Uma pestana de luar, debruada por um azul nocturno oceânico, aconchegou o sonho de Luís. Sonhou com viagens para além das estrelas da noite, acompanhadas com os mais sensíveis sons cósmicos, gestos viajantes. Acordou súbito com o veraneio sonido das cigarras. Pulou num suspiro e encontrou o seu avô Ricardo a pestanejar a madrugada na soleira da porta.
- Acabei de vir de outra galáxia – intergalacteou Luís!
- De onde? – espantou-se o avô Ricardo rasgando o cordão umbilical da sua
contemplação solitária.
- Não sei bem de onde, mas de longe, muito longe, acho que de um sonho
noutra galáxia! – desenhou o neto explorador de sonhos.
- Isso é sempre bom – assertou a experiência do avô Ricardo.
- Porquê? – inquiriu Luís com olhos brilhantes de descobridor nato.
- Porque é sempre bom colocarmo-nos em lugares que não conhecemos. Para,
perante esse desconhecido, continuarmos a descobrir quem somos.
- Mas eu sei quem sou! – disse Luís, universo inteiro na barriga. – Tenho
dez anos, já sei ler, sei a tabuada dos dez e que o sistema solar não é o único
no universo!
- De facto sabes muito mais do que muita gente terráquea. Muito mais do que
toda essa gente que acredita que o nosso planeta é plano!
- Ah! Ah! Ah! – divertida gargalhada esférica. – Nunca brincaria com essas
pessoas tão limitadas! Não têm imaginação nenhuma! Não sabem ver para além do
horizonte!
- Tens, de facto, uma grande capacidade de sentir o que não podes ver com
os teus olhos! A tua imaginação é o mar ondulado do teu pensamento, o vento das
tuas descobertas! Falas de madrugada como se já vivesses para além dos teus
justos dez anos.
- Acho que não percebo bem o que me dizes, avô. Mas soa bem nesta noite
escura. Escura, mas com mais estrelas do que quando há Lua.
- Há sempre Lua, mas só um quarto com luar! – gravitou o avô Ricardo com
gesto orbital.
- Sempre estranhei este silêncio lunar, avô! Causa medo não vermos a Lua! –
disse Luís com um arrepio de maré alta.
- Não precisas de ter medo. Ela volta à volta da Terra há milhares de
milhões de anos. – afirmou astronómico o avô.
- Isso causa-me sempre espanto. De facto, é como dizes. Ainda não conheci
nenhum mês em que a Lua não nos desse de novo o seu luar depois do seu quarto
crescente. Não é assim, avô?
- Assim é. Mas olha: este mês de Agosto acontece algo não muito comum –
espicaça Ricardo, deslumbradamente.
- Então?! – aventura-se Luís para a descoberta.
- Há duas Luas Novas! – diz Ricardo pronunciando o céu.
- A mesma Lua Nova duas vezes num mês? – Diz Luís iluminando os olhos
divertidos.
- Sim. A primeira vez no dia 1, que já passou, a segunda vez mesmo no final
do mês, no dia 30 de Agosto. A esta segunda Lua Nova deu-se o nome de Lua
Negra!
- Lua Negra. Que nome soturno. Mas duas vezes Lua Nova no mesmo mês não é
algo muito comum, certo avô?
- É verdade. Mas também não é assim tão raro. Ocorre a cada dois ou três
anos. A Próxima Lua Negra ocorrerá em Abril de 2022 – disse o avô de memória astronómica.
- Ui!! Falta muito tempo até 2022! O melhor é ver agora esta Lua Negra! – gesticula
Luís entusiasmado.
- Como sabes, a Lua Nova não se vê e logo a Negra também não! – explicou assertivo
o avô.
- Mas está lá, não está? – questiona inquieto.
- Está. Talvez a consigamos pressentir. Mas a ausência de luar permite ver
mais estrelas no céu. Podemos com a Lua Negra contemplar a vastidão do universo
visível aos nossos olhos. Maravilhemo-nos.
António Piedade
Texto primeiramente publicado na imprensa regional.
3 comentários:
Felicidade é não sonhar.
Quem sai aos seus não degenera… E o Luís sai-se ao avô cuja postura me agrada pois disse ao neto que é bom colocarmo-nos no desconhecido para continuar a procurar quem somos. "Homem, conhece-te a ti mesmo". Talvez seja a chave de controle da desilusão do sonho não alcançado, que parece transparecer no comentário anterior.
Homem, conhece-te a ti mesmo, em ti mesmo, esse desconhecido...
A frase "Do real" não é uma escada cortada antes do céu, mas a conclusão de um rizoma universal. Lucidez e não desilusão, se conseguir olhar para lá do fundo.
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