sexta-feira, 5 de julho de 2013

Da toxicidade dos swaps (2)

No decorrer dos tempos começou a ser importante que as contas aos valores fossem feitas. Não só por questões de controlo próprio (feliz aquele que não olha para o extracto do banco), mas porque começaram a surgir necessidades de reporte ao mundo que nos rodeia daquilo que fazemos em termos económicos. Todos nos sabemos fazê-lo no site das finanças sobre a nossa vida económica  do ano que passou mas as empresas, que reportar às finanças, aos accionistas, aos empregados, etc... têm registos mais complicados. Não naquilo que é a contabilidade em si mesma, que são contas de somar e sumir, mas daquilo a que se convenciona chamar de critério valorimétrico.

As esmagadora maioria das empresas não pode reportar apenas os fluxos de dinheiro do passado, tem também que reportar os fluxos do futuro.  Por exemplo, quando vamos ao site do banco, ele dá-nos os movimentos e as posições (os saldos). Os movimentos representam o passado, já aconteceram. As posições representam algo que ainda vai acontecer, quando fica a zero significa que não há nada para acontecer. A forma como representamos o futuro nesses saldos é o critério valorimétrico e este pode variar conforme a finalidade do reporte.  Um dos mais discutidos é o Marked-to-Market que coincide em quase todos os casos com custo de substituição. Se eu fosse substituir o empréstimo que me aparece no estrato integrado do banco por outro com a mesma finalidade quanto é que isso me custava?

O cálculo que se faz é pegar no valor dos fluxos futuros dos empréstimo e "descontá-los ao presente". Isto significa que se eu tivesse um euro hoje, metia no banco e, passado um ano, ele valia 1*(1+r), em que r é a taxa de juro. Passados dois anos valeria 1*(1+r)*(1+r). E passados n anos 1*(1+r)^n. Então se só tenho o euro daqui a n anos, hoje ele vale 1/(1+r)^n. Fácil não é? Agora, como recebo(+) ou pago(-), ao longo dos anos é dividir aquilo que devo receber por esses factores, os "factores de desconto", e somar tudo. Isso dá-me o valor presente do contrato de empréstimo. A incógnita aqui é o "metia no banco", porque a taxa de juro anual r que estou a assumir será aquela que receberia do banco e isso varia no tempo. Quando ouvimos na televisão que o juro da dívida pública de Portugal está em 8% no mercado secundário, r=8% para que o preço das obrigações seja igual ao valor facial(significa que o estado está a ganhar NESSES títulos porque está a pagar juros abaixo daquilo que é o seu risco percebido pelo mercado. Claro que não é bom porque vai precisar de mais dinheiro...).

Então vamos voltar aos swaps. Recordam-se que defini os swaps como a troca de duas coisas que queremos desfazer no futuro. O mesmo racional que apliquei no empréstimo posso aplicar no swap (em rigor, posso aplicar em tudo, é com base nessa métrica que se sustenta toda a teoria do investimento). E somo todos os fluxos financeiros do futuro a pagar(+) e a receber(-) descontados ao presente. Esse é o valor presente do swap ou, como dizem os jornais à exaustão, o "valor das perdas potenciais". O que é que isto tem a ver com o facto dos swaps terem sido bem ou mal feitos? Nada. Porque um swap valorizado desta forma diz-nos que o resultado final, depois de passada toda a vida do contrato, vai ser esse SE as condições do futuro forem aquelas que estamos a considerar.

Lembram-se que se diz que os swaps são de natureza especulativa? Pois, nada melhor para pôr os cronistas dos jornais a salivar como o cão do Pavlov. Mas o que quer isso dizer? O valor dos swaps é diferente por ser de natureza especulativa? Não, o valor é exactamente o mesmo. A diferença está na forma como o reportamos ou contabilizamos, i.e., na forma como informamos o mundo exterior da situação da empresa. O critério para dizer se são de natureza especulativa ou não é a existência de uma outra posição financeira que seja passível de ser trocada temporariamente de forma a reduzir o risco. Por exemplo, um empréstimo indexado à EURIBOR, um empréstimo em USD ou um um armazenamento de petróleo. Algo que esteja de facto registado na contabilidade. Se assim for, o swap é passível de ser valorizado da mesma forma que essa posição, tipicamente por critérios valoriméticos mais "suaves", como o juro corrido (presente) e não todo o contrato(futuro). Se não, temos uma diferença de horizontes temporais gigantesca.

