sexta-feira, 3 de março de 2023

Em defesa da Escola Pública:

 Recebido dos professores da  Escola Secundária de Rio Maior :

Como professores da Escola Secundária de Rio Maior e tendo participado com dezenas de colegas do município, em momentos de reflexão e de reivindicação, dirigimos-lhe esta missiva na firme esperança de o sensibilizar para o gravíssimo problema que enferma o setor educativo do nosso país.

Há intermináveis anos, sim, parece não terem fim, que os professores se queixam de que o estado da Educação está calamitoso e disruptivo, que se encontram exaustos e que, no que concerne aos governantes, se têm sentido menosprezados pela ausência de interesse e de vontade em resolver os gravíssimos problemas que a Escola Pública atravessa, desde há longa data. 

Os professores sentem que o Governo, perante o estado de esgotamento de uma classe, limita-se a burocratizar cada vez mais as escolas e, de uma maneira ofensiva para com as reivindicações dos docentes, apenas tem palavras de intimidação e de privação do seu direito à greve e à manifestação pública do seu descontentamento. A forma particularmente infeliz como a tutela tem gerido esta crise na Educação, espelha a falta de valores, de cultura e de espírito de cidadania que atrofiam a nossa sociedade.

Se os problemas na Educação estão longe de ser um exclusivo português, a forma como são solucionados, digo, ignorados, mostra muito sobre o povo que somos.

Senão, vejamos:

-no presente ano, a vizinha Espanha optou por uma grande reforma orgânica na Educação com a valorização dos seus profissionais;

- a falta de professores, em França, mereceu uma intervenção direta do presidente Macron, que começou por garantir que nenhum professor poderia ganhar menos de 2.000€ e, para atrair jovens para a profissão, melhorou consideravelmente as condições de trabalho da classe docente;

- nos EUA, confrontados com a falta de 100 mil professores, a presidência atribuiu extraordinariamente 9 mil milhões de dólares, apenas para a contratação de mais professores;

- a Finlândia reservou 10 mil milhões de euros para a Educação e 2 mil milhões para atrair mais jovens para a profissão

- a propósito do “equilíbrio das nossas contas públicas", Fernando Medina, em entrevista à TVI, disse recentemente: "O país não tem só professores”. Fernando Medina tem razão. O país não tem só os professores. Tem o escândalo da TAP (3.200 milhões) para pagar, os desmandos dos bancos (22.049 milhões, segundo números recentes do Tribunal de Contas) para amortizar, a Jornada Mundial da Juventude (80 milhões) para organizar, a Brisa (140 milhões) para compensar, a Ucrânia (250 milhões) para ajudar, mais, entre tantas outras “liberalidades”, os politicamente muito convenientes aumentos dos magistrados e juízes, de 2019, e as milionárias e imorais indemnizações de agora e do futuro, para continuar a “honrar”.

Em Portugal, com um investimento na Educação que, em comparação com outros países, envergonha o nosso país, para combater a falta de atratividade da profissão, mantém-se um vencimento de início de carreira pouco superior ao salário mínimo, que é o mesmo que dizer a um jovem esperançoso na profissão escolhida por opção e vocação: Se queres ser professor, pega nas tuas malas e arranja um carro, mete-te à estrada, paga as contas de combustível e de alojamento e desenrasca-te (perdoe-nos o simplismo da expressão).

Depois de uma sucessiva perda do poder de compra, desde 2010, o Estado para a compensar e fazer face a uma inflação exorbitante, que atingiu os 7,9% no ano passado, limitou-se a dar aos professores um aumento miserável, pouco além dos 2%, degradando ainda mais a sua condição salarial.

Já em 2006, quando Maria de Lurdes Rodrigues, orgulhosamente, afirmou "ter perdido os professores, mas ganho a população e os pais", na mesma altura, o presidente francês fazia um comunicado à nação, agradecendo publicamente aos professores o seu contributo pelo progresso que o país tinha alcançado.

Perante esta realidade, perguntamos o que será preciso para se compreender, de uma vez por todas, os motivos de indignação dos professores?

Constituirá algum mistério o facto de o país estar constantemente a ser ultrapassado por outros nos rankings internacionais de desenvolvimento?

Por conseguinte, em rigor, quando o pensamento político para a Educação não vai além de uma legislatura, incapaz de pensar a Educação a médio e longo prazo e de contar com a colaboração dos professores – vistos sempre como uma despesa e como adversários a reprimir – o sistema de ensino no nosso país só pode piorar.

A todo este desprezo, soma-se a passividade de uma sociedade que, após dois meses de um visível sentimento de revolta dos professores, que se têm esforçado por denunciar o estado calamitoso em que se encontra a Escola Pública, ainda não foi capaz de exigir que se faça um debate público alargado acerca dos graves problemas da Educação em Portugal, onde se inclui a preocupante falta de professores e o futuro do país. 

