quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Comunicado da Comissão Nacional de Matemática sobre o processo de avaliação em curso das unidades de investigação financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia

A Comissão Nacional de Matemática (CNM) foi criada por despacho do Ministro da Ciência e Tecnologia a 27 de Março de 2002, tendo como objectivo principal estabelecer a ligação entre a comunidade nacional de investigadores na área de matemática e a União Matemática Internacional (IMU). Para cumprir esse objectivo, a CNM é composta por um representante de cada um dos centros de investigação em matemática acreditados pela FCT, e por um representante da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e outro da Sociedade Portuguesa de Estatística (SPE).

A CNM encontra-se portanto numa posição ímpar no panorama nacional no sentido em que é provavelmente a única associação que reúne formalmente todos os centros financiados pela FCT numa área específica. Isto permite-lhe ter uma visão global tanto da área a nível nacional como desta avaliação em particular.

Os centros que compõem a comissão estão, como todas as outras unidades de investigação no país, habituados a ser avaliados periodicamente e consideram essa avaliação como fundamental para o seu desenvolvimento, devendo os seus resultados implicar uma diferenciação a nível do financiamento de cada unidade.

Essa diferenciação no financiamento deve, no entanto, ter como objectivo a optimização do crescimento qualitativo e quantitativo da investigação de forma global e sustentada a nível nacional. Não deve, ao concentrar de forma artificial e descontínua o financiamento num número reduzido de unidades, ter como consequência o esvaziamento do que se faz nas diferentes zonas geográficas onde vários investigadores continuarão a existir mas sem os recursos que lhes permitam contribuir para esse crescimento. Não deve, também, levar a afunilamentos ao nível das sub-áreas científicas.

Tudo isto torna-se ainda mais relevante quando o único indicador que apresenta uma correlação forte com a passagem à segunda fase é a dimensão da unidade – aqui é importante sublinhar que a noção de massa crítica em matemática não é a mesma nem tem as mesmas consequências que no caso, por exemplo, de uma disciplina experimental.

A percepção bastante completa que a CNM tem da qualidade dos centros de matemática existentes em Portugal que se apresentaram a esta avaliação não é de todo compatível com os resultados divulgados que levaram à separação que foi feita na primeira fase.

A CNM quer deixar bem claro que não é apenas o financiamento em si que está em causa, mas também a forma como esta avaliação amplificou diferenças entre os centros muito para além do que considera aceitável. Um reflexo disso está na afirmação, da parte da FCT, que os centros que não transitaram para a segunda fase terão ajuda para se re-estruturarem, quando, de facto, as diferenças para outros que passaram à segunda fase são mínimas.

Ao fazer tábua rasa de toda a experiência acumulada em avaliações internacionais anteriores, as quais tiveram um impacto extremamente positivo no aumento da qualidade da investigação em matemática produzida em Portugal, corre-se o risco de introduzir sérias descontinuidades no sistema e de voltar a cometer alguns dos erros iniciais dos quais os mais flagrantes foram certamente o desconhecimento do enquadramento nacional da investigação e enviesamentos em relação a certas áreas da matemática.

A título de exemplo desta última situação na avaliação em curso, podemos mencionar a área da estatística, actualmente em forte expansão internacional devido, por exemplo, à sua importância no tratamento de dados que fazem cada vez mais parte do nosso dia-a-dia. Um dos centros mais importantes em estatística no país, e de facto o único exclusivamente da área, o Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa, foi afastado da segunda fase, não obstante a avaliação dos três relatores ter colocado a unidade em termos absolutos claramente acima dos mínimos necessários. A unidade foi, no entanto, eliminada pelo painel, apesar de este não ter nenhum especialista na área.

Isto está, aliás, relacionado com a deficiente cobertura das diferentes sub-áreas que o processo actual proporciona, ao incluir apenas três matemáticos no painel. Não se percebe a vantagem da passagem de um sistema de avaliação com um painel internacional exclusivo na área da matemática composto por 15 matemáticos como na avaliação anterior, o qual tinha uma visão global das diferentes unidades, para um processo onde um painel já de si reduzido avalia áreas bastante diferentes como a química e a matemática. Isto é agravado pelo facto de não se perceber qual o papel dos peritos externos que foram consultados, uma vez que com uma frequência não negligenciável os painéis optaram por ignorar os seus pareceres.

