Criado há algum tempo este artigo teve a publicação protelada e sem comunicação da decisão por um órgão da comunicação nacional. Está publicado no site do Público em 02ago2019 (aqui).
Como nação olímpica que se preza, Portugal teve magníficas vitórias olímpicas, que sempre souberam a pouco, e ilustres percalços, que serão sempre demasiados.
Fernanda Ribeiro protagonizou um dos maiores feitos olímpicos ao bater, em 1996 nos Jogos Olímpicos de Atlanta a chinesa Wang Junxia, a quem o treinador Moniz Pereira chamava “a farmacêutica” pela suspeita de tomar suplementos químicos ilegais. A corrida foi disputadíssima, como se observa aqui, e a marca alcançada foi record mundial e olímpico por muitos anos.
Fernando Mamede foi diferente. Protagonizou igualmente finais empolgantes e marcas intemporais, com a excepção das medalhas olímpicas.
Fernando Mota liderou a Federação Portuguesa de Atletismo sendo o presidente de uma federação portuguesa e líder desportivo que mais medalhas olímpicas ganhou por Portugal.
Por fim, reconheça-se a ambição do atleta olímpico Fernando Pimenta. Existirá a percepção na opinião pública que a única medalha de ouro que um atleta nascido em Portugal terá hipóteses de ganhar nos Jogos Olímpicos de Tóquio é a de Fernando Pimenta em canoa K1 e na distância de 1000 metros.
O palmarés de Fernando Pimenta não devia permitir que quaisquer que sejam os argumentos de austeridade ou de outra natureza do Governo diminuam o racional técnico e científico das políticas desportivas visando a conquista da medalha de ouro. Também será inaceitável que em nome de uma qualquer medida de política pública específica focada nos campeões mundiais e olímpicos portugueses se condicione o financiamento estruturado a algum dos outros segmentos de prática desportiva.
Voltando ao olimpismo.
Se ganhar uma medalha olímpica é um projecto cuja probabilidade de concretização é baixa, então a hipótese de ganhar uma medalha de ouro é ínfima. Contudo, Fernando Pimenta é o atleta nascido em Portugal que está entre os melhores canoístas da actualidade mundial tal como a selecção de seniores de futebol tem estado entre as 10 melhores do mundo. Fernando Pimenta tem alcançado os primeiros lugares por vezes acima dos de uma selecção como a do futebol. Apesar do palmarés de Fernando Pimenta, a conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos atrai os melhores competidores tornando-a uma incerteza absoluta e os países que acreditam nos seus campeões apostam tudo, rodeando-os das melhores condições de treino e competição.
Portugal tem a felicidade de ter o campeão Fernando Pimenta, restando saber se hoje o país tem líderes à altura da complexidade da conquista da medalha de ouro pelo jovem português. O fracasso dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 não parece ter acontecido por causas imputadas ao atleta mas a questões mais profundas como a incapacidade contínua do Modelo de Desporto Português produzir o alto rendimento característicos da actualidade desportiva mundial e que os campeões portugueses necessitam que seja combatida. Os resultados olímpicos nacionais têm um historial de insucesso estrutural de mais de 100 anos, como demonstrado no artigo sobre a conquista das medalhas olímpicas (ver aqui).
Os líderes do desporto tanto públicos como privados desenvolveram mecanismos de autoprotecção pessoal contrariamente à necessidade de combater a fragilidade de produção do desporto de alto rendimento que é crónica. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro constatou-se a insuficiente responsabilização dos responsáveis que procuraram passar pelos pingos da chuva do fracasso de ganhar medalhas olímpicas. Para além das questões éticas e filosóficas da vitória ou da perda de medalhas, como são as “vitórias” morais quando as derrotas mais doem, é relevante conhecer e debater claramente a responsabilidade dos responsáveis.
O Modelo de Desporto Português por norma não responsabiliza os responsáveis contribuindo marcadamente para o insucesso desportivo e olímpico, pelo agravamento continuado daquilo que não se sabe que está a correr mal e de que ninguém acaba por ser responsável … a não ser os atletas.
