terça-feira, 27 de agosto de 2019

Que sentido tem, afinal, o valor da privacidade na política educativa?

A 7 de Agosto do passado ano foi aprovada, na Assembleia da República, a Lei n.º 38/2018, que assegura o "direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa". O Artigo 12.º é dedicado "à educação e ensino". Deixando de lado o direito em causa, a minha atenção dirige-se para a privacidade, valor ético que tenho investigado.

O meu objectivo é verificar o seu destaque na mais recente legislação que o menciona. Mesmo correndo o risco de me desviar do sentido primeiro do normativo, "recorto" do artigo o que se refere a tal valor:
1 - O Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo (...): a) Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação (...); b) Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens (...); c) Condições para uma proteção adequada da identidade (...) contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar, assegurando o respeito pela (...), privacidade (...); d) Formação adequada dirigida a docentes e demais profissionais do sistema educativo (...) 2 - Os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada, devem garantir as condições necessárias para que as crianças e jovens se sintam respeitados (...).
Passado um ano, a meio deste Agosto, foi publicado o Despacho n.º 7247/2019, emanado da Presidência do Conselho de Ministros e Educação - Gabinetes da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do Secretário de Estado da Educação, que "estabelece as medidas administrativas para implementação do previsto no supra mencionado artigo 12.º. O texto é muito semelhante ao da Lei, incluindo no número de vezes que a expressão "privacidade" surge nos textos: exactamente, três em cada um deles.

Poderia, pois, concluir que, finalmente, agora, por via do reconhecido "direito à autodeterminação e de identidade de género", a privacidade, que tantos atropelos tem sofrido no nosso sistema educativo (como noutros, é bem verdade), tivesse sido, finalmente reconhecida como direito fundamental, tal como se encontra estabelecido na Constituição da República Portuguesa (cf. Artigo 26.º - Outros direitos pessoais). Seria uma conclusão errada. 

De facto, limitando-me ao 1.º Ciclo do Ensino Básico, e apenas ao Estudo do Meio, verifico, em paralelo que:
- no antigo Programa (aqui) e nas recentes Aprendizagens Essenciais (aqui) nada se alterou: em ambos se determina a exploração da vida privada (e íntima) das crianças e das famílias;
- e, claro, os manuais escolares, mesmo os mais recentes, continuam a operacionalizar essas directivas;
- a mesma exploração está presente nas fichas/questionários de caracterização sócio-familiar, que, ao que apurei, continuam a ser passados no início dos anos lectivos.
A conclusão a tirar só pode ser uma: a privacidade não tem apenas um só sentido para a tutela. E fica dúvida se será, efectivamente, encarada como valor ético.

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