sábado, 9 de agosto de 2014

AZULEJOS QUE ENSINAM CIÊNCIAS


Encontram-se em exposição permanente no Museu do Azulejo em Lisboa e no Museu Nacional Machado de Castro em Coimbra vários azulejos que serviram em tempos para ensinar matemática, astronomia, geografia. Sabemos hoje que foram criados para apoiar o ensino das ciências nos colégios jesuítas de Coimbra.

Os azulejos de matemática estão hoje completamente identificados e são já bastante conhecidos, desde que foram reunidos numa exposição que teve lugar na Universidade de Coimbra em 2007 [1]. Tão famosos são que, recentemente, a sua história até serviu de tema para um exame de língua portuguesa na Universidade de Oslo [2].



Graças à pesquisa de António Leal Duarte (Universidade de Coimbra) que conduziu à identificação de todas as figuras representadas nos azulejos matemáticos, bem como do livro que contém as gravuras originais, conhecemos hoje a sua história, que é contada em grande pormenor em [3] ou em [4] (este último em inglês).

Chegaram aos nossos dias cerca de duas dezenas de azulejos matemáticos, mas terão existido mais de três centenas. Todos eles reproduzem figuras de Os Elementos de Euclides, na versão de André Tacquet, precisamente a que era usada nas escolas jesuítas. A primeira edição foi publicada em 1654, com o título Elementa geometriae planae ac solidae quibus accedunt selecta ex Archimede theoremata, mas outras edições e traduções foram publicadas nas décadas seguintes. 


Não é conhecida a edição exacta de onde foram tiradas as imagens dos azulejos, mas existe um exemplar de 1672 na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra ao qual faltam os desdobráveis com as figuras. Terão sido dele retiradas as ilustrações para servirem de modelo para a execução dos azulejos?



De salientar ainda o facto de, em 1692, o Geral da Companhia de Jesus, Tirso Gonzales, ter enviado para Portugal as Ordenações para estimular e promover o estudo da Matemática na Província Lusitana, onde se pode ler:

Quinto: Procurem primeiro os Superiores dos colégios de Coimbra e Évora que cada um dos nossos filósofos tenha necessariamente para seu uso os seis primeiros livros dos Elementos de Euclides que contêm os elementos de geometria plana. São muito convenientes os que compôs o P. Andreas Tacquet [...]. Na escola, ou em qualquer outro lugar destinado às demonstrações deve ser exposto um quadro das figuras principais, maior e mais amplo, que será comum a todos, e a que se deve adaptar um compasso para a demonstração das figuras [...].
Ordenação de Tirso Gonzalez (1692)

Este quinto ponto da Ordenação explica o aparecimento dos azulejos: no local onde se dá a aula de matemática deve haver um quadro amplo, com as figuras correspondentes às principais demonstrações. Os azulejos foram decerto uma das respostas a estas ordenações.

Conhecem-se ainda quatro azulejos de astronomia (Museu Nacional Machado de Castro), que terão feito parte de um painel onde estariam representadas constelações celestes, cometas e representações do sistema solar. Um trabalho meticuloso de Francisco Gil (Universidade de Coimbra) permitiu concluir que esse painel continha um mínimo de 50 azulejos, representando dois círculos, com as constelações dos dois hemisférios celestes norte e sul, bem como cometas (pelo menos dois) e modelos do sistema solar (o sistema ptolomaico e pelo menos mais um que não conseguimos identificar).


No Museu do Azulejo encontra-se o único azulejo de geografia que chegou até aos nossos dias. A partir da sua observação, Francisco Roque de Oliveira (Universidade de Lisboa) é de opinião que este azulejo fazia parte de um painel que tomava como modelo um mapa-mundo do século XVII. Talvez o modelo tenha mesmo sido um dos mapas-mundo do cartógrafo holandês Joan Blaeu, já que o nosso azulejo representa o pólo do hemisfério terrestre ocidental de um dos mapas de Blaeu até à ilha de Baffin, no actual Ártico canadiano. O topónimo “Cumberlandia” corresponde a esta mesma ilha e já aparecia em alguns mapas de Mercator.


Também neste caso podemos concluir que o painel continha um mínimo de 50 azulejos, contendo dois círculos, representando dois hemisférios terrestes.

Há, no entanto, ainda dois azulejos por identificar. O primeiro parece querer explicar um fenómeno de hidráulica, mas o segundo continua a ser um mistério. Ambos fazem parte do acervo do Museu Nacional Machado de Castro.



 Em finais de 2010, em escavações junto ao Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, ou seja, junto ao antigo Colégio de Jesus [6], os arqueólogos Sónia Filipe e Paulo Morgado encontraram dois pedaços de cerâmica, claramente pedaços de azulejos que ensinam. Estes dois pedaços encontram-se presentemente em exposição no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.



Tendo estes pedaços sido encontrados em escavações junto à zona dos colégios jesuítas da cidade de Coimbra, podemos finalmente, e com grande certeza, concluir que os azulejos matemáticos estiveram expostos num colégio jesuíta em Coimbra, seguramente depois de 1654 (data da publicação da edição de Tacquet de Os Elementos de Euclides), certamente depois de 1692, em resposta à Ordenação de Tirso Gonzales, e antes da expulsão dos Jesuítas de Portugal, em 1759. Terão sido destruídos durante a Reforma Pombalina e entulhados durante as obras do Iluminismo. Esta descoberta permitiu sem sombra de dúvida concluir que os azulejos hoje espalhados por diversos museus nacionais e por colecções particulares ensinaram ciência nos colégios jesuítas em Coimbra. 



Referências




[3] António Leal Duarte & Carlota Simões (ed.), Azulejos que Ensinam, Catálogo de Exposição, Universidade de Coimbra, 2007 (http://mnmachadodecastro.imc-ip.pt/Data/Documents/cat%C3%A1logo_azulejos.pdf)

[4] Henrique Leitão & Samuel Gessner,'Euclid in tiles: the mathematical azulejos of the Jesuit college in Coimbra', Mathematische Semesterberichte, 61.1, pp 1-5, 2014                                                                                  (http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00591-014-0130-8)

[5] Carlota Simões, ‘Azulejos com história – a peça que faltava’, Revista Rua Larga, nº 31, Universidade de Coimbra, 2011 (http://www.uc.pt/rualarga/31/13)



1 comentário:

Camarelli disse...

O azulejo mistério parece que tem um homem vestido com gabão e polainas dentro de qualquer coisa. É estranho que não parece ter espaço para a cabeça mas vislumbra-se talvez um cotovelo. Especulo que seja uma campânula de mergulhador com um homem lá dentro a espreitar pelo vidro, meio agachado.

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