Já aqui tinha citado Os Maias de Eça de Queirós a
propósito da química da memória. Apresento mais
alguns aspectos químicos desta obra que foram referidos na palestra
Livros com Química que realizei em Fevereiro de 2012 no Museu da
Ciência da Universidade de Coimbra.
N' Os Maias, Carlos da Maia, depois de
terminado o curso de medicina em Coimbra, começa a instalar um
consultório médico e um laboratório químico em Lisboa:
Carlos pensara em arranjar um vasto
laboratório ali perto no bairro, com fornos para trabalhos químicos,
uma sala disposta para estudos anatómicos e fisiológicos, a sua
biblioteca, os seus aparelhos, uma concentração metódica de todos
os instrumentos de estudo.
Carlos tinha grandes planos:
-Quando esse eterno laboratório
estiver acabado, talvez vá para lá passar um bocado, ocupar-me de
química.
- E ser talvez um grande químico.
Na formação de um médico da altura a
química era um aspecto muito importante. Para além disso, a química
era a ciência da altura em que se faziam as descobertas mais
excitantes. Não admira, por isso, que Carlos lhe tivesse dado tanta
atenção. Ao longo do livro várias vezes se refere a química e o
laboratório que, ao ficar pronto, é deixado ao abandono, apenas com
um criado que o vai limpar. A ciência exige dedicação e
persistência e Carlos tem demasiados interesses. Dispersa-se e acaba
por falhar; como o Ulrich de Musil, revelou-se afinal um homem sem
qualidades.
Os Maias trazem-nos também marcas
culturais e científicas do tempo em que foram escritos. Como refere Alice Martins e colaboradores, o gás aparecem mais de trinta vezes nesta obra. Mas de
que gás se trata? No final do século XIX quase todas as cidades
tinham um fábrica do gás, mas são relativamente poucas as marcas
que destas fábricas permaneceram até aos dias de hoje. Lisboa é uma excepção onde ainda hoje podem ser encontrados vestígios destas fábricas e instalações anexas. Um exemplo é a fachada da fábrica da Boavista (foto: http://lisboahojeeontem.blogspot.pt/).
Em Coimbra, como já escrevi n'Os Passeios Químicos, no final da rua da Sofia e início da rua da Figueira da Foz (denominada assim a partir de 1903), acompanhando a actual rua João Machado situou-se de Outubro de 1856 até aos anos 20 do século XX a fábrica do gás. Era nesta fábrica que era produzido o gás para iluminação pública e privada da cidade, o qual saía dali em tubos de ferro para os candeeiros de cobre da cidade. O gasómetro (tanque do gás) situava-se na rua João Machado que foi por essa altura denominada Rua do Gasómetro. O gás era produzido pelo aquecimento a cerca de 1000oC do carvão numa retorta fechada o que dava origem a um gás combustível, mistura de metano e monóxido de carbono, que por vezes seria designado como gás carbónico, nome que hoje usamos para o dióxido de carbono. Os candeeiros tinham de ser acendidos, a chama do gás era amarelada e o gás fazia um barulho característico a sair do bico e arder, talvez semelhante ao dos fogões a gás ou candeeiros Petromax, que algumas pessoas ainda usam no campismo (mas sem as camisas que só foram inventadas mais tarde).
N' Os Maias as referências à fábrica do gás e à iluminação a gás apresentam-nos aspectos da sociedade da altura que estão condicionados pela química dos processos de iluminação da época. Alguns exemplos:
Em Coimbra, como já escrevi n'Os Passeios Químicos, no final da rua da Sofia e início da rua da Figueira da Foz (denominada assim a partir de 1903), acompanhando a actual rua João Machado situou-se de Outubro de 1856 até aos anos 20 do século XX a fábrica do gás. Era nesta fábrica que era produzido o gás para iluminação pública e privada da cidade, o qual saía dali em tubos de ferro para os candeeiros de cobre da cidade. O gasómetro (tanque do gás) situava-se na rua João Machado que foi por essa altura denominada Rua do Gasómetro. O gás era produzido pelo aquecimento a cerca de 1000oC do carvão numa retorta fechada o que dava origem a um gás combustível, mistura de metano e monóxido de carbono, que por vezes seria designado como gás carbónico, nome que hoje usamos para o dióxido de carbono. Os candeeiros tinham de ser acendidos, a chama do gás era amarelada e o gás fazia um barulho característico a sair do bico e arder, talvez semelhante ao dos fogões a gás ou candeeiros Petromax, que algumas pessoas ainda usam no campismo (mas sem as camisas que só foram inventadas mais tarde).
N' Os Maias as referências à fábrica do gás e à iluminação a gás apresentam-nos aspectos da sociedade da altura que estão condicionados pela química dos processos de iluminação da época. Alguns exemplos:
E atirou o vermute às goelas. Ega,
impaciente, olhava o relógio. Um criado, entrando, acendeu o gás; a
mesa surgiu da penumbra, com um brilho de cristais e louças, um
ramos. Um luxo de camélias em ramos.
A sala de esgrima era uma casa térrea,
debaixo dos quartos de Carlos, com janelas gradeadas para o jardim,
por onde resvalava, através das árvores, uma luz esverdinhada. Em
dias enevoados era necessário acender os quatro bicos de gás.
Dâmaso seguiu, atrás dos dois, com uma lentidão de rês
desconfiada.
(...) Carlos entrara na alcova de
banho, ao lado, alumiada por um forte jacto de gás que assobiava.
(...)
Havia um cruzar animado de carruagens
com librés. Os bicos de gás do Ginásio tinham um fulgor de festa.
(...)
Há também vários poemas de Cesário
Verde em que a iluminação a gás está presente. E Baudelaire
também refere o gás em vários dos seus textos, por exemplo em Os
olhos dos pobres de O spleen de Paris. As ruas largas e a iluminação
moderna das ruas e cafés de Paris permite que as diferentes classes
sociais tradicionalmente separadas pelas ruas estreitas, muros e
escuridão da cidade medieval se encontrem e observem, facilitando a
revolução, segundo Marshal Berman. No Estranho caso do Dr. Jekyll
e Mr. Hyde de Stevenson também a iluminação a gás da rua tem um
papel importante. Esta é uma química algo esquecida, mas que marcou o nosso mundo e ainda continua a influenciá-lo através da literatura.
Referência sobre o gás na literatura
portuguesa
Martins, Alice C.; Salema, Maria
Helena; Pinto Coelho, Adriano; A formação de professores de
História em património industrial. Notas para a construção de um
percurso pedagógico interdisciplinar na base de temas em Cesário
Verde, Fernando Pessoa e Eça de Queirós , Actas do Colóquio –
Literatura e História, Universidade Aberta, 2002.
3 comentários:
ou seja nos maias há um químico ao estylo de nobel mas sem dar brindes...
ok nunca reparei e fui obrigado a ver as anafogorias e anfitostas e insignificâncias cheias de significados mas ao menos nã me meteram o calhamaço na tola
essa é a 1ª edição com chymica ou a 2ª com chimica?
O quanto os pormenores da realidade importam, se outra a forma de olhar. No meio da extensa beleza de "Os Maias", o gás passou-me; dele me desviei decerto. Que não lemos tudo quando tudo lemos.
Bom Dia
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