segunda-feira, 1 de julho de 2013

O SISTEMA NÃO-EDUCATIVO


A fim de propiciar a discussão livre, e sem a preocupação de sermos exaustivos temos aqui deixado alguns artigos sobre a recente greve dos professores. Aqui está, com a devida vénia, a opinião do historiador Rui Ramos (na figura), publicada no último "Expresso":

Há anos que em Portugal falar de educação é comentar o regular braço de ferro entre o chefe da Fenprof e o ministério, como aconteceu agora com a greve aos exames. Para o ministério, a dificuldade é um sindicalismo indiferente aos alunos; para o sindicalismo, a culpa é de ministros preocupados apenas em poupar. E subitamente, a discussão reduz-se a pouca coisa, como saber quem é Mário Nogueira, o professor que não ensina, ou qual o corte que Nuno Crato prometeu a Vítor Gaspar. Tudo isto tem a sua razão de ser num 'sistema' que encara o ensino como um expediente para melhorar as estatísticas do país, e que depende do comando central, à maneira soviética, para obter resultados.

Os professores — de todos os níveis de ensino — foram em tempos uma elite. O sistema, ao expandir-se sem qualidade, reduziu-os a uma plebe indiferenciada e desprestigiada, formada por levas de diplomados sem outras saídas profissionais. Várias 'regalias', a começar pela garantia de emprego e de promoção automática, compensaram a perda de estatuto e de autoridade, até ao momento em que o desespero orçamental obrigou o sistema a voltar-se contra os seus próprios filhos. Nesse momento, a massa docente estava destinada a seguir um sindicalismo cujo objetivo é manter os professores como o clero de uma religião para a qual o dinheiro nunca pode faltar, mesmo quando não há.

A escola não foi sempre a via de acesso a todas as atividades, que dispuseram tradicionalmente dos seus próprios meios de seleção e de formação (como os aprendizados). Não determinava o futuro profissional de ninguém. Um liceal medíocre podia, revelando as devidas qualidades, tornar-se um grande médico. Hoje, não. Universidades, corporações e empresas limitam-se em geral, para efeitos de admissão, a fazer eco do aproveitamento escolar. Por isso, a 'nota' é hoje tudo para os estudantes. E é a pensar na 'nota' que esperam encontrar no exame "Felizmente há Luar" em vez de "Mensagem": é mais fácil.

Acabámos assim a chamar 'educativo' a um sistema que compreende uma massa de professores só interessados em garantir o emprego e uma massa de alunos só interessados em obter a 'nota'. Para compensar a natural tendência do sistema para o despesismo e a facilidade, confiou-se numa burocracia centralizada, com a missão de alcançar 'objetivos' da forma mais económica. Autonomia e responsabilidade são, por isso, tabu.

Nogueira e a austeridade merecem discussão, mas não passam de subprodutos do sistema, e é este que deveria ser debatido. Qs professores precisam de voltar a ser 'nobilitados', o que requer seleção e hierarquização. Temos de aprender a valorizar a educação académica em si, e não simplesmente como uma espécie de lotaria de empregos. E finalmente, há que perder medo à autonomia das escolas, e acreditar que professores, encarregados de educação e alunos serão capazes de formar comunidades responsáveis.

Sem isso, toda a gente continuará a preferir "Felizmente há Luar" à "Mensagem", e o 'sistema' poderá ser muita coisa, mas 'educativo' é que talvez não. 

Rui Ramos


Expresso 2013-06-28

15 comentários:

Anónimo disse...

