sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A LUA NEGRA


Uma pestana de luar, debruada por um azul nocturno oceânico, aconchegou o sonho de Luís. Sonhou com viagens para além das estrelas da noite, acompanhadas com os mais sensíveis sons cósmicos, gestos viajantes. Acordou súbito com o veraneio sonido das cigarras. Pulou num suspiro e encontrou o seu avô Ricardo a pestanejar a madrugada na soleira da porta.

- Acabei de vir de outra galáxia – intergalacteou Luís!

- De onde? – espantou-se o avô Ricardo rasgando o cordão umbilical da sua contemplação solitária.

- Não sei bem de onde, mas de longe, muito longe, acho que de um sonho noutra galáxia! – desenhou o neto explorador de sonhos.

- Isso é sempre bom – assertou a experiência do avô Ricardo.

- Porquê? – inquiriu Luís com olhos brilhantes de descobridor nato.

- Porque é sempre bom colocarmo-nos em lugares que não conhecemos. Para, perante esse desconhecido, continuarmos a descobrir quem somos.

- Mas eu sei quem sou! – disse Luís, universo inteiro na barriga. – Tenho dez anos, já sei ler, sei a tabuada dos dez e que o sistema solar não é o único no universo!

- De facto sabes muito mais do que muita gente terráquea. Muito mais do que toda essa gente que acredita que o nosso planeta é plano!

- Ah! Ah! Ah! – divertida gargalhada esférica. – Nunca brincaria com essas pessoas tão limitadas! Não têm imaginação nenhuma! Não sabem ver para além do horizonte!

- Tens, de facto, uma grande capacidade de sentir o que não podes ver com os teus olhos! A tua imaginação é o mar ondulado do teu pensamento, o vento das tuas descobertas! Falas de madrugada como se já vivesses para além dos teus justos dez anos.

- Acho que não percebo bem o que me dizes, avô. Mas soa bem nesta noite escura. Escura, mas com mais estrelas do que quando há Lua.

- Há sempre Lua, mas só um quarto com luar! – gravitou o avô Ricardo com gesto orbital.

- Sempre estranhei este silêncio lunar, avô! Causa medo não vermos a Lua! – disse Luís com um arrepio de maré alta.

- Não precisas de ter medo. Ela volta à volta da Terra há milhares de milhões de anos. – afirmou astronómico o avô.

- Isso causa-me sempre espanto. De facto, é como dizes. Ainda não conheci nenhum mês em que a Lua não nos desse de novo o seu luar depois do seu quarto crescente. Não é assim, avô?

- Assim é. Mas olha: este mês de Agosto acontece algo não muito comum – espicaça Ricardo, deslumbradamente.

- Então?! – aventura-se Luís para a descoberta.

- Há duas Luas Novas! – diz Ricardo pronunciando o céu.

- A mesma Lua Nova duas vezes num mês? – Diz Luís iluminando os olhos divertidos.

- Sim. A primeira vez no dia 1, que já passou, a segunda vez mesmo no final do mês, no dia 30 de Agosto. A esta segunda Lua Nova deu-se o nome de Lua Negra!

- Lua Negra. Que nome soturno. Mas duas vezes Lua Nova no mesmo mês não é algo muito comum, certo avô?

- É verdade. Mas também não é assim tão raro. Ocorre a cada dois ou três anos. A Próxima Lua Negra ocorrerá em Abril de 2022 – disse o avô de memória astronómica.

- Ui!! Falta muito tempo até 2022! O melhor é ver agora esta Lua Negra! – gesticula Luís entusiasmado.
- Como sabes, a Lua Nova não se vê e logo a Negra também não! – explicou assertivo o avô.
- Mas está lá, não está? – questiona inquieto.

- Está. Talvez a consigamos pressentir. Mas a ausência de luar permite ver mais estrelas no céu. Podemos com a Lua Negra contemplar a vastidão do universo visível aos nossos olhos. Maravilhemo-nos.

António Piedade
Texto primeiramente publicado na imprensa regional.

3 comentários:

Do real disse...

Felicidade é não sonhar.

Cisfranco disse...

Quem sai aos seus não degenera… E o Luís sai-se ao avô cuja postura me agrada pois disse ao neto que é bom colocarmo-nos no desconhecido para continuar a procurar quem somos. "Homem, conhece-te a ti mesmo". Talvez seja a chave de controle da desilusão do sonho não alcançado, que parece transparecer no comentário anterior.

In sufi ciência disse...

Homem, conhece-te a ti mesmo, em ti mesmo, esse desconhecido...

A frase "Do real" não é uma escada cortada antes do céu, mas a conclusão de um rizoma universal. Lucidez e não desilusão, se conseguir olhar para lá do fundo.

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