sábado, 12 de junho de 2021

"A língua e a educação são duas das expressões mais significativas dos seres humanos dependendo uma da outra"

Na sequência de texto anterior (aqui).

“A língua e a educação são duas das expressões 
mais significativas dos seres humanos 
dependendo uma da outra”
J.M. Hernández, Díaz, 2014, 13.

José María Hernández Díaz, professor na Universidade de Salamanca (Espanha) e Eugenie Eyeang, professora na École Normale Supérieure in Libreville (Gabão), têm tornado próximo o estudo sobre a educação que se realiza nos continentes europeu e africano 

Em resultado dos muito participados encontros anuais, são compostos livros de enorme utilidade para quem quer conhecer sistemas de ensino além daqueles que as grandes organizações impõem como modelo e que em Portugal têm sido os dos Estados Unidos da América, Finlândia e Singapura.

Depois de ter feito a recensão do livro saído em 2017, fiz a do livro saído em 2014 com o título Lengua y literatura y ciencias de la educación en los sistemas educativos del África Subsahariana, com edição da Universidade de Salamanca. Apesar de a ter publicado na Revista Portuguesa de Pedagogia, deixo-a abaixo aos leitores interessados por aquilo que se faz no mundo em termos de educação e a que dificilmente se tem acesso.
A recensão de um livro surge, por princípio, próxima da sua publicação. Ora, aquele que apresentamos tem seis anos, o que, na atualidade, de consumo académico imediato, é uma eternidade, remetendo-o para o histórico das bibliotecas especializadas. Acontece que chegámos à obra por via de outra mais recente, dos mesmos autores (...) – Los valores en la educación de África. De ayer a hoy (2017).  
Podemos, agora, em presença de ambas, perceber melhor a dimensão e substância de um trabalho de continuidade que traça pontes intercontinentais, no qual se vislumbra uma especial sensibilidade para questões que tendem a ser marginalizadas no debate contemporâneo da educação. Tal trabalho, iniciado há duas décadas (...) agrega investigadores europeus e africanos. 
A abordagem é sobretudo descritiva e comparativa com o fim de “saber para compreender” e de “compreender para melhorar” (...) 
Escrito em três línguas (espanhol, português e francês), integra cinquenta e seis textos que ocupam 788 páginas. Depois da Apresentação, assinada por ambos os autores (“Una apuesta por la lengua y la educación en África e su desarrollo”), e de dois textos individuais (“Lenguas e literaturas para el desarrollo de los sistemas educativos africanos”, de Eyeang, e “Retos educativos para el África del siglo XXI”, de Hernández Díaz), encontramos uma primeira secção (“Lengua y literatura”), com vinte e cinco textos, e uma segunda secção (“Ciencias de la educación”), com vinte e oitos textos.
O conjunto, cujo foco são as opções curriculares relativas ao ensino e à formação de professores feitas em diversas escolas e universidade de países e regiões da África Subsahariana, evidencia um distanciamento conceptual da fórmula que dá corpo a numerosas reformas dos sistemas de ensino. Trata-se de reformas delineadas a partir de meados do século passado por organizações supranacionais com vocações e funções distintas da educativa, mas que, ainda assim, foram-se apropriando da educação, submetendo-a à matriz neoliberal, orientada para o desenvolvimento tecnológico e económico-financeiro a um nível global. 
Ainda que no discurso que veicula essa matriz se veja destacada a importância de se formarem cidadãos democratas e autónomos, capazes de responderem a especificidades concretas dos povos, prevalece uma homogeneização por competências funcionais, exigidas pelo mercado de trabalho, que todos os alunos têm de adquirir para entrarem e sobreviverem nele. Tal realidade, porque manifestamente limitativa do aperfeiçoamento humano – como Kant o enunciou e que, lembram os autores, não podemos descuidar – é susceptível de configurar “novas formas de colonialismo”, mais sofisticadas, por certo, mas nem por isso menos devastadoras por referência à dignidade da pessoa. 
Há, portanto, o dever “intelectual e moral”, por parte de quem têm responsabilidades na investigação e na docência, seja na Europa ou em África, de interrogar essa realidade e, mais além, de procurar alterá-la, avançando com “soluções possíveis”. Neste último continente, onde, como mencionámos, se fixa a reflexão de que o livro dá conta, sendo reconhecidas “graves distorções sociais, religiosas, bélicas, étnicas em bastantes países”, há que, com base em “processos científicos e educativos”, “apostar”, de modo empenhado, na melhoria das capacidades linguísticas dos mais jovens e dos adultos. 
Por outras palavras, defende-se a pertinência de conferir centralidade a estas capacidades que ganham força nas ideias e que se sustentam na razão; capacidades que, em suma, possibilitam a compreensão e a comunicação dos povos, por mais diferentes que julguem ser. 
A linguagem, abrindo horizontes ao ensino e à aprendizagem, potencia, por certo, o desenvolvimento económico e o progresso comunitário, mas segundo princípios de justiça social e de solidariedade. 
Da apreciação geral da obra sobressai a “esperança” no poder civilizador da educação, mas é um poder que, antes de mais, implica diálogo. É, pois, o diálogo que José María Hernández Díaz e Eugenie Eyeang têm conseguido manter na comunidade educativa. 

Coimbra, Janeiro de 2020 
Maria Helena Damião

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