sábado, 17 de agosto de 2019

À margem do sistema de ensino

No início deste mês saiu no jornal Público um texto de opinião com o título À espera de Agostoassinado por um jovem jornalista e escritor que eu não conhecia. O seu nome é Fábio Monteiro.

Deduzindo-se da leitura que tenha estudado em Portugal, é um texto que conduz à pergunta: onde e como teve o autor contacto (que se afigura profundo) com a cultura clássica? Na escola pública, numa das pouquíssimas, que disponibiliza Latim e/ou Grego? Aprendeu por si, a partir da curiosidade que teve?

Na verdade, num país que segue (como, de resto, outros do mundo ocidental) a via única de preparação dos alunos para o/um certo futuro, para o mercado de trabalho, para serem empreendedores de si mesmos, para procurarem no "google" todo o conhecimento de que precisam, para serem "criativos" e "felizes"... é estranho perceber que alguém recentemente saído do sistema segue noutro sentido. 

É estranho ou talvez não: pode ter tido professores que continuam a valorizar o conhecimento ("só") pelo valor que ele efectivamente tem e, não menos importante, pelo valor que pode ter na compreensão de nós mesmos e das relações com o mundo. 

Quem tem responsabilidade na escola (em concreto, no currículo), esteja em que nível do sistema estiver, não deveria, em circunstância alguma, descartar este conhecimento "inútil", dada a sua inegável "utilidade" (não comercial, é certo).

Eis abaixo as palavras que iniciam e finalizam do belo texto a que me refiro, sendo que entre elas estão muitas outras que merecem a atenção do leitor:
"Sempre achei revelador que a espera de Telémaco, na Odisseia, fosse considerada menor, em detrimento da de Penélope; como se a ignorância quanto ao que perdeu o tornasse incapaz de reconhecer a ausência, que o amor filial fosse ignorado em prejuízo do conjugal. Como narra o poema épico de Homero, o filho de Odisseu nasceu pouco antes de o herói partir para a Guerra de Troia. Ainda assim, durante 20 anos aguardou, com a mãe, o retorno do pai. Pouco depois de eu ter nascido, o meu pai emigrou para a Suíça, com a promessa de logo regressar; foi trabalhar na construção civil. Três décadas depois, ainda lá está (...).
Nas suas palavras, ouço o contra-relógio de uma vida adiada. Como Por uma semana, voltarei a ser filho; é impossível escapar ao ascendente na presença dos pais, sejam as relações mais próximas ou distantes. Diante do mar, numa esplanada ou talvez à mesa de jantar, ficarei a conhecer as suas últimas façanhas em terras helvéticas, o tempo que marca o contra-relógio do regresso. Contarei muito pouco da minha vida. Não admitirei que tive saudades. Telémaco também nunca o fez".

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