Pego na expressão « Qs professores precisam de voltar a ser 'nobilitados', o que requer seleção e hierarquização. Temos de aprender a valorizar a educação académica em si, e não simplesmente como uma espécie de lotaria de empregos.» que traduz o busílis. Como se nobilitam os "professores" quando na avaliação o que é importante são os fins, o negócio, o empreendedorismo, e outras tretas que tais. Quando os "bons professores" são aqueles que recebem mais dinheiro, de projectos e "parcerias empresariais", e quando as "melhores universidades" são aquelas onde a "ciência" está casada com as "empresas" e os "negócios", e só se investiga aquilo que "está a dar" ou gera lucro? Vá lá, deixemo-nos de rodeios: o que fizemos foi fude* isto tudo em nome do "sucesso" e da "competitividade" medidos pelo nº de dígitos da conta bancária ou então pelas herdades, barcos, apartamentos em Manhatan, etc. etc. ! Agora talvez se salvem as velhas escolas para nobres e aristocratas, e assim voltamos ao antigamente, mas desta vez sem mecenas e com o poderoso Big Brother instalado, inquisidor moral e eterno inimigo da inteligência! (a que tipo de pessoas dá prazer andar a cheirar as cuecas das outras?) Será que é preciso fazer um desenho, ou um "estudo científico", para se perceber que os mais bem pagos empregos da sociedade são aqueles que causam o seu mal, a começar pelo desemprego? Ou que o único critério de seleção de "colaboradores" pelas "corporações de sucesso" é ser-se jovem, politicamente nulo, burro certificado por uma universidade "boa" onde nada de real se toca, mas rica em "matematicidade", e obrigatoriamente girasso ou girassa ou seja, magro, de ar rebelde despenteado (seguindo a moda presente), sem barriga e com mais de 1,85m (ele) e 1,70m (ela) de altura! O resto é musica celestial para entretém do zé povinho e para o assassinato moral e físico daqueles, poucos e cada vez, que ainda pensam. Haja vergonha!

José Batista disse...

Recuso a hipótese de pronunciar-me sobre a qualidade de Rui Ramos como historiador, por não estar à altura.

Espanta-me, por isso, que um historiador diga dos professores que são "uma massa (...) só interessados em garantir o emprego"... Não haverá aqui "pecado" de simplismo e injustiça?

Já a "nobilitação" dos professores, por selecção e hierarquização e a sua valorização académica não deviam começar pelas instituições que os formam? Porque não ir à raiz do problema? Quantas dessas instituições têm qualidade indiscutível?, será que existem para garantir empregos a alguém?

Mas os professores servem pelo menos para proporcionar algumas ocupações, como sejam a de... tiro ao (imaginado) alvo. Divirtam-se senhores. E os pobres que sirvam para a escravidão e fazer vénias.
Eu, professor, não faço.


Anónimo disse...

Estou,totalmente, de acordo consigo, Rui Batista.

Ildefonso Dias disse...

Diz o senhor Rui Ramos; “Os professores — de todos os níveis de ensino — foram em tempos uma elite.”


Sendo o senhor Rui Ramos - Historiador, quero confronta-lo com transcrições de uma conferencia de Bento Caraça – “A Política de Ensino dos Últimos anos em Portugal” que mostram a “política do espírito” do Sr. Presidente do Conselho, aquele que considerava que, «Ler, escrever e contar chega para a maioria dos portugueses»


“A nossa pobre instrução primaria! Quem nos diria a nós que o seu nível cultural, que vimos já atrás ser o mais baixo em toda a Europa, havia de ser ainda reduzido? Foi o que, no entanto, se deu, com a invenção peregrina dos postos de ensino ou postos escolares.
Toda a gente sabe que existe em Portugal uma coisa chamada postos de ensino. Mas o que o grande público ignora, talvez, é o significado que eles têm na nossa orgânica geral de ensino. São uns organismos rudimentares onde, da maneira como podem e sabem, ensinam uns regentes feitos à pressa cujo grau de cultura não vai, em geral, além da própria matéria que têm que ensinar. Tudo ali é de via reduzida – o nível de ensino, que fica pela 3. classe; o nível de cultura do professor, que é igual ao dos alunos; a remuneração do professor, que não chega a metade de de um professor normal. É, como V. Ex.as vêem, uma obra-prima na arte de reduzir aquilo que já de si era tão reduzido. No género, não é fácil ir mais longe.
Mas, por mais espantoso que isso pareça, a obra realizada pelos dezanove anos de politica do espírito em instrução primaria está-nos sendo apregoada em certa imprensa como um grande progresso em relação ao que havia em 1926.”


Pode então declarar senhor Rui Ramos onde e quando foi que existiu essa elite de professores em todos os níveis de ensino?!


Diz também, o senhor Rui Ramos; “O sistema, ao expandir-se sem qualidade, reduziu-os [os professores] a uma plebe indiferenciada e desprestigiada, formada por levas de diplomados sem outras saídas profissionais.”

