João Maurício Brás, doutorado em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa e investigador no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) da Universidade de Lisboa, de cuja obra Carlos Fiolhais tem dado conta neste blogue (ver, por exemplo, aqui e aqui), escreveu para o jornal online Nascer do Sol um artigo com o título A morte malcheirosa das humanidades
Quem está, de alguma forma, ligado às instituições de ensino superior ou à escola básica e secundária, deveria ponderar o rumo que tomaram e que o artigo tão bem caracteriza. Um certo modo de pensar com origem em grupos académicos formados nos anos de 1960 e 1970 no espaço anglo-saxónico, depressa se expandiu pela Europa e América do Sul, passando a dominar, nomeadamente, o currículo escolar. Na década em que nos encontramos parece não haver saída para os limites de pensamento que impõem à força e, por certo, também para as práticas que deles decorrem.
Mas deles não será a "ultima palavra" porque em questão de preservação e construção do conhecimento (com valor universal) não há ninguém que a tenha, lembra o filósofo Thomas Nagel. Nenhuma força, nem mesmo a mais obscurantista (e tantas já tentaram), o conseguiu. Continuemos, portanto, a usar o pensamento que Karl Popper designa por "racionalismo crítico" para avançarmos.
Isaltina Martins e Maria Helena Damião
As universidades e institutos de estudos sociais e humanos no Ocidente transformaram-se em centros de difusão de radicalismo e fundamentalismo com os seus dogmas de fé. Já nada têm a ver com conhecimento, investigação e debate, mas sim com ativismo e ideologia totalitária e censória. A grande destruição começou nas universidades americanas e anglo-saxónicas.
Os radicais de esquerda cultural e burguesa, como diria Marx, os infantis da esquerda elitista (de uma esquerda que atraiçoa os verdadeiros ideias da esquerda da common decency e da gente simples), os progressistas deformadores do progresso e os libertários e liberais culturais do mundo como mercado e do homem como consumidor atomizado corroeram um dos pilares da civilização: as humanidades.
O ódio ao Ocidente, à história, à cultura e até à pessoa humana está em marcha levando à tribalização das pessoas por cores, orientações sexuais, religiosas, etc., ao renascer do culto do antifascismo fascista, do antirracismo racista e de um feminismo tão degradante como o machismo.
O que temos hoje são ataques à ciência, às humanidades, à liberdade de expressão, à crítica e ao conhecimento em nome de uma visão manicomial onde o racismo é unicamente do branco, onde a dogmática inquisitorial do ultrafeminismo e lgbtismo nos diz que no início era o neutro, onde grupos de justiceiros sociais reivindicam cursos e espaços só para negros e proteção especial para pessoas consonante o sexo, orientação sexual e cor.
Os factos, o conhecimento, a objetividade e o rigor são agora malditos e tudo em nome da inclusão, da tolerância e da diversidade.
As humanidades foram um dos traços distintivos da cultura Ocidental mas morreram. Se há de facto progresso é no conhecimento técnico e científico. As áreas da física, da engenharia, da biologia, em domínios como a genética, a robótica, a informática e a medicina permitiram alcançar patamares inéditos.
A especialização destas áreas é fascinante: nelas encontramos as pessoas mais capazes e dispostas ao trabalho árduo e rigoroso que é indispensável ao mérito. Infelizmente as outras áreas fundamentais do conhecimento transformaram-se em paródias. Os estudos críticos disto e daquilo, os estudos culturais e sociais estão devastados. A maior parte do que se produz nas suas derivações como os estudos do género, estudos queers, estudos do feminismo, literaturas, estudos pós-coloniais, etc., pouco ou nada têm a ver com o conhecimento.
Herdeiros das modas relativistas e culturalistas, dos desconstrucionismos e pós-estruturalismos, do tudo é perspetiva e linguagem são uma espécie de culto ao deus do absurdo e do nonsense.
Assumem-se como vanguarda do progressismo, que é na verdade um regressismo. Eis o regresso à barbárie da irracionalidade, do tribalismo, dos clãs das adorações bizarras de divindades obscuras.
Para perceber como as humanidades morreram basta ver os títulos dos colóquios e respetivas conferências desta pós-modernidade que é na verdade uns pós de tudo um pouco, mas apenas pó. Essas conferências parecem assembleias de seitas lunáticas comemorando a visão eleita sob a orientação dos seus gurus. E ai de quem questionar qualquer evocação vitimista.
