ildefonso Dias, 24/08/2014).

Nem sequer são necessários grandes rasgos de imaginação! Basta trazer à colação o exame de inglês enviado por uma universidade privada para o computador do então primeiro-ministro José Sócrates e respondido por ele por essa mesma via. Com leves semelhanças,  este caso passa-se em muitas das nossas escolas neste Admirável Mundo Novo da era computacional Vejamos a que este respeito escreveu a escritora Alice Veira, num artigo do Jornal de Notícias, intitulado Copiar não vale”(03/02/2008). Depois de, em jeito preambular, ter reconhecido que “antigamente, muito antigamente, copiar era coisa muito feia”, escreveu esta festejada escritora:
Hoje em dia são os professores que ensinam os alunos a copiar, que os incentivam a copiar. Hoje em dia a cópia está institucionalizada. Está a fazer-se uma revolução silenciosa. Hoje em dia os alunos nem entendem que possa ser doutra maneira. Chamem-lhe o que quiserem ‘descarregar’, ‘fazer download’, o que quiserem: nunca deixará de ser uma cópia. Eu chego a uma escola e ouço ‘Os alunos fizeram muitos trabalhos a seu respeito’. E encontro 50, 100, 200 trabalhos rigorosamente iguais, iguais, por sua vez, aos que já tinha encontrado na escola anterior, e na outra, e na outra, com os mesmos erros (nem a Wikipedia nem o Google são infalíveis), com as mesmas desactualizações, com palavras difíceis de que nenhum deles sabe sequer o significado, etc. Os meninos são ensinados a mexer num computador, a carregar nos botõezinhos necessários para que o texto apareça – mas depois ninguém lhes ensina que isso não basta, e que trabalhar e pesquisar não é isso. Isso é, pura e simplesmente, copiar”. E como se dizia no meu tempo, copiar não vale, etc.,etc”
Longe de mim atrever-me a dizer, ou apenas a deixar subentendido, que o plágio é situação  apenas da era dos computadores. Mesmo em épocas anteriores, seria  exigência utópica  uma sociedade  perfeita em que os alunos portugueses se não aproveitassem de todas as oportunidades para, como diria João Lobo Antunes, procurar uma calha que lhes permitisse deslizar sem atrito,  infringindo  as regras ditadas pela aceitação ética e tácita de regras de conduta que condenam o copianço.

Os testes com cruzinhas de escolha múltipla (se a memória me não falha, com o nome de testes do tipo americano, surgidos como novidade em Portugal no meu curso de oficial miliciano, em Mafra/52) facilitam, também eles, o copianço, tornando-se mais difícil nas respostas de desenvolvimento e mais difícil, ainda, quando, no ensino universitário é permitida a consulta de manuais por as respostas às questões equacionadas exigirem a pesquisa rápida de várias temáticas dispersas em páginas de difícil acesso para quem não esteja  bem senhor da matéria.

Tudo isto é reflexo de uma sociedade em que só os chamados tótós não copiam ou tentam copiar, distanciando  esta prática do que se passa em outras sociedades como, por exemplo, o relatado pelo  nosso compatriota Ricardo Reis, professor da universidade americana de Princeton, num artigo publicado no Diário Económico (3/Abril/2007), com o sugestivo título Copianço. Escreveu ele:
Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa: pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão”.
Em Portugal o chico-espertismo de alunos do básico, secundário e mesmo ensino universitário (quantas teses de mestrado, ou mesmo doutoramento, não são cópias de textos colhidos na NET?) traduz-se numa execrável  falta de respeito por aqueles que dedicam noites  insones de estudo e são vítimas do copianço dos respectivos colegas cabulões. De igual modo este chico-espertismo vigora, ainda que de modo diferente,  nos estacionamentos de centros comerciais, que exemplifico com o que se passa, por exemplo, no Coimbra Shopping, em que  indivíduos, sem distinção de sexo ou idade:
1. Batem nos carros estacionados e “dão às de Vila-Diogo”.
2. Abrem as portas, de propósito, dos seus automóveis em mau estado de pintura  para fazerem mossas nas carrocerias de carros arrumados a seu lado, acabados de sair do stand ou com pinturas em bom estado de conservação.
3. Entram com o carro em sentido proibido para ocupar um lugar vago mais perto de si.
4. Estacionam, com a maior desfaçatez, em lugares destinados a idosos.
5. Arrumam, pletóricos de vigor físico, as suas “bombas”, ou carros a cair de podre, em lugares para deficientes.
6 Estacionam, apesar de serem do sexo masculino e viajarem sozinhos, espantai-vos leitores!, as respectivas viaturas no lugar destinado a grávidas (nunca me passou pela cabeça vir a assistir ao espantoso e inédito espectáculo de homens grávidos, pese embora os avanços feitos no domínio da gestação em barrigas de aluguer ou de bebés-proveta!). Etc., etc.