Acresce ainda que, ao nível da execução, a avaliação da qualidade do trabalho de investigação parece ter sido pouco profunda e estar a ser feita essencialmente com base no prestígio percebido pelo painel das revistas onde se publica; a subjectividade de tal apreciação é patente nos diferentes destaques dados nos pareceres e nos relatórios apresentados. Por outro lado, o painel abstém-se de mencionar algumas das mesmas revistas no caso de relatórios de centros que não propõe para passar à segunda fase.

A ênfase dada pelo relatório de consenso à estratégia de contratação nalguns casos leva a crer que o painel julga estar em causa financiamento para a contratação de investigadores, quando só bolsas temporárias estão envolvidas, ou que as unidades de investigação têm um papel directo em contratações a longo prazo. E como algumas das questões formuladas nesse relatório fazem prever, corre-se o risco de parte da discussão durante as visitas se centrar em questões que ultrapassam completamente as competências e as disponibilidades financeiras da gestão dos centros.

É difícil não concluir que o painel não dispunha da informação necessária sobre o modo de funcionamento das unidades de investigação no país, a sua integração nas universidades e outros pontos fundamentais para poder fazer uma avaliação informada.

Estes são apenas alguns dos muitos pontos pouco claros no modo como a primeira fase da avaliação foi programada e que nos colocam sérias reservas sobre a sua robustez e fiabilidade, mesmo em relação aos propósitos enunciados, e para os quais consideramos não ter havido, até agora, os esclarecimentos devidos da parte da FCT que se limita a negar os factos apontados.

A CNM está também extremamente preocupada com o futuro dos investigadores pertencentes aos centros que não passaram à segunda fase. Os fundos disponibilizados são, claramente, insuficientes para permitir o tipo de interacções necessárias a nível internacional para um desenvolvimento continuado e não endogâmico. Isso já é verdade para investigadores estabelecidos e com projecção internacional, mas toma proporções muito mais graves no caso de jovens investigadores para quem não se pode esperar que todas as despesas com deslocações e convites sejam cobertas pelas instituições estrangeiras ou pela organização de conferências. Aliás, e aquando da discussão pública do documento que estabelece as regras da presente avaliação, várias instituições chamaram à atenção da FCT para o facto de a remoção de um financiamento base continuado que permita a cada centro manter-se minimamente activo seria um erro com consequências dramáticas. 

comunidade de matemáticos profissionais em Portugal, como em qualquer outra parte do mundo, não se compõe apenas de grupos isolados, e muito menos apenas de grupos excepcionais. As interacções entre investigadores de diferentes unidades são também fundamentais, tanto a nível científico como de realizações comunitárias. Estas últimas serão certamente afectadas a curto prazo com esta opção política. Desde a organização conjunta de conferências à assinatura de bases de dados bibliográficas, todas irão sofrer em maior ou menor grau. E mais uma vez não se trata apenas de uma questão financeira, mas também da percepção da existência de uma comunidade que fica em risco com uma intervenção deste tipo.

A CNM não pode pois deixar de ver com grande apreensão a continuação deste processo de avaliação, considerando que não estão garantidas condições que proporcionem a estabilidade necessária e a optimização de um desenvolvimento global continuado da investigação em matemática a nível nacional, como tem sido o caso nos últimos 20 anos.

CNM, 8 de Agosto de 2014 

3 comentários:

Anónimo disse...

A quadrilha dos Turkman da ul não vai deixar o assunto cair em esquecimento. Nem que tenham que ir directamente ao ayatolla crato

Anónimo disse...

Posição corajosa, mas talvez tardia. Até às eleições nada mais vai acontecer e o Crato corre o risco de lá continuar

Anónimo disse...

E interessante que uma das áreas em explosão e data mining e estes avaliadores nem sabem o que se trata. Olhem para exemplos de Jonhs Hopkins, etc onde usam dados para análise e previsão de determinadas variáveis na saúde, etc

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