A Universidade de Oxford acaba de divulgar aqui um estudo importante sobre o impacto económico do estudo das humanidades. O estudo parece mostrar que, além evidentemente do valor intrínseco que tem o estudo das humanidades, os graduados nestas áreas contribuem de maneira importante para o crescimento económico. Uma boa notícia, certo?
Errado.
Uma má notícia. Porque confirma que, quando se trata de defender o seu tacho, mesmo os investigadores mais honestos perdem as estribeiras. Ao ler o artigo percebemos duas coisas importantes, e que são de fazer qualquer observador imparcial ficar logo de pé atrás quanto à honestidade deste estudo.
Primeiro, o Professor West, responsável pelo estudo, começa por declarar que "a necessidade de demonstrar o impacto e valor do estudo das humanidades na economia e na sociedade intensificou-se durante a recente crise económica". Ou seja, encomendamos um estudo a uma companhia de tabaco para mostrar que afinal o tabaco até faz bem? Qualquer pessoa que não seja completamente parva vê que um estudo que visa provar X e que é conduzido por quem tem tudo a ganhar que realmente "prove" X tem uma probabilidade tão elevada de ser uma completa fraude académica que é quase uma certeza. Oh, eu não duvido que tenha todas as marcas superficiais da seriedade e objectividade académica. Mas isto também nós encontramos nos estudos espíritas, homeopatas, astrológicos, numerológicos e criacionistas. A criatividade humana não tem limites, no que respeita à aldrabice.
Segundo, no final do artigo o Professor West especifica melhor qual é o impacto económico positivo do estudo das humanidades: "Qualquer pessoa que tenha escrito uma análise crítica da República de Platão em menos de mil palavras" está mais bem capacitada para responder ao que os empregadores procuram, que são pessoas com "competências sucintas e persuasivas de comunicação escrita e verbal, e capacidade de análise crítica e de síntese". Como deveria ser evidente, isto é como defender que toda a gente deve treinar halterofilia durante três anos, porque depois quando se vai trabalhar na sapataria temos mais força para arrumar as caixas das botas mais pesadas. Fora de brincadeiras, é evidente que se essas são as competências que os empregadores procuram e as pessoas querem, há maneiras muito mais directas e eficientes de as ensinar, em vez de instrumentalizar o pobre Platão.
A situação do mundo contemporâneo, com classes profissionais muitíssimo bem colocadas politicamente para conseguir o dinheiro dos impostos dos outros para fazerem o que lhes interessa a eles mas não a quem paga a despesa, é certamente insustentável. É um pouco como a escravatura no séc. XVII: é evidente que é uma vergonha, mas muita gente ganha com o negócio, sobretudo as pessoas mais próximas do poder, e quem mais perde com o negócio está tão longe do poder que é como se não existisse. Mas eu preferiria que ao menos se fizesse um silêncio recatado, em vez de se tentar atirar areia para os olhos dos outros, ao mesmo tempo que se prostitui a objectividade do estudo académico. Se para defender o meu tacho eu tenho de mentir descaradamente, prefiro mudar de profissão e ir vender cuecas para a porta do Coliseu.
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7 comentários:
fica-se com uma certa impressão de que o autor pensa que a filosofia não deve ser financiada pelos impostos. Que ela realmente não tem serventia à população... Estranho
Chegámos a um tempo em que tudo parece ter que ser traduzido num valor económico.
E, no entanto, nunca os economistas pareceram tão incapazes de prever o comportamento das economias. Pelo menos não consigo ver que o resultado seja brilhante.
Variáveis a mais, é a minha crença.
Um dia destes ainda nos vão convencer de que não devemos comer pão, para não dar prejuízo (espero não estar a dar nenhuma ideia à generalidade dos nossos bem amados políticos).
E depois, é confrangedor, ver tantas pessoas capazes, a tentarem demonstrar a sua "utilidade económica"...
Conheço uma área com certas semelhanças - a da pedagogia. Aí também havia uns sabichões que prediziam tudo e gabavam-se muito, a si próprios e às suas teorias. E ainda tentam, mas agora com menos sobranceria, parece-me. Ou então fui eu e outros que deixámos de lhes dar importância.
Agora, mais especificamente sobre o texto: gostava de ser eu a tê-lo escrito. Mas, por outro lado, não. Quem o ia ler?
Muito bem haja, pois.
Pode ser que o estudo seja mau, agora este texto é completamente absurdo:
1. Um académico não pode estudar objectivamente, com honestidade e isenção, o que diz respeito à academia, pois esta interessado e é-lhe radicalmente impossivel ultrapassar o viés. Donde se depreende que é perfeitamente impossivel conhecer cientificamente as forças, leis e técnicas necessarias para construir, por exemplo, um edificio para o Instituto superior técnico... Se um engenheiro achar que as leis da gravidade se aplicam nesta matéria, isso vai logo parecer suspeito aos olhos do inenarravel Desidério...
2. O exemplo da sapataria é idiota : nenhuma sapataria contrata empregados porque têm força. Ja muitas empresas, sobretudo entre as de alto valor acrescentado, procuram escolher os seus empregados de acordo com os critérios indicados no estudo. O autor do post saberia disso se tivesse alguma vez posto os pés numa empresa. Mas é muito melhor opinar sobre economia ou gestão do alto de uma catedra, ao abrigo do mais pequeno risco de saber do que se esta a falar...
Mais uma vez, um post indigente e indigno de figurar num blogue que pretende dedicar-se à divulgação da ciência e da cultura. Alias, se o autor considera esta actividade tão desprovida de interesse e de valor, porque não opta pela pesca desportiva ? Um enigma para mim...
Boas
Vamos todos estudar humanidades: isso dá dinheiro.
Por gentileza professor Desiderio: escrever um artigo é diferente do desabafo pessoal.
o prof West andará com falta de alunos ? .é que ele é o chefão do departamento de humanidades de Oxford , não reparou ?
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