Veio a terreiro, nas passadas semanas, o Senhor Secretário
de Estado da Educação, João Costa, num texto que por si mesmo descredibiliza e
anula a argumentação que desejava “demonstrar”, defender expressamente a
ausência de facilitismo no Ensino Básico e Secundário.
Que não, que não há facilitismo, pelo contrário. De algum
modo, o facilitismo estaria apenas na cabeça de quem o denuncia. E, como na
fábula do lobo e do cordeiro (que João Costa creio conhecer), não lhe interessa
argumentar: basta afirmar. Porque, como sabemos, quando a afirmação é feita
através de alguém que detém o poder, não resta ao público “desinformado”, se
não mesmo “ignorante”, a impossibilidade de duvidar do que o poder afirma (sem
provas, sem argumentar).
Vejamos agora o que as duas últimas semanas, semeadas de
feriados nacionais e regionais, nos trouxeram, à socapa:
1) A
publicação de uma portaria (181/2019, de 11 de Junho – e repare-se na data) que
permite às escolas aumentar, acima dos já existentes 25%, a chamada
“flexibilidade curricular”. A justificação é paupérrima, e cito: “A experiência
dos projetos-piloto de inovação pedagógica (PPIP) consolida o reconhecimento da
capacidade das escolas na implementação de soluções inovadoras que permitem a
eliminação do abandono e do insucesso escolar.” Onde está esse “reconhecimento
consolidado”? Nas provas de aferição que ninguém conhece? Certamente não nos
exames, que foram abolidos até aos 14 anos. Nos relatórios das escolas? Com que
avaliação externa? Composta por quem? Funcionários do Ministério – que assim
seria juiz em causa própria? Ou
por ninguém? Onde está o “reconhecimento”? E a sua “consolidação”? Basta dizer
uma coisa para ela ser verdade, Senhor Secretário de Estado? Tem de voltar a
estudar Português e Filosofia: aparentemente já se esqueceu da diferença entre
facto, opinião e argumentação. Facilitismo? Não, claro que não.
2) A
realização, nas passadas 2.ª e 3.ª feira, dos exames do Secundário de Filosofia
e de Português. Tudo se passou sem problemas, aparentemente. Porquê? Porque, em
nome da flexibilização curricular, o próprio Director do IAVE reconheceu que os
conteúdos para a elaboração do exame foram “cortados”, de modo a compaginar os
estudantes que não tinham tido flexibilização com os que a tinham tido.
Repare-se nas inferências (também se ensinam no Ensino Básico): a) as escolas
com flexibilização curricular ensinaram MENOS do que as outras; b) o
alinhamento fez-se assim por baixo, passando a mensagem de que, em Portugal, e
no sistema educativo, também “less is more”. Facilitismo? Não, claro que não.
3) A
divulgação, nos órgãos sociais, e em particular no jornal Público (ler em https://www.publico.pt/2019/06/19/sociedade/noticia/conselho-nacional-educacao-quer-professores-formacao-matematica-1876950),
de que também neste mês (oh Junho das festas populares!)surgiu uma recomendação para acabar com o exame de
Matemática nos cursos para professores de 1.º Ciclo. Esta recomendação foi
aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, com o voto contra de vários dos
seus membros mais qualificados e (repare-se), com o apoio de dos representantes
no CNE da Associação de Professores de Matemática, da Sociedade Portuguesa de
Educação Física e da Academia Portuguesa de História. Aqui, um conselho: não
confundir, por favor, Associação de Professores de Matemática com Sociedade
Portuguesa de Matemática. Ou seja, uma preocupação de qualificação em
Matemática para os professores do 1.º Ciclo, que dela necessitam para serem
competentes no ensino da Matemática, é revogada pela Educação Física e pela
História – com a cumplicidade da APM, que todos conhecem como obreira da
desqualificação da disciplina que deveria defender. A qualificação em
Matemática, que tanto Maria de Lourdes Rodrigues como Nuno Crato consideraram,
e bem, necessária a quem vai ensinar aos meninos os vários conteúdos do 1.º
Ciclo, é revogada por esta recomendação.
Facilitismo? Não, claro que não.
Não espanta que os representantes dos pais na CNE tenham
votado contra (mas quem são eles para ter uma opinião informada?) É que os pais
compreendem que só sabe ensinar bem quem conhece bem aquilo que ensina. Pelos
vistos, a CNE tem uma outra opinião. Lamentável, tudo isto.
Devia ter vergonha, Senhor Secretário de Estado, de fazer o
que faz, de promover o que promove, de dizer o que diz. Facilitismo? Nããão. Que
ideia! Qualificação verdadeira? Para quê, se o que está em causa é “apenas” o
futuro das crianças e dos jovens? Ponham os professores de Educação Física a
dar Matemática. Ficam (quase) todos mais contentes.
Helena Carvalhão Buescu
Professora Catedrática da Universidade de Lisboa
2 comentários:
Senhor Secretário de Estado, João Costa, não faça de todos nós parvos!
A eficiência da hipocrisia dos seus argumentos em defesa do facilitismo na escola tem limites. Num país como Portugal devia ser, bastaria este desempoeirado artigo da Senhora Professora Doutora Helena Carvalhão Buescu para V. Exª ser imediatamente demitido do Governo.
Defender uma escola em que não se promove o ensino e a aprendizagem das crianças, para que todas tenham sucesso escolar, é cometer uma estupidez criminosa!
Quero agradecer o excelente artigo à Senhora Professora Doutora Helena Carvalhão Buescu.
Corroboro as palavras do comentário anterior. Excelente.
A estupidez criminosa já chegou a muitas escolas públicas.
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