quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O MUNDO SEGUNDO JIM


Meu último artigo no JL:

Existe no Reino Unido uma longa tradição não só de criação de ciência, mas também de comunicação de ciência. No século XIX Michael Faraday, que dirigiu a Royal Institution de Londres, para além dos livros populares que escreveu sobre física e química, como A História Química de Uma Vela, criou uma série de palestras públicas de ciência, as Christmas Lectures, que chegaram aos dias de hoje. Em grande contraste com o que se passa em Portugal, a BBC, rádio e televisão pública britânica, dá uma forte atenção à ciência, investindo em documentários, entrevistas e debates sobre temas científicos.

Um dos comunicadores de ciência mais conhecidos actualmente é o físico teórico Jim Al-Khalili, autor do livro O Mundo Segundo a Física, que acaba de sair entre nós na Temas e Debates e Círculo de Leitores, sempre atenta aos novos ensaios de ciências. O nome do autor soa a árabe, porque é mesmo árabe. Apesar de ser cidadão britânico, Al-Khalili, que hoje tem 59 anos – veio para o Reino Unido aos 16 – nasceu em Bagdade, no Iraque, de pai iraquiano (engenheiro da Força Aérea daquele país) e mãe inglesa (bibliotecária). O seu nome completo é Jameel Sadik Al-Khalili, mas podem-lhe chamar Jim.  Fez o doutoramento em Física Nuclear Teórica em 1989 na Universidade de Surrey, depois de se ter licenciado nessa universidade, num condado do sudeste inglês que confina com a região metropolitana de Londres. O bom filho à casa torna: depois de ter feito um pós-doutoramento no University College de Londres, Al-Khalili voltou para a sua alma-mater, onde hoje é professor de Física e também de Comunicação de Ciência.

O seu primeiro livro, sobre buracos negros e buracos de minhoca, é de 1999, e desde então a sua pena não tem parado: O Mundo Segundo a Física  (Temas e Debates e Círculo de Leitores) é o seu 13.º livro e para Abril próximo já está anunciado o 14.º, The Joy of Science, tal como o último saído originalmente do prelo da Princeton University Press. A obra agora saída em português é a segunda do autor publicada no nosso país, sendo a primeira um volume colectivo, ricamente ilustrado, sob o título O Núcleo: Uma Viagem ao Coração da Matéria, com a participação da física portuguesa Teresa Peña, que a Porto Editora publicou em 2004.

O novo livro, de 350 páginas, apresenta um excelente resumo da física contemporânea dirigido em especial aos leigos sobre o estado actual da física moderna. O livro usa letra que se vê e tem um útil índice remissivo (só é pena que a bibliografia não indique os títulos que já estão disponíveis na nossa língua). Logo a abrir, o autor declara que se propõe fazer nada mais nada menos do que «uma ode à física». E explica a razão: «Apaixonei-me pela física quando ainda era adolescente.» Os capítulos 2 e 3 expõem o essencial das teorias da relatividade de Einstein, restrita e geral, enquanto os capítulos 4 e 5 expõem o essencial da teoria quântica de Bohr, Heisenberg, Schrödinger e outros, o ramo da Física no qual o autor se especializou: começou por trabalhar nas propriedades de núcleos atómicos exóticos e hoje trabalha em biologia quântica, isto é, tenta explicar os fenómenos da vida com base na física fundamental. O capítulo 6 trata de um «velho» problema da Física: «Por que razão o futuro se distingue do passado?» E o seguinte conta as tentativas – até agora incompletas – de fazer uma «teoria de tudo», conciliando a teoria da relatividade geral com a teoria quântica. Os três últimos capítulos, 8 a 10, tratam do futuro da física (que enfrenta grande enigmas como a energia escura e a matéria escura), a utilidade da física (onde aborda o campo emergente da computação quântica, que pode vir mudar o mundo) e o modo de pensamento de um físico (há, de facto, uma maneira de pensar o mundo segundo a física). Termina, em grande, com um merecido elogio (sei que sou suspeito!) à física: «A condição humana é ilimitadamente frutuosa. Inventámos a arte a poesia; criámos sistemas religiosos e políticos; construímos sociedades, culturas e impérios tão ricos e complexos que é impossível condensá-los em qualquer formula matemática. Mas, se quisermos saber de onde viemos, onde foram formados os átomos dos nossos corpos — o «porquê» e o «como» do mundo e do universo que habitamos, então a física é a via para uma verdadeira compreensão da realidade. E, com essa compreensão, podemos moldar o nosso mundo e o nosso destino.»

Al-Khalili não se fica pela palavra escrita, pois também é ágil com a palavra falada e sabe que uma imagem pode valer mais do que mil palavras. Tem feito inúmeros programas de rádio, alguns dos quais entrevistas aos seus pares como Richard Dawkins, Martin Rees, Brian Cox e os veteranos Sir David Attenborough (95 anos) e James Lovelock (o autor da «Hipótese de Gaia», que tem uns incríveis 102 anos). Além disso, desde 2004, tem dirigido ou participado em documentários televisivos, começando em 2004 com O Enigma do Cérebro de Einstein. Tem também escrito com frequência para a imprensa. Escreveu, tal como de resto eu próprio durante um rol de anos, uma crónica regular para a Gazeta de Física, o órgão da Sociedade Portuguesa de Física.

Os seus trabalhos têm conhecido um enorme sucesso. O novo livro, tal como os outros anteriores, está escrito de forma bastante acessível. Comunica, tal como os seus programas de rádio e televisão, a paixão pela ciência. Não admira, por isso, que tenha sido premiado várias vezes: ganhou o prémio Faraday da Royal Society, a medalha Kelvin do Instituto de Física e a medalha Stephen Hawking de Comunicação de Ciência, para além de vários títulos honoris causa em universidades britânicas. Recebeu a Ordem do Império Britânico, pelos seus serviços à ciência, e foi eleito sócio da Royal Society. Presidiu à associação Humanists UK, que tem um cunho ateísta. Conforme o próprio Al-Khalali afirmou, apesar de ter um pai muçulmano e uma mãe cristã praticante, nasceu «sem qualquer osso religioso».

Recomendo O Mundo Segundo a Física a todos os que querem saber como vai a física. Vai bem e recomenda-se! Tem um grande passado atrás de si e os problemas que enfrenta actualmente apenas querem dizer que tem um grande futuro à sua frente. Talvez o melhor ainda esteja para vir.

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...