Mas os valores que vieram a público dos swaps referem-se aos valores futuros dos contratos, que são os valores de facto dos contratos, mas falta a informação dos riscos que estão a cobrir que não estão registados na contabilidade. Por exemplo, numa empresa de transportes eu faria um swap sobre crude, transformando a incerteza do preço do petróleo em taxa de juro. Se o petróleo subisse pagava sempre a mesma coisa pelo combustível, se descesse pagava mais no swap, mas menos no combustível e ia dar a mesma coisa. Detalhe, eu ainda não comprei o combustível pelo que não faz parte da contabilidade e, logo, o swap passa a ser considerado "de natureza especulativa", embora saiba que se vou por autocarros ou aviões a transportar pessoas vou gastar combustíveis de certeza. Na realidade o que fiz é exactamente o contrário daquilo que a regra geral da contabilidade me impõe, eu cobri-me contra a incerteza, senão estaria a especular sobre o preço do petróleo. Não fazer o swap é que é de natureza especulativa, independentemente daquilo que as regras contabilísticas gerais dizem. E, como disse atrás, não há qualquer diferença no valor real do swap, seja ele de natureza especulativa ou não. 

Agora, o estado português mandou liquidar os swaps das empresas de transportes, numa conta que vai ficar (hoje) por 1.03x10^9 euros porque seria esse o que pagaria (no futuro)  pelos swaps. Isto só tem lógica se os swaps estiverem contabilizados por esse montante, mas na realidade os prejuízos não foram realizados, são potenciais. Quer dizer, agora já são, liquidou-os... O governo já anunciou que não vai fazer a divulgação dos detalhes dos contratos, o que me parece particularmente grave. Grave porque podemos estar a cair, agora sim, em actos especulativos porque nunca mais nenhum gestor público vai cobrir riscos com instrumentos financeiros. E depois porque realizou hoje um prejuízo previsto que, mediante as condições do mercado, pode ou não, ser efectivado. Claro que o apoio dos media contra a "bruxaria" e contra "a economia de casino" suportada na proverbial ignorância do comentador de jornal favorece este tipo de medidas (liquidação) que me parece absurda, ou não, depende daquilo que estivermos a falar. Mas gastar mil milhões de euros por causa de critérios contabilísticos...

17 comentários:

Unknown disse...

Boa tarde.
"Estrato do banco"?

Valha-nos a Santa...

João Pires da Cruz disse...

Já está trocado!! Não meta a santa nisto senão torna-se galdéria!!! Obrigado!

(a conjugação de acordos ortográficos com correctores automáticos ainda nos vai trazer muitos dissabores....)

José Fontes disse...

Caro João Pires da Cruz:
Não se preocupe com as gralhas, qualquer um tropeça numa de vez em quando.
Já os modismos e as construções gramaticais um bocado macarrónicas devem ser criticados, e o meu caro cai em vários, infelizmente, mas isso também é «fruta da época», tal como os «swaps» e a economia de casino que em tão bom estado está a deixar o mundo: linguagem de «economês», que tudo justifica, até o injustificável, como o meu caro faz no seu texto.
E o meu caro faz um verdadeiro exercício de «prestidigitação» mental para nos convencer que está tudo bem com os «swaps», a coisa mais natural do mundo, mas que é que não fez já um «swap»?
É esta mentalidade, hoje generalizada nas elites que nos governam, irmãs gémeas das elites que gerem a economia e as empresas, que nos conduziu à maior crise mundial desde 1929. Mas o caro não só não vê a coisa assim: «swapemos» então todos.
Pode dar-me um conselho?
Preciso comprar um calhambeque em 2.ª mão, as coisas não estão para grandes voos, devo fazer um «swap» ou não?
P. S. - É evidente que estou disposto a fazer um «swap» para lhe pagar futuramente o seu trabalho de consultoria.

João Pires da Cruz disse...

Caro José Fontes, concordo que deve criticar as minhas construções. Nem sempre releio com atenção aquilo que escrevo e mudo muitas vezes de idioma durante o dia pelo que, naquilo que puder, gostaria que me criticasse.

Quanto ao calhambeque, posso dizer-lhe que eu não tenho carro. Tenho uma espécie de "swap", chamada de aluguer de longa duração, em que passo o risco de ter um carro todo para a locadora e usufruo apenas da operação. Assim não entro em grandes voos, nem me meto nessa economia de casino que é a cotação de carros usados. Agora, se o meu caro decidir comprar, qual de nós os dois é que nada a especular sobre o preço dos carros :)...

Mas, se me permite a correcção, eu não disse se os swaps foram bem ou mal feitos, eu disse que podem ter sido muito bem feitos e ser-nos dada a percepção contrária. Quanto ao estado da economia do mundo, alguma vez esteve melhor? Alguma vez o bem estar das pessoas do mundo esteve tão alto? Não vamos ser pessimistas com o presente.

Tá na laethanta saoire thart-Cruáil an tsaoil disse...

alguma vez 50 milhões de americanos estiveram abaixo da linha de pobreza?

alguma vez houve tanta bolha em tão pouco tempo?

al gum a vez...andam finos


o que é mau cagente do gamanço já não consegue tanta rentabilidade


Plano Real faz 19 anos com tomate mil e 716% mais caro

Preço das tarifas de ônibus urbano foi outro grande vilão, com alta de 684%; em São Paulo, valor subiu de R$ 0,50 em 1994 para R$ 3 atualmente

afirma pereira


Segundo o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Leonardo Weller, especialista em História Econômica, o êxito do Real se deve a três questões principais: liberalização comercial, câmbio estável e desindexação.