[…] Mas não é esse critério prático de aumento do rendimento do trabalho que nos interessa ou deve interessar exclusivamente, ao analisar este problema. Se assim procedêssemos, não nos distanciaríamos muito da posição de qualquer criador de cavalos ou de vacas que quer bons exemplares para puxarem bem à carroça ou darem muito e bom leite. Não, o problema da instrução interessa-nos para fins mais altos – para valorizar o cidadão sob todos os aspectos da sua personalidade, para fazer homens fortes e livres que a todo o momento possam, em consciência e conhecimento, determinar a sua posição no agregado nacional e no mundo, intervir na direcção dos negócios do seu país. Que isto seja bem claro para todos – em matéria de instrução e de cultura do povo português, somos absolutamente intransigentes. Intransigentes quanto ao seu grau – queremo-la elevada até ao extremo limite dos nossos recursos nacionais. Intransigentes, ainda, quanto ao fundo das razões que nos levam a querer essa elevação.(...)”

Oh! senhor Rui Ramos onde estão os lugares que encontra para os outros licenciados?! Não estará o senhor Rui Ramos a desempenhar o papel do criador de cavalos de que nos fala BJC?

joão viegas disse...

Ola,

Sejam quais forem as reservas que se podem ter em relação a Rui Ramos - e eu tenho muitas - ha que reconhecer que este texto é de bom senso e que vem afirmar uma coisa que não vejo muitas vezes dita com tanta clareza.

O sistema de ensino não pode estar exclusivamente, nem principalmente, vocacionado para proporcionar "saidas profissionais", ou então deixa completamente de fazer sentido. Que a qualidade geral do ensino tenha como consequência um aumento da qualificação da população e, por conseguinte, maiores e melhores perspectivas de emprego para os jovens, é indiscutivel.Mas trata-se de uma consequência, de um efeito secundario.

A educação tem como objectivo... educar, o que quer também dizer elevar.

Perdendo isto de vista, o sistema educativo deixa de fazer sentido.

Bom senso. Bom texto.

Boas

Ildefonso Dias disse...

Caro joão viegas;

Bom senso?! Bom texto?!

então diga-lá quando foi que existiu essa elite de professores em todos os níveis de ensino que só do Rui Ramos viu?!
ou,
quantos professores o senhor encontra hoje, por mais mal preparados que possam estar, ao nível dos regentes que havia no passado?!
ou,
quando foi que a educação foi algo mais que, o "elevar" do senhor joão viegas?!

Bom texto!!! para quem?

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A formação consiste na finalidade de aprimoramento humano.

Professores são professores e elevada é a autoridade de professor?! Sim. A figura do educador tem o significativo exemplo de "saber".

Seria dispensável qualquer (solução) de menor efeito moral.

joão viegas disse...

Caro Ildefonso Dias,

Não pretendi dizer que os professores de hoje são maus, nem que os de antigamente eram melhores. O que me pareceu importante no texto cabe na frase : "Temos de aprender a valorizar a educação académica em si, e não simplesmente como uma espécie de lotaria de empregos".

O facto de encararmos (principalmente) o sistema de ensino como uma forma de garantir emprego ou de proporcionar perspectivas de emprego para os nossos filhos, parece-me um erro de enormes consequências, que acaba por desvrituar completamente o sistema.

Julgo que essa é a mensagem principal do texto.

O resto, por mais criticavel que seja, parece-me secundario

Boas

Ildefonso Dias disse...

Caro joão viegas;

O país não pode andar a perder tempo com sabor do que escrevem certos escribas ignorantismos; É óbvio que Rui Ramos não compreende os problemas do ensino e fala do que não sabe. Se o senhor joão viegas quiser ver o problema na sua verdadeira dimensão fica, este sim, um bom texto de Sebastião e Silva. Livremo-nos pois das nuvens de fumo que Rui Ramos e outros aqui pretendem lançar.



[…]. “Mas pode talvez notar-se um excesso de zelo utilitarista nas palavras seguintes, relativas aos deveres do professor para com os alunos:

‘São-nos confiados pelos pais, para que façamos deles homens aptos a compreender a vida das nações modernas e a participar nessa vida. Se nós não temos em consideração estas exigências: se, por amor da cultura, sufocamos nos alunos o sentido prático e o espírito de iniciativa, estamos a faltar ao maior dos nossos deveres'.

Esta critica é justa apenas em relação a certo tipo de cultura. Embora seja vago o significado da palavra 'cultura', podemos dizer que a cultura científica resulta precisamente da síntese dos dois termos complementares: a teoria e a prática. E, mesmo quando à cultura geral que inclui os aspectos filosófico, literário, artístico e humano, tem-se verificado que a sua ausência prejudica seriamente a formação de bons técnicos e de bons cientistas. E mais ainda a de bons dirigentes.

