"Com a tecnologia da criatividade, podemos dar textos a um computador
e ele consegue gerar um texto relativamente diferente
sobre uma determinada temática,
os escritores podem vir a perder o emprego".
Paulo Novais (2022, 13).
(Presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial)
Tem vindo em quase todos os jornais: "já há muitos livros «escritos» pelo ChatGPT à venda na Amazon", noticia a Agência Lusa, com base na Agência Reuters. Seriam, em finais de Fevereiro, aproximadamente duzentos, mas como se diz que um livro demora cinco minutos a escrever, neste momento o número será muito mais elevado. As categorias são diversas: auto-ajuda, receitas e dietas, para miúdos, ficção científica, mas também contos e romances e... poesia!
- "ChatGPT on ChatGPT: The AI Explains Itself" ("ChatGPT sobre ChatGPT: A Inteligência Artificial Explica-se"). O título diz tudo!
- "The "Wise Little Squirrel" ("O Esquilozinho Sábio"), "assinado por um vendedor de Nova Iorque, que tinha o sonho de escrever um livro (ao lado).
Li que os programas de "inteligência artificial generativa", geram (convém distinguir "gerar" de "criar"), a partir de instruções breves e simples textos na estrutura pretendida e com a prosa afinada. Geram de tudo: documentos de estudo, planificações e exames para todas as áreas e níveis de ensino, bem como sumários; teses, monografias, ensaios e outras exigências académicas do nível superior; mas também artigos "científicos" e de "opinião; não faltando peças jornalísticas, recensões críticas; e, como se previa, livros. Tudo isto consta despudoradamente na internet, sublinhado por expressivos sorrisos, como os das fotos abaixo.
Imagem recolhida aqui (vídeo) |
Bem podem sorrir os fotografados: sem sentido do que é a criação humana, sem consciência do que significa negá-la, sem experiência do penoso e moroso exercício que é a escrita, e sem exigência na apreciação da mesma, obter um livro, com imagens e capa sugestivas, no tempo em que o comum dos mortais demora a tomar um café, só pode conduzir ao contentamento ingénuo.
Diz-se nas notícias que quem usa este tipo de programas não são os escritores-escritores. Percebe-se! Será quem, por lhe faltar "engenho e arte", nunca conseguiria ser escritor, acrescendo que não tem a mais pálida noção do que isso é. Mas, tem, em contrapartida, o descaramento para se fazer passar por tal. O mesmo vale para os (pseudo) professores, investigadores, jornalistas... Na posse dos meios, a legitimidade dos fins não interessa, avancemos! Até porque o negócio promete.
Mas a questão também se coloca da parte dos compradores-leitores. O nível de exigência de uma boa parte é raso ou pouco mais do que isso. Tenho por critério de avaliação os livros que se anunciam como muito vendidos: os títulos pirosos e as capas garrido-florescentes com que somos "atacados" à entrada de certas livrarias, mais parecem a aura dos seus autores, muitos deles "autores". Lembro que os "escritores fantasma" não são invenção recente.
Voltando às notícias que motivaram este texto, no que respeita aos escritores, lê-se: a "situação é vista como uma ameaça para os escritores", "estes livros inundarão o mercado e muitos autores ficarão desempregados". Reconhecem-no o acima citado professor universitário português e Presidente da Associação Portuguesa de Inteligência Artificial, bem como uma directora executiva da maior e mais antiga organização de escritores profissionais dos Estados Unidos.
Deixando de lado a questão de se ser escritor é um "emprego", termino dizendo que talvez seja assim, mas não tem de ser assim: em nome da honestidade e da inteligência, em nome do pensamento livre e criativo, os políticos, os legisladores e os professores podem - e, portanto, devem - fazer alguma coisa. A primeira coisa que têm de fazer, de modo empenhado e consistente, é interrogar o que é ser-se humano e como, na medida das suas atribuições e possibilidades, são capazes de preservar a humanidade do humano.
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Citação in Prospecto do 2.º Congresso das Escolas, Conferência I (Paulo Novais), página 13.
8 comentários:
Na vertente de produção de livros, em enormes quantidades, a máquina "intelegente" é, sem dúvida, imbatível. Já, quanto à originalidade e qualidade literárias dos livros, tenho muitas dúvidas. Mesmo eu, que não sou escritor - apesar de, até à presente data, ser um dos autores que mais manuais de física vende, respaldado em leis esquerdistas, do Governo da Geringonça da Catarina Martins, do Jerónimo e do Costa, que, para garantirem o sucesso educativo aos pobrezinhos, ofereceram, com o dinheiro do Estado, manuais escolares a toda a gente -, não acredito que uma "máquina inteligente", programada para escrever a minha biografia o faça com mais originalidade e, até, mais qualidade literária, do que eu sou capaz, com a minha inspiração e o meu vagar.
À máquina, falta-lhe vida!
