segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Estudos clássicos: uma “ciência” inteiramente prescindível

Texto que recebemos de Pedro Braga Falcão, professor de Latim e Grego na Universidade Católica de Lisboa, a quem agradecemos a confiança de publicar no De Rerum Natura. 

A questão é simples: ou dá dinheiro, ou não dá dinheiro.

Como podem uns quantos jovens que nunca estudaram engenharia ou economia, ou académicos sensaborões que nunca trabalharam numa empresa gerar dinheiro? Não podem.
Como é que estudar uma língua que não se fala há muito pode contribuir para o crescimento económico de um país? Não pode.
Para que é preciso aprender, ensinar ou estudar latim? Para nada.
Para que é que interessa estudar grego antigo, de maneira a ler a Ilíada e a Odisseia? Para nada; nem para nos fazermos entender na Grécia de hoje.

Centros de investigação dedicados ao património clássico, à literatura antiga, aos primórdios da ciência, ao início da filosofia, às origens da história enquanto disciplina, às línguas na base da cultura ocidental, intimamente ligadas à maior parte do léxico das línguas do espaço europeu e de grande parte do mundo? Para quê? Para nada.

E como lograr o objectivo de sanear o nosso passado latino e grego? É assaz simples.

Já começou nas escolas; alvíssaras a quem encontrar um liceu que ensine as línguas clássicas. E quanto às Universidades? Construa-se, pois, um modelo de avaliação. Daqueles bem modelados, particularmente por pessoas que nunca tiveram uma aula de latim ou de grego na vida. É fácil encontrá-las: raros são aqueles que deram pela falta do passado nas suas vidas. Agrupe-se, e estabeleça-se um critério: poupar dinheiro.
Para que sobre para as coisas que verdadeiramente interessam. Fazer dinheiro.

Ciência? Ciência é outra coisa. O conhecimento tem uma utilidade e um fim práticos. Não há dinheiro para os que no fim (não da vida; digamos, num período de cinco a seis anos) não apresentarem uma patente robusta, luminosa e sólida, capaz de receber prémios de empreendedorismo.

Einstein quando estudou literatura perdeu o seu tempo, e naqueles momentos em que se deliciou a ouvir música já podia estar a pensar na teoria da relatividade; pensando bem, poderia ter chegado lá dez anos antes, não fosse o seu conhecimento dos clássicos, que só lhe ocupou espaço inútil no cérebro, em particular o seu adorado e grego Euclides.

Cancelem-se, pois, as humanidades em geral.

Se alguém não se sentir intelectualmente estimulado pelo dinheiro ou pelo poder, mas por uma coisa abjecta como o latim e o grego, que escolha outro país. Aqui, seguramente, não é para ele. Um painel reunido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia decidiu que o Centro de Estudos Clássicos está bem organizado, tem óptimos investigadores, está numa curva ascendente e apresenta projectos válidos. Dê-se-lhe 7.500 euros por ano e a coisa está feita; coitados, até vão ficar felizes. Parabéns. Foram considerados “Good” mas não podem concorrer à próxima “Stage”.

Temos muita pena, especialmente por nenhum nós saber português o suficiente para o poder dizer na vossa língua e no vosso país, embora vos exijamos que se expressem em inglês. Desculpem, mas são as regras do jogo. Dediquem-se à robótica, podem ter melhor sucesso para a próxima; não é por critério científico, não fiquem tristes, é mesmo porque a vossa área não é ciência. Ainda se fosse uma língua como o alemão ou o chinês... Não olhem para um Goethe ou para um Confúcio, não se dispersem: é que estas até são línguas que podem gerar dinheiro, nos dias de hoje.

O que vocês estudam está morto. Desistam.

Ou se não desistirem, ao menos tenham a decência de o fazer em part-time. É esse, aliás, o nosso objectivo: que a vossa área “científica” se torne uma curiosidade engraçada. É mesmo preciso acabar com este mau hábito de estudar coisas estúpidas. De saber, por exemplo, que a ciência tem uma relação directa com o verbo latino scire, “saber”, um verbo imbecilmente vago, que não especifica aquilo que de facto é útil ou obrigatório saber, algo que promove e estimula o mérito intelectual, colocando-o acima de uma hierarquia entre disciplinas.

Que idiotice, aliás, esta mania de escreverem ciência em latim durante dois milénios. E de se dizer termos em grego sempre que se está num hospital. Enfim, de saber etimologias inúteis. Talvez este governo e este Ministério da Ciência (assim, sem aspas e em maiúsculas) possam incentivar, por decreto, as pessoas a deixaram de pensar sobre o seu passado. Não se pode negar a pertinência política de uma tal decisão.

Deixemos, pois, o que já aconteceu em paz, mesmo que ainda esteja a acontecer cada vez que nos lembremos disso. Já se disse tudo o que se tinha a dizer sobre o passado, particularmente esses Romanos e esses Gregos, que tão pouco contribuíram para tudo aquilo que vêem e dizem, particularmente quando abrem a boca para soltar algo que soa a latim mal falado. De olhos arregalados, confiantes, corajosos, com uma bandeirinha de um qualquer partido (daqueles que podem ser eleitos, está claro) caminhemos para o futuro, esse futuro grandioso que está à nossa espera, sem latinzinhos e greguinhos e patrimoniozinhos e investigadorzinhos de meia tijela que se dedicam a traduzir, por exemplo, obras conservadas de mão em mão até aos dias de hoje, versos que já deviam ter morrido, pensamentos que embora actuais não estão actualizados em folha de cálculo

Avancemos, pois! A caminho! Com confiança na verdadeira ciência dos painéis. E no fim, votem, vamos lá, não se abstenham, não sejam inconvenientes. Votem em quem menos souber latim e grego e outras quejandas pilhérias. Não há-de ser difícil.

Pedro Braga Falcão 

1 comentário:

lino disse...

O típico tuga já vota em quem nem português sabe, quanto mais grego e latim!

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