A liberalização comercial foi basicamente uma grande abertura do país ao capital estrangeiro. A medida veio acompanhada de uma taxa de câmbio estável, aumentou a concorrência aos produtos brasileiros e pressionou os preços para baixo.

Já a desindexação da economia consistiu em reduzir mecanismos de repasse automático da inflação, como os gatilhos salariais, que não permitiam que os preços se estabilizassem.

A inflação chegou a 916,46% no ano de 1994 e foi estabilizada em níveis baixos nos anos seguintes, mas não deixou de existir.

Entre 1994 e 2013, a taxa acumulada, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi de 332,33%. Alguns produtos, como o tomate, que se causou polêmica nas listas de compras no início deste ano, está no topo da lista dos produtos que mais subiram de preço: segundo o IBGE, o aumento acumulado é de 1.716,2% nos últimos 19 anos.

O preço das tarifas de ônibus urbano foi outro grande vilão, com alta de 684%. Em São Paulo, a tarifa subiu de R$ 0,50 em 1994 para R$ 3 atualmente.

Nem um dos componentes principais da dieta dos brasileiros subiu menos que a inflação. O feijão-carioca teve variação de 785,9% desde a criação do plano Real. Neste período, o salário mínimo subiu de R$ 64,79 para R$ 678, uma elevação de 1046,45%. Para Weller, mesmo com as recentes altas da inflação, o país não corre mais o risco de passar por uma nova hiperinflação. Isso porque a economia do País está mais inserida no conceito de economia de mercado.

Entretanto, o economista assinala que os protestos que têm tomado ruas recentemente são o primeiro sintoma de perda da "ilusão monetária".

"As pessoas perceberam que o ganho do salário nominal (sem descontar a inflação) nos últimos anos está sendo corroído pela inflação. Houve uma queda no salário real. E isso foi percebido rapidamente", afirma a firma....

al gun à vez

Anonymus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anonymus disse...

Caro João Pires da Cruz:
Disse: «Quanto ao estado da economia do mundo, alguma vez esteve melhor? Alguma vez o bem estar das pessoas do mundo esteve tão alto? Não vamos ser pessimistas com o presente.»
Já esteve, pelo menos no Ocidente, ou este espaço económico não está em profunda crise? E a maior desde 1929, segundo a opinião de muitos economistas, politólogos, decisores políticos bastante credenciados.
Eu não estava a discutir a justiça da distribuição mundial da riqueza.
Eu estava a discutir um determinado tipo de instrumentos e os seus efeitos na nossas economias capitalistas ocidentais.
Se derivarmos para argumentos fora da discussão nunca mais nos entendemos, não concorda?

João Pires da Cruz disse...

"Crise" é uma medida da derivada. Bem-estar é uma medida da posição. Mesmo que a derivada possa ser grande, tão grande ou maior que a derivada em 1929, é incomparável o nível de bem-estar actual

João Pires da Cruz disse...

Quanto aos instrumentos, falamos de quê?

Anónimo disse...

Sim, sim, a técnica. Pois.

Anónimo disse...

A estupidez humana é infinita, dizia Einstein, e a parcialidade, dizia Hume, uma inevitabilidade humana. Já Cristo terá dito «Pai, perdoai-lhes pois eles não sabem o que fazem.» Bom dia.

José Batista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Batista disse...

O tempo a que a gente chegou
(em péssimos versos, que mais não permite o estro do autor)

É um tempo de suópes
E a realidade de flopes
Em que os pobres deitam os bofes
E os ricos virtualmente enchem os cofres

E um dia os pobres serão tantos
Que perdem brandura, medo e espantos
E fazem engolir suópes e cofres a quantos
Se fazem malabaristas, "artistas" e "santos"

Quem semeia ventos...

Anónimo disse...

"O buraco cavado pelo jogo financeiro dos "swaps" na Metro do Porto está a agigantar-se. A perda potencial superava os 914,4 milhões de euros, no final de 2012. É quase um quarto do passivo da empresa. " JN

Isto não é uma hipótese, parece que é mesmo a realidade.

Ivone Melo

João Pires da Cruz disse...

É um registo do futuro. O problema é que não tem o mesmo registo dos activos, pelovque a coisa desequilibra.

João Pires da Cruz disse...

Mas sem saber os detalhes, o culpado até pode ser o auditor que obrigou a contabilizar dessa forma.

Anónimo disse...


Parece o gato de Schrödinger!

Ivone Melo

A ARTE DE INSISTIR

Quando se pensa nisso o tempo todo, alguma descoberta se consegue. Que uma ideia venha ao engodo e o espírito desassossegue, nela se co...