Por último, receio  que a escolha do título deste meu post possa induzir o leitor a pensar que os diplomas académicos impliquem  o respeito por regras e normativos da vida em sociedade. Nada mais falso, quando esses diplomas académicos se alicerçam em caboucos sólidos de instrução e frágeis alicerces  de Educação. Em vez de ambas terem o mesmo cordão umbilical  são geradas em ventres diferentes, em nítida contravenção com o princípio defendido por Einstein: “É fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida de valores”.

Desse divórcio, entre instrução e educação, nos deu conta Gustave Le Bom (1841-1931), psicólogo social e sociólogo francês:
“Grande número de políticos ou universitários,carregados de diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por guia de vida senão uma alma de bárbaros!”
Parafraseando o historiador Oliveira Martins, quando escreve que Portugal e Espanha morreram como nações vivas em 1580, a convivência  entre educação e instrução é apenas formal neste rectângulo ibérico. Por falta de plasticidade do nosso actual sistema educativo!?

11 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, mas quem são aquelas pessoas que devem ser considerados estudantes?
Bem vistas as coisas neste país, qualquer pessoa é estudante, desde que frequente uma escola, não importa se estuda, ou que aproveitamento tem... também muitas vezes em reportagens televisivas chama-se "estudantes" a indivíduos que o não são, nunca o foram nem serão, seguramente. Os casos que o senhor Professor refere no post "de Chico-espertismo" não deviam ser apelidados de estudantes, mas são.
É também óbvio, para mim, que José Sócrates era um embuste, não era um estudante, (nem sei se, pela maneira de ser, alguma vez foi merecedor de ser estudante) porque não tinha interesse nenhum em aprender Engenharia, (projectos de construção fez ele no passado com fartura e a uma velocidade estonteante como se sabe) ele apenas estava interessado no titulo de engenheiro.
Um bom critério para se ser considerado um "estudante" deve ser o genuíno interesse manifestado pelo aluno em aprender, ora isso é hoje cada vez mais difícil de conseguir, como se percebe pela análise realista que o Professor faz no seu post. Dai que a frase de Einstein, em Portugal, servirá apenas uma minoria. Eu sei que tudo isto é pessimismo, que não ajuda em nada, mas não será assim? Estarei porventura errado, mas quanto errado?

Cumprimentos amigos,

Rui Baptista disse...

Meu Caro Engenheiro Ildefonso Dias: Acabo de rectificar a data , insita no seu comentário (3.ª linha do 2.º § do meu texto), de 2914 para 2014. Viajar no tempo para um futuro de 900 anos não é acessível no domínio do conhecimento científico actual! Sê-lo-á algum dia?

Tem toda a razão. Só deve ser considerado estudante aquele que estuda. Aquele que se arrasta pelas universidades, anos a fio, é simples aluno, ou, como diria Eça, "diletante de coxia", que faz do estudo uma espécie de colónia de férias onde estoira a gorda ou magra mesada do papá que espera vir a ter a recompensa, ou simples orgulho, de ter um filho dr. ou engenheiro.

Hoje, face ao desemprego que grassa entre os licenciados, nem sequer há a esperança de pôr o filho a estudar a fim de melhor o preparar para uma vida profissional futura.

No meu texto,embora, talvez um tanto sem dar por isso, ou seja subconscientemente, adoptei sempre a terminologia de aluno por a palavra estudante, utilizada por Einstein, se aplicar a uma pequena minoria de alunos portugueses, Aliás, como refere no fim do seu comentário.

Cumprimentos amigos,

Anónimo disse...

A diferença entre Princeton e Portugal é o modo como se trata os estudantes. Se se trata uma pessoa como um idiota, essa pessoa terá dificuldades em não se portar como tal. Se se fizer em Portugal o mesmo que em Princeton - incluindo a punição, caso se comprove a cópia - as coisas funcionarão do mesmo modo que em Princeton.

Os problemas surgem porque, no dia em que um aluno for apanhado a copiar e se quiser proceder à punição, haverá uma onda de protestos e os docentes dirão que afinal é uma pena demasiado pesada, etc.

Ou seja, o problema não está nos estudantes em si, mas no modo como são tratados pelos docentes. Tal como, no geral em Portugal, os problemas maiores estão nas chefias e não nos que "deviam ser chefiados". É a partir daí que surge a contaminação e não ao contrário.

Para dar o exemplo da avaliação da FCT em curso, o problema vem do facto da direcção da FCT impor uma quota. Não dos avaliadores estrangeiros que implementaram essa imposição - embora pudessem ter-se recusado a fazê-lo, o que teria sido a atitude eticamente correcta. Mas este exemplo mostra que é a chefia portuguesa que corrompe o comportamento; não são os "chefiados" que são os culpados nesse campo.

Anónimo disse...

Casos de ministros com doutoramentos plagiados, queixas sobre o baixo nível dos alunos e muitas histórias de aproveitamento do trabalho "alheio" por parte de investigadores principais, que eu saiba não ocorreram (só) em Portugal, mas nesses países e universidade de tão elevada referência.