Aos detratores dos professores, destes que estiveram abnegadamente com os alunos e com os pais no momento completamente avassalador, que há bem pouco tempo vivemos, àqueles interessa-lhes, apenas, ter uma escola de portas abertas (vulgus, armazém), mesmo sem condições, vocacionada somente para tomar conta dos mais desfavorecidos, acabando esta situação por denunciar a mentalidade limitada, que tomou conta de toda uma sociedade que não luta pelos seus merecidos direitos a serviços públicos de qualidade. 

Unidos em Defesa da ESCOLA PÚBLICA

1) A luta dos professores e técnicos superiores da Escola é uma luta genuína, com foco em valores como a justiça, o respeito, a valorização e a dignidade, e sem qualquer interesse sindical ou político.

2)A educação é a base de uma sociedade desenvolvida e a maior promotora de mobilidade social. Uma sociedade que não investe significativamente na educação e no conhecimento compromete o seu futuro.

3) os "professores são os pedreiros do mundo", pois estão na base da conceção da sociedade e de algo fundamental numa sociedade desenvolvida, o "Elevador Social".

4) É urgente o combate à precariedade e instabilidade de alguns professores e técnicos superiores, sistematicamente contratados e deslocados, votados a um baixo rendimento devido aos encargos financeiros acrescidos e não vislumbrando uma merecida estabilidade nas suas vidas.

5) É urgente reduzir o trabalho burocrático, a sobrecarga de trabalho que pouco ou nenhum benefício traz para o processo educativo e que limita o tempo disponível para apostar na qualidade, inovação e humanização da Escola, assim como o tempo pessoal/relacional dos seus profissionais.

6) É urgente um novo modelo de avaliação de desempenho que não defina quotas, que não estrangule e bloqueie a progressão na carreira.

7) É urgente a recuperação do tempo de serviço retirado aos professores (6 anos + 6 meses + 23 dias), ainda que faseada.

8) É urgente a atribuição de remunerações dignas aos profissionais da educação, alinhadas com o seu investimento formativo e as suas responsabilidades.

9) É urgente combater o facilitismo que tem sido introduzido pelos sucessivos governos no sistema educativo, tal como a perda de autoridade dos profissionais de educação.

10) É urgente tornar a profissão de professor uma PROFISSÃO NOBRE, prestigiada e mais atrativa, tanto para os que já a exercem como para os jovens, caso contrário, muitos docentes continuarão a optar por sair do ensino e poucos jovens estarão interessados na carreira de professor, pelo que, tendo em perspetiva o número de aposentações num futuro próximo, não haverá professores suficientes para as necessidades do país.

11) A persistente desvalorização dos profissionais da educação na sociedade portuguesa e a contínua degradação do quotidiano da escola pública têm conduzido a uma crescente insatisfação profissional, tornando-se estes profissionais uma das classes que acusa um maior desgaste e exaustão e apresentando, muitos deles, problemas de saúde mental que importa mitigar e, sobretudo, prevenir.

Por uma ESCOLA PÚBLICA de QUALIDADE

2 comentários:

Vasco disse...

Em Portugal continua a haver uma larga faixa da população que vive pobremente.
As “escolas” EB 1, 2, 3 + S + JI, onde se pratica um ensino/ aprendizagem baseado numa despudorada hipocrisia na avaliação dos alunos e numa pedagogia sem sentido, mas muito burocratizada, em que a exígua matéria escolar, que os professores ainda estão autorizados a ensinar, encontra-se submersa pelas teorias estapafúrdias de alguns teóricos da educação, convertidas em leis pelo ministério da educação, as escolas, dizia, assim em nada contribuem para a valorização pessoal de alunos e professores, nem para o desenvolvimento económico, social e cultural de Portugal.
Quando o que se ensina e aprende tem menos importância do que a justificação obrigatória, por escrito e extenso, das três negativas que o professor dá numa turma de trinta alunos, não admira que a racionalidade do sistema educativo abra rachas por todos os lados. O estatuto da carreira docente consagra a autonomia técnica e pedagógica dos professores. Se professor quer dar testes, tem direito a dá-los; se preferir o ensino por grellhas, pode fazê-lo; se a sua pedagogia se baseia em filosofia ubuntu, quem sou eu para o impedir?!
Resumindo as três principais causas do mal-estar de quase todos os professores são:

- Baixos salários;

- Perda da autonomia técnica e pedagógica (ultimamente, para além do asfixiante eduquês, sentimo-nos esmagados por paletes de grelhas e demais domínios subdomínios, rubricas, etc, da avaliação do sucesso de todos os alunos).

- Violência e indisciplina impunes em contexto de recintos escolares.

Anónimo disse...

É urgente restaurar a gestão democrática!

Do século das crianças ao século de instrumentalização das crianças

Muito em virtude do Movimento da Educação Nova, iniciado formalmente em finais de 1890 e, em especial, do trabalho de Ellen Key, o século XX...