Artigo meu saído em vários meios da imprensa regional:
Um dos objectivos maiores da
ciência é tentar perceber de que são feitas as coisas e por que é que elas são
estáveis (ou, nalguns casos, instáveis). Avançou-se muito no caminho para essa
meta. Hoje sabemos que todas as coisas conhecidas são feitas de partículas, que
julgamos serem elementares, como dois quarks de tipos (o down e o up), electrões e neutrinos (por ordem decrescente
da sua massa). Um átomo de hidrogénio, por exemplo, é formado por um protão,
feito de três quarks, à volta do qual se move um electrão. Há, porém, coisas
ainda desconhecidas, como a matéria escura, que estamos a tentar perceber o que
é.
Existem, por outro lado, quatro
forças fundamentais, que permitem que essas partículas se liguem: a força
nuclear forte, a força nuclear forte, a força electromagnética e a força
gravitacional (por ordem decrescente da sua intensidade). Os quarks que formam
o protão estão ligados pela força nuclear forte. E o electrão está ligado ao
protão pela força electromagnética. Associamos também partículas a essas
forças: os quarks ligam-se por troca de partículas sem massa chamadas “gluões” ao
passo que o electrão e o protão se ligam por troca de outras partículas sem
massa chamadas “fotões”. As três
primeiras forças já foram unificadas num só quadro teórico (chamado “modelo
padrão”), faltando a unificação final com a força gravitacional. Assim, o
Universo é constituído por partículas,
que trocam entre si outras partículas.
De facto, o mundo é um pouco mais
complicado, porque há, além da primeira, mais duas gerações de partículas de
matéria, que são instáveis: numa segunda geração existem mais dois quarks (o charm e o strange), uma partícula
semelhante ao electrão mas mais pesada chamada “muão” (é 207 vezes mais pesada
do que o electrão) e um outro neutrino mais pesado, dito muónico; e, numa
terceira geração, há mais dois quarks (o top e o bottom), um outro
“parente” do electrão, chamado tauão, e um outro neutrino, dito tauónico. Temos
ainda de acrescentar a antimatéria, embora seja mais rara do que a matéria: existem
antiquarks, antielectrões (ou positrões) e antineutrinos. Há, , na geração
seguinte, antimuões.
Os físicos não estão, porém,
satisfeitos com esta descrição. Falta a tal teoria unificada completa ou
“teoria de tudo” (este é o nome de um filme sobre a vida de Stephen Hawking). Já
Albert Einstein alimentava o sonho de uma “teoria de tudo”, embora ele se
tivesse limitado a tentativas, não sucedidas, de unir as forças
electromagnética e gravitacional.
Enquanto na biomedicina os cientistas
se esforçavam para descobrir novas vacinas contra o novo coronavírus, na física
os cientistas continuavam a desenvolver esforços no sentido de penetrar nos mistérios
da matéria. Para isso uma indicação preciosa seria uma identificação de um desacordo entre aquilo que a teoria prevê
e a experiência. Manda sempre a experiência: se esta for bem feita, a teoria é que
terá de mudar em caso de desacordo. Mesmo pequenos desacordos podem ser
relevantes, como já foram no passado, para se avançar para novas compreensões
do Universo.
Ora, num artigo publicado a 7 de
Abril passado, foram anunciados os resultados de uma experiência em física de
partículas que manifesta um desacordo claro entre previsões e realidade. A
experiência foi realizada por uma equipa de duas centenas de investigadores num
acelerador de partículas no Fermilab, um
centro de investigação perto de Chicago,
nos Estados Unidos. Analisaram as propriedades magnéticas de antimuões, as
antipartículas dos muões, que foram postas a circular quase à velocidade da luz
no acelerador, sendo sujeitas a um campo magnético muito intenso, produzido por
um grande magnete. Os antimuões, que são
positivos, enquanto existem (pois decaem rapidamente para positrões), “dançam”
no campo magnético por serem pequenos ímanes, que respondem ao campo. E os
detectores permitem saber como é essa “dança”.
A experiência chama-se “g-2”
porque há uma propriedade do antimuão designada por factor g (um número sem
unidades, sem nada a ver com a aceleração da gravidade que tem o mesmo nome)
que descreve o comportamento magnético do muão e deve ter, segundo a teoria, um
valor ligeiramente superior a 2. A experiência mais recente – de muito maior
precisão que as anteriores – confirmou a existência desse desvio. O novo resultado parece indicar que existem
novas partículas, até agora não conhecidas. O factor g medido é 2,00233184122.
É um pouco superior a 2, como se esperava, mas não coincide com o valor teórico
de 2,00233183620. A diferença é muito pequena, mas significativa. Se a
experiência não tiver falhas, a teoria terá de ser reformulada. E uma nova
teoria concordante com a experiência irá provavelmente além do modelo-padrão,
incorporando novos blocos constituintes da matéria, que nesta altura ninguém
bem sabe quais são. Teremos então penetrado mais profundamente nos mistérios
das matéria. Aguarda-se, como sempre acontece em ciência, confirmação dos
resultados obtidos.
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