Quanto às cotas: em todos concursos de projectos e bolsas existem cotas. Nunca se deram conta?

Andam a descobrir a pólvora e inventar a roda, por aqui.

Rui Baptista disse...

Repare o caro autor do comentário do dia 31 de Agosto, às 13:08, que, por o comportamento dos cidadãos ser reflexo da sociedade em que nasceram e foram criados , não se pode esperar dos portugueses que, por exemplo, cospem no chão, o civismo dos habitantes da Suiça ou dos países nórdicos.

Como escreveu Eça, “a civilização custa-nos caríssimo, com os direitos de alfândega; e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas!”

Isso mesmo tentei exemplificar com o que se passa no parque de estacionamento Coimbra Shopping, em Coimbra, e que me parece ser o reflexo de uma juventude criada no atropelo dos direitos dos outros que cumprem o dever de estudar e que são vítimas do copianço desde quase as primeiras letras até teses de mestrado e de doutoramento com transcrições sem serem citados os respectivos autores . E tudo isto vem do bom coração em desculpar o coitadinho que é useiro e vezeiro no copianço, por poder não o ter feito por mal. Apenas por se ter esquecido (passe o reclame) de tomar “ Memofante”, aquele auxiliar de memória que diz dar uma memória de elefante!

Ou seja, tudo isto vem da Educação ou melhor da falta de educação do nosso povo de que todos nós somos responsáveis, pais, professores e a própria sociedade envolvente em nome do chamado “nacional-porreirismo”!

Anónimo disse...

Ao anónimo de 31 de Agosto às 17:05 (António Coutinho, I presume?...), do anónimo do mesmo dias às 13:08 :
De facto na Alemanha houve recentemente ministros com doutoramentos plagiados. Foram ambos demitidos ou demitiram-se. Isto para já não falar que, no caso do Gutemberg (nome apropriado para quem faz copy/paste numa tese!), algumas das vozes mais críticas foram precisamente as associações de estudantes de doutoramento.

Quanto ao resto, há uma diferença abissal entre ter quotas para projectos ou bolsas e ter quotas para as unidades de investigação. Já agora, porque não ter quotas no orçamento de estado para as universidades? Não estou a dizer que não haja universidades a mais, e até se pode (e deve) diferenciar os orçamentos. Mas outra coisa seria impor restrições artificiais a priori que, de um dia para o outro, acabassem com metade das universidades existentes.

Para além disso, no caso das bolsas, por exemplo, não se aplica a lei dos rendimentos decrescentes, como no caso na avaliação das unidades de investigação.

Convém distinguir entre re-inventar a roda ou utilizá-la, o que penso que a maior parte de nós faz todos os dias.

Rui Baptista disse...

Remeto o leitor e o autor anónimo deste comentário (31 de Agosto de 2014, às 17:05) para o artigo do Prof. Ricardo Reis, publicado no" Diário Económico" (3/Abril/2007). Transcrevo-o novamente:

“Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa: pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão”.

A resposta a este comentário (mesmo correndo o risco de poder ser acusado de andar a “descobrir a pólvora e inventar a roda”, como se as grandes descobertas não tivessem a suportá-la a experiência do passado) cinje-se apenas a isto: quem me deve merecer maior crédito: um leitor anónimo ou o artigo no “Diário Económico” de quem viveu uma vida docente em Princeton?

A minha escolha, remete-me, obviamente, para o segundo caso em que é emitido um testemunho e não uma simples e anónima opinião...

Rui Baptista disse...

Só depois de ter sido publicado o meu comentário (31 de Agosto, 20:32), me deparei com este comentário (31 de Agosto às 17:05) que nos dá conta do repúdio pelo copianço na Alemanha e em que (e passo a citar, entre comas!) "algumas das vozes mais críticas foram precisamente as associações de estudantes de doutoramento".

Rui Baptista disse...

Rectifico a hora: em vez de 17:05, 20:53. Ao autor do comentário e ao leitor, as minhas desculpas.

Anónimo disse...

Caro camarada (pelo menos temos o mesmo nome). Permita-me uma correcção: Quando afirma "Os problemas surgem porque, no dia em que um aluno for apanhado a copiar e se quiser proceder à punição, haverá uma onda de protestos e os docentes dirão que afinal é uma pena demasiado pesada, etc" está-se a esquecer que às instituições de ensino superior o que interessa é ter alunos (a pagar propinas !) e não o contrário. Veja por exemplo o que se passa com o regime de prescrições...

Anónimo disse...

Não percebo qual a correcção: estou a indicar que os problemas surgem no momento em que se tentar aplicar aquilo que faz com que um sistema como o de Princeton funcione. E que essa falha vem das chefias e não dos estudantes.

No seu comentário está a dar mais uma razão pela qual esse sistema pode falhar, e com, novamente, culpa das chefias. Independentemente de estar ou não de acordo consigo nessa razão, do seu ponto de vista o que está a dizer só vem confirmar o que escrevi anteriormente.

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