terça-feira, 12 de agosto de 2014

Verdade e razão em democracia

Em tempos de intensa manipulação e omissão de informação que a todos diz respeito e de propaganda feroz (que se vê aumentar à medida que a informação objectiva e honesta diminui), em tempos de grande fragilidade democrática (daí resultante, não obstante a reiterada afirmação de normalidade política e social) é importante (mais importante do que em circunstâncias menos adversas) ler ou voltar a ler quem pensou nas particularidades de tempos semelhantes.

Depois da II Grande Guerra, e muito em virtude dela, Aldous Huxley escreveu um livro que tem por título Regresso ao Admirável Mundo Novo (a publicação original é de 1959 e em português de 2004, Livros do Brasil). Nesse livro, na página 106, diz o seguinte:

“A sobrevivência da democracia depende da aptidão de grandes maiorias para fazerem escolhas de modo realista à luz de uma informação sólida. Uma ditadura, pelo contrário, mantem-se censurando ou deformando os factos, e apelando, não pela razão, não para o interesse próprio esclarecido, mas para a paixão e para o preconceito (…) presentes nas profundidades inconscientes de cada espírio humano.
No Ocidente, os princípios democráticos são proclamados, e muitos publicistas capazes e conscienciosos fazer o possível para fornecer aos leitores informações seguras, e convencê-los, por intermédio de argumentos racionais, a fazerem escolhas realistas à luz dessa informação. Tudo isso é muito bem.
Mas, infelizmente, a propaganda, nas democracias ocidentais, acima de tudo ma América, tem duas faces e um personalidade dividida. Como chefe da redacção encontra-se muitas veze um democrático Dr. Jekyll – um propagandista que seria muito feliz se pudesse provar que John Dewey tinha razão no que dizia acerca da aptidão da natureza humana para reagir à verdade e à razão. Mas este valioso homem só controla uma parte do maquinismo de comunicação com as massas.
No serviço de publicidade encontramos um antidemocrático, porque anti-racionalista Sr. Hyde – ou antes Dr. Hyde, porque Hyde é agora doutorado em Psicologia e também tem uma licenciatura em Ciências Sociais. Este Dr. Hyde seria de facto muito infeliz se as pessoas se mostrassem sempre dignas da confiança que John Dewey depositava na natureza humana.
Verdade e razão fazem parte das atribuições de Jekyll, não das suas. Hyde é um analista das Motivações, e o seu objectivo é estudar as fraquezas e falências humanas, investigar esses desejos e medos inconscientes pelos quais é determinado o pensamento consciente e o comportamento exterior de tantos homens.
E fá-lo, não com o espírito do moralista que gostaria de tornar as pessoas melhores, ou do médico que gostaria de lhes melhorar a saúde, mas simplesmente com o objectivo de estabelecer a melhor maneira de tirar vantagens da sua ignorância e explorar-lhe a irracionalidade para benefício pecuniário dos seus patrões.
São as actividades de Hyde compatíveis a longo prazo com as de Jekyll? Pode uma campanha a favor da racionalidade ter sucesso quando apanhada nas mandíbulas de outra, e ainda mais vigorosa, campanha a favor da irracionalidade?"

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

As democracias dos países têm muito pouco poder no (des)concerto das nações, ou por outra, perante as plutocracias sem fronteiras. As democracias já têm muito pouco de democracia. Apresentam-se como "pacotes" de propostas estereotipadas de partidos que são, por sua vez, estruturados em função de um sistema eleitoral também gizado para que o sistema político-social dito democrático cumpra, não a vontade do povo, mas a função de "converter" formalmente a vontade do povo numa legitimação do sistema. E assim se conciliam princípios aparentemente inconciliáveis, como o princípio da primazia do lucro (benefício pecuniário do Hyde) sobre o princípio da racionalidade da exploração dos recursos, ou sobre o princípio da soberania da nação. Cada vez é mais difícil aos poderes políticos estabelecerem e imporem limites aos poderes financeiros e económicos transnacionais, até porque estes se apresentam, cada vez mais, supranacionais e não conhecem fronteiras e, além disso, tendem a ser dominantes nos processos de decisão política dos Estados. A voracidade desta espécie de liberalismo incontrolável é assustadora, porque domina sem se deixar "governar", nem por regras que sejam suas.
A plutocracia, mafiosa ou não, obtém tudo sem dar garantias de nada, contrariamente ao cidadão que, mesmo para obter "nada", tem de dar garantias de tudo. Basta pensar num empréstimo bancário a um cidadão ou pequena empresa. Todas as garantias, pessoais e reais, lhe são exigidas, desde fianças a hipotecas. Mas um banco consegue obter financiamentos colossais, com dinheiros públicos (e aqui é que está o escândalo), sem dar e sem lhe serem exigidas, quaisquer garantias, como temos assistido ultimamente em Portugal.

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