O problema é que estas seitas minúsculas invadiram as universidades, os média e alguns setores da política e poucos têm coragem para desconstruir a desconstrução desses niilistas.
5 comentários:
Faz muita falta ao De Rerum Natura uns colaboradores das ciências sociais que permitissem clarificar e esclarecer a absoluta ignorância que por aqui vai em relação às linhas contemporâneas de investigação nas ciências sociais em Portugal.
Já vou em vinte anos desde que me licenciei em antropologia social e desde então que a cassete não mudou. E quando para a investigação de doutoramento me tive que cruzar com alguns pensadores europeus dos anos 20 e 30 preocupados com o futuro da Europa, nomes tão “perigosos” como Ortega Y Gasset, Paul Valery ou Thomas Mann, vi exatamente os mesmos argumentos dos seus opositores: “elitistas”, “progressistas”, “feministas”, “degenerados que querem destruir a civilização ocidental”. A única coisa “malcheirosa” aqui é mesmo o arroto mental do Doutor Brás, velho de um século que se hoje sai no “Nascer do Sol” já saía há muito tempo no “Je Suis Partout” ou no “Volkischer Beobachter”.
Quereis criticar o que hoje se faz nas Ciências Sociais? Então façam-no objetivamente. Procurem o que vos incomoda nos projetos do CES, do ICS, do CRIA, do CIEG e todos os outros centros universitários e escrevam sobre eles. Toda a crítica e discussão é bem-vinda. Mas, por favor, não usem o Popper para mascarar de “racionalismo crítico” onde só há exagero, mentira, ódio e interesse político-ideológico.
Peço desde já desculpa mas tenho de discordar. As humanidades não estão mortas. Os fundamentalistas são poucos, mesmo se são muito vocais. Mas vejo mais «vocalidade» ainda do lado de quem se queixa de estar a ser perseguido e cancelado, quando o que se passa é que se está simplesmente a instalar, muito lentamente, uma maior igualdade. É bem verdade que para quem viveu sempre com o privilégio, a igualdade tem sabor de perseguição.
Há erros e exageros? Claro que há, a perfeição não é uma característica humana.
Quanto às palavras que passo a citar:
«A maior parte do que se produz nas suas derivações como os estudos do género, estudos queers, estudos do feminismo, literaturas, estudos pós-coloniais, etc., pouco ou nada têm a ver com o conhecimento.» são bem ilustrativas. Todos estes estudos produzem conhecimento. O erro das humanidades clássicas, chamemos-lhes assim, será desprezarem esse conhecimento em vez de se enriquecerem integrando-o.
Este tipo de discurso, que a Helena Damião, por sinal, subscreve, é o melhor exemplo dos discursos que verbera. Se quisesse dar um exemplo das posições/visões e dos discursos que esse texto critica, não precisava de procurar, apresentava este. E apresentava-o como exemplo de que as ciências sociais e as humanidades não estão a morrer, estão a perturbar e a incomodar, a impor-se, a não deixar-se cair por efeito dos artifícios aflitos e cáusticos de quem, desesperado de argumentos substantivos, gasta todo o arsenal adjectivo de que dispõe.
Malcheiroso é este tipo de discurso panfletário que, para piorar as coisas, não se demarca, antes se aproveita, de uma presunção de credibilidade das humanidades que, nem por um momento, deixa de lhes recusar ou mesmo negar, sem se sentir minimamente obrigado a qualquer objectividade ou coerência.
E tudo em nome das humanidades e das ciências. Que belo exemplo!
Helena Damião grato pela sua coragem e defesa do conhecimento face ao pseudo-conhecimento e a ideologia travestida.
Estudei alguns anos em Santa Barbara, este é um retrato admirável do que se passa nos campis norte americanos e está já em Portugal. A morte das humanidades seria um melhor titulo. O autor deste manignifico texto, ainda assim, é demasiado polido.Os comentários aqui presentes de anónimos mas certamente de quem vive deste tipo de embustes, os célebres hoax, utilizam a velha táctica estalinista e não so. Designam de fascista, fazem insinuações de baixo quilate para desclassificar o conteúdo do texto. Esses truques só pega nas reuniões do partido não aqui neste espaço de liberdade e pensamento. Antes designavam alguem de capitalista, de burguês, de judeu, agora designam alguem de fascista.Parabéns ao autor do texto. Os marxistas e os neomarxistas nunca se deram bem com Popper e os seus discipulos. Popper tambem não gostava deles.
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