quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A SOFIA VAZIA



Meu artigo no Diário de Coimbra de ontem (na imagem a Rua da Sofia, com a Câmara Municipal de Coimbra ao fundo)

Jorge de Sena, que faria 100 anos em 2019, escreveu sobre a Sofia um poema satírico inserto no livro Dedicácias. Não a poeta Sophia, que foi exactamente sua contemporânea (também faria cem anos este ano) e com quem ele manteve correspondência. Mas sobre a rua da Sofia em Coimbra. O engenheiro civil, feito poeta, romancista e crítico literário, refere a Rua da Sofia como símbolo do provincianismo cultural português. O poema começa assim “Sabe de Hegel, de Sartre, de fenomenologia, / mas andou na rua da Sofia”, terminando ”Não há filosofia/ que salve quem andou na rua da Sofia.” Se Sena vivesse agora e passeasse como eu fiz nestes dias natalícios pela rua da Sofia, na Baixa coimbrã, ficaria ainda mais ácido. A Rua da Sofia, tal como está, não é apenas o símbolo do provincianismo cultural, é o símbolo do provincianismo tout court. É uma rua triste, abandonada, parada no tempo, que simboliza bem, até por estar no centro urbano, o abandono e a paragem no tempo da cidade. Por inacção municipal Coimbra tem estado a andar para trás, cada vez mais provinciana. Refiro-me à província a preto e branco do tempo da outra senhora, pois não quero ser injusto para a actual província.  A província noutros sítios já não é o que era. Nem é preciso sair da região Centro para concluir isso: basta ir a Aveiro e a Viseu, como eu também fiz no Natal, para tirar as devidas conclusões.

Bem pode a auto-estrada anunciar que Coimbra é “Universidade, Alta e Sofia – Património da Humanidade” que o património da Sofia está sem o mínimo cuidado. Os edifícios dos antigos colégios, com as igrejas, lá estão onde sempre estiveram, alguns desde o século XVI, mas, por falta de foco e atenção, não há visitantes. O jornalista do Público Camilo Soldado escreveu em 23/6/2018, quando passaram cinco anos desde a inscrição da Universidade de Coimbra na lista da UNESCO: Não há um único sinal, nem uma única inscrição, a indicar que quem passa pela rua de Coimbra desenhada a partir do modelo da Sorbonne, em Paris, está a caminhar por uma zona que foi classificada Património da Humanidade.” E acrescentou: “Não há visitantes, mas também não há o que visitar.” Passaram-se seis meses e continua a não haver visitantes. Também não há comércio dinâmico, nem restauração decente. Um restaurante chamado “Cova Funda” tem o nome bem apropriado para o buraco em que os mais recentes edis meteram a Baixa da cidade. A Baixa, por causa da construção da “Avenida Central”, que se devia chamar “Beco Central,” ficou, de facto, uma ruína e a Sofia não passa de uma das artérias sem vida de uma cidade degradada. O presidente que queria um aeroporto internacional (já voou!) não é capaz sequer de cuidar de uma simples rua que vai dar à Câmara.

Tinha que ser assim? Não tinha. Bastava que a Câmara Municipal, a Universidade e outras partes interessadas tivessem um plano para aquela rua, que é como quem diz um plano para a Baixa. Bem podem falar em valorizar Coimbra, que a Sofia documenta bem a desvalorização de que Coimbra de tem sido alvo.

No único debate público sobre a Capital Europeia da Cultura, realizado a 19/5/2018 no Café Santa Cruz, o encenador António Augusto Barros propôs uma ideia para a rua da Sofia, ou melhor, para o espaço, em boa parte histórico (foi lá o Colégio das Artes) entre ela e a Rua da Aveiro / Rua Dr. Duas Ferreira. A ideia é simples: transformar aquele quarteirão num Bairro das Artes. Na Europa pululam os exemplos de como a cultura pode salvar cidades.

Se não é capaz de dar vida à rua da Sofia, como é que Coimbra, com a actual gestão, será capaz de ser Capital Europeia da Cultura? A comissão da candidatura a Capital Europeia já teve tempo de divulgar as suas ideias sobre a transformação cultural de Coimbra. Na primeira e única apresentação que fizeram (a 12/10/2018) confirmaram os meus piores receios. Não só não tiveram nenhuma ideia própria como não pegaram em nenhuma ideia alheia. Limitaram-se pomposamente a ler uma lista de supostos apoiantes. Digo supostos pois pelo menos um dos que anunciaram está errado (o do ex-reitor que foi responsável máximo pela candidatura bem-sucedida a Património Mundial). Os membros da comissão andaram todos na rua da Sofia, mas nem repararam no estado dela nem sabem o que fazer com ela. Nem um truque de magia valerá à comissão.

Não posso deixar de me lembrar dos responsáveis da nossa cidade, que tanto passado tem e tanto futuro poderia ter se acordasse da letargia em que está mergulhada, ao ler o referido poema de Jorge de Sena. Questiona o poeta: “Que há nestes portugueses que é como um sarro azedo,/ um cheiro de vinagre ou carrascão de medo,/ a que se agarram quais lapas ao Penedo/ da Saudade?”

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