O que é preciso é não confundir cultura com erudição e sobretudo com o enciclopedismo desconexo, imensa manta de retalhos mal cerzidos, que vão desde as guerras púnicas ate ao sistema nervoso da mosca. É esse, a bem dizer, o tipo de cultura que tende a produzir o ensino tradicional, baseado num sistema de exames que só permite apreciar memorizações e automatismos superficiais, mais ou menos próximos do psitacismo.

Um dos objectivos fundamentais da educação é, sem dúvida, criar no aluno hábitos e automatismos úteis, como, por exemplo, os automatismos da leitura, de escrita e de cálculo. Mas trata-se aí, manifestamente, de meios, e não de fins.

É certamente útil saber falar com fluência línguas estrangeiras, ou tocar piano - como é útil saber nadar, escrever à máquina, conduzir automóvel ou jogar futebol. Mas também estas prendas (como se dizia antigamente) são apenas meios e não fins - a não ser que se tenha em vista escolher uma dessas actividades como profissão (mesmo assim, será um meio de ganhar a vida).

E note-se, de passagem, que a melhor maneira de ensinar a ler ou a dominar uma língua estrangeira não é obrigar a ler trechos sem qualquer interesse ou a fazer exercícios absurdos.

Os referidos automatismos são, pois, meios para atingir certos fins: são precisamente meios de acesso à cultura, A sua finalidade é a de aumentar o poder e a liberdade do verdadeiro pensamento, que não é substituível pela máquina e sem o qual o homem se reduz a perigoso escravo das máquinas, como se tem observado infelizmente.

Um ensino que não estimule o espírito e que, pelo contrário, o obstrua com as clássicas matérias para exame, só contribui para produzir máquinas em vez de homens. E não é assim que se curam os males de que está sofrendo o mundo.”
(Guia para a utilização do Compêndio de Matemática, GEP; J. Sebastião e Silva)

joão viegas disse...

Caro Ildefonso Dias,

Concordo com este texto e vejo nele argumentos solidos para concordar com a frase que destaquei no texto de Rui Ramos, que foi apenas o que pretendi comentar.

Não pretendi disctutir o Rui Ramos, sobre quem sei pouco (e o pouco que sei nem sempre é positivo). Apenas quis comentar o que ele diz no texto do post.

Boas

Jorge Teixeira disse...

Quem quer escrever sobre educação deveria pelo começar por escrever português correctamente.
Quem não escreve português correctamente faz parte do Sistema. O Sistema Deseducativo.

Ildefonso Dias disse...

Caro joão viegas;

O senhor certamente que é uma pessoa bem intencionada e séria, cujo pensamento em nada deve ser igual ao de Rui Ramos, ou sequer ao de António Barreto que desejam uma escola em que só a possam frequentar os ricos.

Repare que António Barreto defende um ensino superior, que pelo seu custo, não deve ser acessível a todos!!!

Rui Ramos fala em " o dinheiro nunca pode faltar, mesmo quando não há. "

E depois, o que escreve este senhor, escreve essa habilidade de frase a que o senhor se refere: como se o ensino fosse coisa que devesse estar acorrentado aos "azares da política"!!!

Sim, porque neste país temos muitos azares: o azar dos submarinos, o azar dos bancos que perderam milhões no "jogo" e que é preciso financiar etc... depois não há dinheiro, diz Rui Ramos!!!

Mas, Felizmente há Luar! e desmascaremos então essas pessoas.

joão viegas disse...

Ola de novo,

Um sistema de ensino apenas acessivel aos mais ricos é um sistema que se situa nas antipodas daquilo que penso que deve ser o ensino publico...

Boas

Albino M. disse...

Quero agradecer e felicitar o blogue pelo critério na escolha de textos sobre... a greve dos professores.
É que... dispensa-me a leitura.
Como no caso do Rui Ramos.
Não li e não gostei.

Sílvia Correia disse...

Este artigo de opinião é pouco rigoroso, para dizer o mínimo. Pro exemplo, sustenta que a greve dos professores foi o resultado de uma luta entre MEC e sindicatos. Não foi! Uma análise da cronologia dos factos demonstra que desta vez foram os professores que obrigaram os sindicatos a agir e precisamente porque estão fartos de abrir mão da sua dignidade e serem tratados como qualquer outro funcionário. Relativamente à imagem que o Sr. Doutor tem dos professores, que são "uma plebe indiferenciada e desprestigiada, formada por levas de diplomados sem outras saídas profissionais", só posso dizer que está enganado e alegar ignorância não lhe pode servir de desculpa.

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