segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A QUESTÃO QUÂNTICA

Reproduzido de "Physics World, Volume 26 Nº 3, March 2013", com autorização.

Apesar de a teoria quântica ser o suporte de boa parte da tecnologia actual, quando se tenta vislumbrar para além do formalismo matemático e se questiona o seu significado, esbarra-se contra numa impenetrável barreira de paradoxos e situações contra-intuitivas. Pode uma coisa ser onda e partícula ao mesmo tempo? Pode uma medição num dado local ter um efeito instantâneo noutro local do Universo?

Muitos físicos respondem a esta inerente estranheza refugiando-se na "interpretação de Copenhaga", e propondo que ela reflecte limites fundamentais do que pode ser conhecido sobre o mundo, e que deve ser aceite sem discussão, porque é assim que as coisas são — ou, como disse David Mermin, "cala-te e calcula". 

Para além da numerosa literatura especializada recente sobre os fundamentos da teoria quântica, salientam-se duas referências (de divulgação): o número especial da "Physics World, Volume 26 Nº 3, March 2013, dedicado às "Fronteiras quânticas" e um artigo da "Nature" de 12 de Setembro de 2013 [Nature, Vol.501 (2013) 154] sobre a "questão quântica". Este último fala de físicos que argumentam que a maneira de ultrapassar as dificuldades colocadas pela interpretação da teoria quântica será a de remover o seu carácter abstracto e recomeçar de novo.       

Embora com ideias diferentes quanto ao modo como essa "reconstrução quântica" deverá prosseguir, quase todos recorrem à teoria de informação quântica para olhar para problemas antigos segundo um novo ângulo. E, em vez de tentar reinterpretar a teoria actual, tentam mesmo criá-la a partir de princípios físicos simples. Maximillian Schlosshauer, por exemplo, diz, com um cauteloso optimismo, que "quando se conseguir ter um conjunto simples de princípios fisicamente intuitivos e uma verbalização convincente, a teoria quântica parecerá menos misteriosa". Ele diz que pensa que algumas das questões contra-intuitivas desaparecerão.   

Sem querer alongar-me, refiro alguns dos aspectos discutidos nos artigos da "Physics World" e da "Nature". Um deles é a questão do colapso da função de onda: agora pode medir-se o estado de uma função de onda sem que ela colapse, realizando os chamados "weak mesurements" que permitem obter informação (embora parcial) sobre o sistema sem alterar muito o "estado quântico". 

Christopher Fuchs [http://arxiv.org/pdf/1207.2141v1.pdf] rejeita a ideia, que muitos têm, de que um estado quântico, a função de onda, o entrelaçamento e todas essas coisas representem algo de real. Afirma que o "problema da medição" não existe. As duas leis de evolução de um sistema, propostas por von Neumann, só se tornam problemáticas se a entidade "estado quântico" for considerada uma propriedade objectiva do sistema. Se o estado do sistema for definido como uma lista de resultados experimentais e as suas probabilidades de ocorrência, não surpreenderá que, após uma medição, o estado possa mudar de acordo com qualquer nova informação. O colapso da função de onda não ocorre devido a qualquer processo físico, mas sim pelo facto de o estado ser é uma construção do observador e não uma propriedade objectiva do sistema físico. 

A mensagem das violações da desigualdade de Bell é, para a maioria da comunidade de físicos focados nos fundamentos da teoria quântica, é a de que a Natureza será "não-local" — que a "acção fantasma a distância" de Einstein está bem viva e é observada. Mas a "acção a distância" é apenas uma de duas possíveis explicações da violação. A outra é que os resultados das medições não existem a priori e de um modo logicamente determinado antes do acto de medição.

Os conceitos de realidade e informação não podem ser separados um do outro — diz Anton Zeilinger. Não é possível sequer pensar sobre a realidade sem recorrer ao que sabemos sobre ela, ou seja, informação. Note-se que Einstein foi o primeiro a dizer sem qualquer ambiguidade que o "estado quântico" deveria ser encarado como "informação" ou, por outras palavras, uma representação do nosso conhecimento. Devemos aceitar o simples facto de que a ciência da Natureza não é a própria Natureza, mas uma parte da relação entre o ser humano e a Natureza, e, por conseguinte, também dependente do ser humano (disse-o Heisenberg em 1955). 
  
Julgo interessante referir aqui o inquérito realizado por Schlosshauer, Kofler e Zeilinger, por ocasião da conferência sobre "A Física Quântica e a Natureza da Realidade" realizada em Julho de 2011, na Áustria. [http://arxiv.org/abs/1301.1069]. 

Algumas das conclusões importantes: 
1. 76% dos 33 participantes inquiridos responderam que a informação quântica traz uma lufada de ar fresco para os fundamentos da teoria quântica.
2. 64% responderam que a aleatoriedade dos eventos quânticos, (tais como o decaimento de um átomo radioactivo) é um conceito fundamental da Natureza. 48% responderam que a aleatoriedade é, de facto, fundamental e irredutível.
3. 64% responderam que o realismo local não é sustentável, baseando-se nas observadas violações das desigualdades de Bell. 
4. 52% responderam que os sistemas físicos têm as suas propriedades bem definidas antes e independentemente de serem medidas em alguns casos. 48% responderam que os sistemas físicos não têm as suas propriedades bem definidas antes e independentemente de serem medidas.

Outras das conclusões do inquérito foram que só um quarto dos inquiridos encaram o problema da medição como uma dificuldade séria, e que, de entre os inquiridos, 42% preferem a interpretação de Copenhaga, enquanto que 24% preferem uma interpretação baseada na teoria da informação.  

Ainda a propósito desta questão, cito algumas considerações de Alfredo Barbosa Henriques, físico do IST:

"A física clássica é também informação, mas nunca ninguém colocou em dúvida que nos dizia algo sobre o mundo exterior (macroscópico, neste caso), que nos dizia alguma coisa sobre o que ‘está lá’, sobre a estrutura real do mundo macroscópico. Igualmente penso que a mecânica quântica é a informação que nós observadores podemos obter do mundo exterior, mas que a sua construção também reflecte algo que está lá. Acima de tudo acredito que os efeitos não-locais evidenciados no EPR são um problema real, não apenas de interpretação, e daquilo que vejo ninguém se tem sequer aproximado de uma solução.

Mas o que é o mundo exterior? Para mim é o seguinte. Imaginemos seres de constituição completamente diferente da nossa. A sua ciência iria ser desenvolvida através de conceitos que nós nem sequer podemos imaginar quais seriam. Mas acredito que seria possível criar um dicionário fazendo a tradução desses conceitos para os nossos conceitos. Para mim o mundo exterior é esse algo que torna possível a existência desse dicionário. O EPR estaria lá e respectiva dificuldade, caso esses seres estivessem ao nosso nível".

Luís Alcácer

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...