Há livros que podem ser imensas coisas diferentes, tantas quantos os seus autores. Mas há livros que não podem ser muito diferentes uns dos outros. E há livros que são iguais aos outros, que se reproduzem uns aos outros. A IA vai ser muito útil e eficaz na multiplicação de livros, ou, para ser mais rigoroso, na reprodução e multiplicação de discursos de toda a tipologia. Ela até pode substituir-se aos livros que não queremos ler, contando-nos a história, ou a moral da história, ou alguns aspectos, interpretações da narrativa, e talvez fornecer-nos uma crítica literária, ou científica, etc.. O leitor é e será sempre a chave do problema. Sem leitor, passe a expressão, não há livro lido. Com a inteligência artificial o problema amplifica-se, porque, no livro escrito por um autor, escritor humano, ainda que não seja original, nem criativo, nem obra de arte, nem recomendável, há pelo menos uma pessoa, a que o escreveu, que leu, muito ou pouco, mas leu. Com a IA, há leituras de outro tipo, para leitores de outro tipo, sendo a IA o leitor que todos os escritores e autores vão ter a satisfação de ter, se pensarmos que ela lê tudo, porque deve e pode ler tudo, até estes comentários que vamos deixando em rodapé. Um dia talvez estejamos todos preocupados apenas com a "opinião", a análise e o enquadramento que a IA faz de qualquer assunto, incluindo aqueles sobre os quais nos pronunciamos. Os humanos são propensos a inventar e a criar entidades e máquinas e estruturas, umas mais abstractas do que outras, que adoptam religiosamente como dogmas tutelares que transcendem tudo. Nada que seja estranho à nossa natureza, à natureza.
Prezado Leitor Carlos Ricardo Soares, concordando com o conteúdo do seu comentário, sublinho essa possibilidade - se ela não é já realidade - de a máquina formar opiniões que conduzirão o pensamento humano. Talvez pela educação, orientada por ideias humanista, pelo cultivo do conhecimento e pela estimulação do amor ao mesmo, possamos manter-mo-nos humanos, fragilmente humanos. Cumprimentos, MHDamião
Helena Damião, o humano, ou melhor, o ser humano, o Homem, na sua fragilidade humana, enquanto instância viva, individual, sede e fonte de tudo o que significa e é valor, jamais deverá ser retirado do vértice-topo da hierarquia dos valores, que não partilha com mais nenhum outro. O cristianismo teria realizado este desiderato, mas ainda vai a tempo, se tivesse abandonado a ponte para se ligar a Deus, como se isso fosse impensável naquela época e naquela cultura. Substituir o indivíduo humano por Deus parece-me ser a inversão do cristianismo, fazer da doutrina cristã mais um desenvolvimento da religião hebraica, do judaísmo. Mas o cristianismo, como o entendo cada vez mais, é a doutrina que veio colocar o homem, ser humano, indivíduo, no seu devido lugar, no lugar de Deus. Nenhuma inteligência, humana ou sobre-humana, nenhuma criação, invenção, ou força, poderá reclamar dele, de cada um de nós, uma sujeição, ou uma servidão potestativa, sem o seu, o meu, o nosso consentimento. Esta é a fonte de todos os conflitos, mas também é a fonte da dignidade e a marca da humanidade.
Por vida, entende o quê?
Há quem nasça, cresça, procrie, envelheça e morra, sendo feliz. Literalmente.
O ser humano é a máquina mais velha do mundo e tornar-se-á obsoleto, quer só cumpra rotinas biológicas, quer viva. Qualquer máquina inventada pensará melhor, será mais inteligente, arranjará melhores soluções e, se calhar, até sentirá, desde que lhe sejam incluídos, nos circuitos, o tal do sentir.
Viver é sentir um amor platónico por alguém, ou sentir amor pela física, quer estejamos a falar de uma pessoa ou de todo o Universo!
Uma máquina, mesma que venha a "sentir", nunca terá os sentimentos humanos. Para escrever uma bela história de amor original, o autor tem de ter o sentido do belo e ter experimentado o sentimento do amor. Senão, a densidade da narrativa vai ficar próxima da do hidrogénio, em condições normais de pressão e temperatura. Já para escrever receitas culinárias não originais, o recurso à inteligência artificial é capaz de ser uma boa opção.
Caro Leitor Carlos Ricardo Soares, sem retomarmos a lógica antropocêntrica - que coloca o ser humano no centro do universo - o momento não pode deixar de nos impelir a uma profunda reflexão acerca do que somos como humanos no mundo, o que queremos ser e que mundo queremos deixar para o futuro. Não chegaremos, por certo, "à resposta", mas precisamos de pensar. As ciências sociais e humanas - a antropologia, a filosofia, a ética, a história - são absolutamente necessárias, precisamos de as chamar. Cordialmente, MHDamião
"Uma máquina, mesmo que venha a "sentir", nunca terá os sentimentos humanos."
Tem a certeza? Mesmo que Alguém a faça à nossa imagem e semelhança?
Eu ainda não percebi bem o que é um ser humano. Uma máquina biológica feita à imagem e semelhança de "Deus"? "Deus" quem? Nós?
Há deles que não têm sentimentos humanos. Há outros que obedecem tanto que parecem bon-ecos. Há outros que desobedecem tanto que não cabem em lugar nenhum. Há ainda outros que não pensam ou não sabem pensar. Há uns que só têm necessidades e emoções que não chegam a ser sentimentos. No início, no meio ou no fim, todos se avariam.
O que é, realmente, um ser "humano"? Náufrago do "sentir"...
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