Acontece, por exemplo, que Fernando Mota foi derrotado pelas políticas públicas que há alguns anos geraram ondas de contestação aos dirigentes em exercício. A verdade é que os novos eleitos e contestatários, a partir de 2012 e 2013, tendo de actuar sob as mesmas políticas públicas que se agravaram, primam pela dificuldade de produção de resultados desportivos e olímpicos como acontecerá no próximo ano nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
As federações de cada actividade desportiva são as detentoras do saber do desenvolvimento e preparação competitiva de todos os seus atletas e por imperativo da complexidade da sua produção, também, dos seus campeões. Esse conhecimento é específico de cada modalidade. A responsabilidade pelo sucesso do campeão da modalidade é indubitavelmente do líder do projecto federado constituído para o alcançar.
Neste sentido a Honra da primeira responsabilidade da conquista da medalha de ouro por Fernando Pimenta em Tóquio caberá ao Presidente da Federação Portuguesa de Canoagem Victor Félix pela capacidade de criação das melhores condições de treino, dos treinadores, do aconselhamento científico e técnico, da participação no quadro de competições desportivas de elevada qualidade adequados à conquista da medalha e da qualidade de liderança dos momentos de exposição do campeão português, assim como, dos momentos de resguardar as características de competição, a estratégia, as tácticas e o perfil pessoal do atleta e da equipa aos olhares dos seus competidores directos.
A segunda responsabilidade e Honra competem ao Presidente do Comité Olímpico de Portugal José Manuel Constantino pela organização da Missão Olímpica a Tóquio. Mas não só. O COP é o responsável pela liderança do querer e envolvimento de todas as federações desportivas nacionais no ideal olímpico, na protecção dos campeões nacionais e pelo diálogo com o Governo e outras organizações na reunião das necessidades extraordinárias colocadas pela preparação olímpica do campeão da canoagem portuguesa.
O terceiro nível de comprometimento e respeito é dos Governos na justa medida da correcção das políticas desportivas nacionais de excepção de longo prazo que foram capazes de conceber e equacionar em consenso com os parceiros desportivos e que asseguraram a resposta com a conta, o peso e a medida devida às necessidades da preparação de um campeão olímpico.
No pós-Tóquio, qualquer que seja o resultado de Fernando Pimenta, a prova e a classificação deverão ser escrutinadas de preferência por equipa independente, íntegra e competente, para melhorar as capacidades do campeão e as manter acima dos seus competidores. A análise do sucesso e de um nunca desejado fracasso contribuirão para compreender a natureza das políticas públicas capazes de levar ao sucesso, assim como, a identificação dos erros cometidos. As lições do desempenho deverão ser exaustivamente analisadas e tornadas públicas com transparência para que os candidatos à renovação da liderança associativa e pública possam ter as melhores condições de competição com os líderes em exercício, tal como acontece nas competições do campeão Fernando Pimenta quando compete com os campeões de outros países em que as regras do jogo são transparentes e equivalentes para todos.
A ética de todos os protagonistas dos atletas, aos técnicos e aos dirigentes será que não haja uma diferença entre as responsabilidades que são pedidas aos atletas e as responsabilidades exigidas aos técnicos e líderes. A todos é devido o mérito da transformação do querer nacional, na materialidade do jovem que se transformou no campeão e a sua afirmação mundial como lídimo representante da Nação e aos técnicos e líderes a virtude do seu contributo superior, específico e decisivo.
Olhos nos olhos, quem responde pela medalha de ouro de Fernando Pimenta em Tóquio?
Duas notas finais: primeira, nem todos os Fernando(a)s são marcados pela genialidade; segunda, no artigo são identificados os líderes federados por se ter referido o nome do campeão da canoagem e fazer sentido assinalar, responsabilizando, os responsáveis nucleares.
Fernando Tenreiro, economista, 25jul2019, fjstenreiro@gmail.com
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