Prefácio (sem as notas)
A Génese da Física de Partículas em Portugal de Gustavo Castelo-Branco, Margarida Nesbitt Rebelo, João Varela
Nas últimas três a quatro décadas a ciência em Portugal cresceu muito. Hoje, é frequente lermos notícias sobre a ciência que fazemos. Não era assim há 35 anos. Praticamente não havia investigação científica nas Universidades e eram raros os doutoramentos feitos em Portugal. Alguns recém -licenciados conseguiram bolsas de investigação e realizaram o doutoramento no estrangeiro. Muitos regressaram e tiveram um papel pioneiro na modernização da ciência no país.
Este livro incide sobre um campo específico da ciência e pretende descrever e ajudar a compreender a origem e desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal. É um relato em forma de testemunho de acontecimentos e experiências vividas pelos autores. Simbolicamente, associamos a adesão de Portugal ao CERN em 1985 à génese da Física de Partículas no País. De forma a situar este evento no contexto internacional, consideremos a data da formulação do Modelo Padrão (em inglês Standard Model) das Interacções Electromagnéticas, Fracas e Fortes como ponto de partida. Este modelo tem tido um enorme sucesso na descrição das partículas elementares e das suas interacções e ainda hoje constitui a base teórica neste domínio. Essencialmente o Modelo Padrão acabou de ser construído por volta de 1967. A pergunta que se pode fazer é: o que se fazia em Portugal em Física de Partículas nessa altura? A resposta a esta pergunta é: muito pouco, quase nada.
A Física de Partículas, cuja origem reside na Física Nuclear, é o ramo da ciência que estuda os componentes fundamentais da matéria. À medida que se foram conhecendo os constituintes elementares da matéria, a Física de Partículas constituiu -se como um domínio novo de investigação, distinto da Física Nuclear, da mesma forma que a Física Nuclear nasceu depois da Física Atómica. Pode considerar -se que a Física de Partículas como disciplina independente se iniciou com a descoberta do muão por Carl Anderson e Seth Neddermeyer em 1936 no âmbito dos estudos da radiação cósmica. O muão foi a primeira partícula descoberta sem relação com os constituintes do átomo. O ciclotrão fora inventado uns anos antes e as pesquisas em Física de Partículas passaram progressivamente a ser realizadas em aceleradores que permitiam colisões a energias consideradas elevadas. As experiências de Física de Partículas requerem energias mais elevadas que as de Física Nuclear para aceder a escalas mais pequenas. Por esta razão este domínio foi inicialmente denominado de Física de Altas Energias. É esse ainda actualmente o nome da Divisão da EPS (European Physical Society) que agrega os Físicos de Partículas: High Energy Physics (HEP).
Para se compreender a ausência de desenvolvimento desta área fundamental da Física em Portugal nos anos 1960 e 1970, há que ter em conta que, em três universidades portuguesas - a Clássica de Lisboa, a de Coimbra e a do Porto - havia vários físicos nucleares, mas a transição para a Física de Partículas nunca se tinha dado de modo significativo. Acima não referimos a Universidade Técnica porque o IST - Instituto Superior Técnico nesse tempo nem sequer tinha um Departamento de Física. Claro que o fraco desenvolvimento científico em Portugal contribuía para esta situação da Física de Partículas. No entanto, o país tivera várias oportunidades para se desenvolver. Por exemplo, durante o período da Segunda Guerra Mundial Portugal podia ter captado vários dos cientistas que tiveram de abandonar a Alemanha e outros países europeus para escaparem à barbárie nazi. Não só não captámos estes cientistas como perdemos alguns dos nossos melhores cientistas que tiveram de sair do país para escapar da ditadura salazarista.
Do ponto de vista da Física Experimental de Partículas, a situação em Portugal era desoladora, sobretudo por Portugal não ter aderido ao CERN, o grande laboratório europeu de Física de Partículas, quando criado em 1954. Nesse ano, doze países europeus incluindo a Grécia, país com riqueza equivalente a Portugal, fundaram o CERN. O desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal está muito ligado à adesão ao CERN cerca de 30 anos mais tarde. Portugal começou assim com um grande atraso em relação ao mundo, mas podemos orgulhar -nos de, hoje em dia, já no século XXI, Portugal estar plenamente inserido na comunidade internacional de Físicos de Partículas. Para que isso pudesse ter acontecido foi instrumental a adesão de Portugal ao CERN. Contudo, é notável o facto da International Conference on High Energy Physics da EPS em 1981 ter tido lugar. O Departamento de Física do IST foi criado em 1980. Até essa data havia apenas a secção de Física. em Portugal o que se deveu em grande parte ao regresso a Portugal de vários físicos que fizeram carreira no estrangeiro e à existência de vários jovens acabados de formar. Isto contrasta com o cenário nacional aquando da conferencia desta série que teve lugar em Viena em 1968. Nesta conferência não participou nenhum físico com afiliação numa universidade ou centro de investigação português Vê -se, porém, na lista de participantes quase 20 físicos que vieram a receber o Prémio Nobel em Física.
O objectivo dos autores deste livro é por um lado o de descrever na primeira pessoa a nossa experiência do que tem sido fazer Física de Partículas em Portugal desde a sua génese e por outro lado contribuir com alguma informação rigorosa e documentada para uma futura história desta disciplina em Portugal. Este não é um livro de História da Ciência ainda que os autores tenham tido o cuidado de fornecer uma lista de referências tão detalhada quanto possível de todas as fontes usadas para os factos e as descrições históricas apresentadas. Grande parte da experiência profissional internacional dos autores desenvolveu -se na Europa em estreita relação com o CERN. Por outro lado, a sua vida profissional em Portugal esteve ligada ao IST em Lisboa. Também é importante referir que os EUA - Estados Unidos da América contribuíram para a formação científica de dois dos autores numa fase inicial e crucial das suas carreiras. A Universidade de Coimbra tem também uma história rica e com impacto na Física de Partículas feita em Portugal. Este facto não se reflecte neste livro simplesmente porque os autores não têm competência para o descrever. Esperamos que outros testemunhos venham preencher esta lacuna.
Assim, neste livro contamos os detalhes deste desenvolvimento, incluindo a Física Experimental e a Física Teórica. Considerámos relevante incluir no livro as nossas experiências pessoais como alunos de doutoramento, como posdocs5 e depois como professores e investigadores na área da Física de Partículas. Claro está que estas apresentações têm inevitavelmente algo de subjectivo, mas procuramos dar uma visão tão correcta quanto possível da origem e desenvolvimento da Física de Partículas em Portugal.
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