Meu texto no vol. XII de "Ética Aplicada" (Edições 70), sobre "Investigação Científica", coordenado por Maria do Céu Patrão Neves e Maria da Graça Carvalho:
A ciência, que está por todo o lado nas nossas vidas, goza de uma aura de indisputabilidade. Ouve-se muitas vezes dizer que certa afirmação «foi provada pela ciência», ou que «é baseada em evidência científica». Associa-se à certeza e à objectividade. Como a certeza e a objectividade são virtudes epistémicas, a ciência detém um enorme poder social, o poder, em muitos casos, de fechar uma discussão. As relações entre ciência, certeza e objectividade, embora íntimas, não dispensam uma análise cuidada. Convém começar por definir o que são a ciência, a certeza e a objectividade (e, em contraste, o que são a não ciência, a incerteza e a subjectividade) para melhor compreender o real poder da ciência e as suas limitações.
Dado que a ciência tem um percurso histórico, que eclode de um modo muito nítido com a Revolução Científica nos séculos XVI e XVII, a consideração da história da ciência (e, ligada a esta, da fi osofi a da ciência) é muito útil para se perceber melhor a relação da ciência com os conceitos que aqui nos
interessam. Ensaiaremos uma análise dos conceitos de ciência, certeza e objectividade, numa perspectiva histórica, que inclui exemplos ilustrativos. Esta análise interessa à ética: a ciência
deve submeter-se à ética, cujos princípios estão para além da ciência, e quebras éticas acontecem quando é oferecido como ciência aquilo que o não é, o que não raro sucede quando existem falhas no apuramento da certeza e no uso da objectividade. Tem pois a ver com a ética a destrinça epistemológica que aqui se apresenta sumariamente entre ciência e não ciência, certeza e incerteza, e objectividade e subjectividade.
O que é a ciência?
O termo «ciência» designa, por um lado, um conjunto de conhecimentos que o ser humano possui sobre o mundo ou Natureza (ao qual ele próprio pertence, pelo que o homem pode ser objecto da ciência) e, por outro lado, o método, o chamado método científico, que permite acrescentar
conhecimento ao já existente. Os dois significados estão ligados, uma vez que não poderá haver novo conhecimento sem aplicação do método referido.
Como o método científico permite alargar o nosso conhecimento do mundo, é natural defender que o segundo significado de ciência – a ciência como método de conhecer – é mais relevante do que o primeiro – a ciência como corpo de conhecimentos. Com efeito, a ciência é mais um método, que
continua a ser usado por ter dado até aqui muito bons resultados, do que um conjunto de conhecimentos, que são e serão susceptíveis de revisão. Lamentavelmente, esta valorização
nem sempre é feita no ensino e, mais em geral, na comunicação da ciência. Quem considerar os conhecimentos da ciência inabaláveis estará a menosprezar o método científico, que tem o grande poder de continuar a questionar a realidade. A ciência não é um conjunto de dogmas acriticamente aceites, como encontramos nas religiões, mas o continuado esforço humano para compreender o mundo, um esforço que tem sido bem-sucedido, pelo que podemos esperar que continue a
sê-lo. Há coisas que sabemos bem, há coisas que sabemos mal e esperamos vir a saber melhor e há coisas que simplesmente não sabemos, mas que esperamos vir um dia a saber. O nosso actual corpo de conhecimentos será, certamente, revisto e alargado no futuro.
O método científico iniciou-se com a Revolução Científica, que se deu como foi dito nos séculos XVI e XVII. Pode-se falar de ciência anterior, mas o método estabeleceu uma «nova ciência», que deu frutos extraordinários. Entre as obras marcantes dessa época estão duas do físico Galileu Galilei Mensageiro das Estrelas, de 1610, em que o autor descreve as suas primeiras observações
dos céus com o telescópio revelando novos fenómenos, e Diálogos e Demonstrações Matemáticas Acerca de Duas Novas Ciências, mais conhecido por Duas Novas Ciências, de 1638, em que descreve as experiências de queda dos corpos que realizou com a ajuda de um plano inclinado. As suas conclusões opunham-se claramente ao que se conhecia nessa época. Escreveu, em Duas Novas Ciências: «Não existe nada, na Natureza, anterior ao movimento, a respeito do qual os livros escritos pelos filósofos não são nem pouco numerosos nem pequenos. Mesmo assim, descobri através de experiências algumas propriedades notáveis e que até agora não foram observadas nem demonstradas.»
Em que consiste então o método científico, inaugurado pelos trabalhos de Galileu? Tratava-se de um novo modo de apurar a verdade a respeito de um certo assunto, entendendo-se por verdade a correspondência com a realidade. Nesse modo, a observação e a experiência desempenham um papel
fulcral. Não é fácil definir esse método, até porque existe uma grande variedade de situações no trabalho dos cientistas (variedade essa que resulta das grandes diferenças de objectos de estudo, que podem ir dos movimentos nos céus ou na Terra à psicologia e à sociologia), mas, esquematicamente, pode dizer-se que segue na maior parte dos casos, desde os trabalhos pioneiros de Galileu, três etapas:
1 – formulação de uma hipótese ou ideia sobre o funcionamento do mundo;
2 – observação e/ou experimentação, com controlo das variáveis que possam afectar os resultados, as duas acompanhadas pelo raciocínio lógico;
3 – eventual confirmação da hipótese, que assim se pode transformar em lei, e sua comunicação à comunidade científica procurando um consenso. As leis são integradas em teorias mais gerais, e umas e outras só poderão ser descartadas perante novas observações, experimentações ou raciocínios.
Só se descobre o mundo a partir de alguma ideia prévia: a hipótese. Esta hipótese pode ser, simplesmente, como no caso da queda dos corpos, a rejeição de uma ideia que vinha da Antiguidade. Na hipótese, há um «salto mental», um «pulo» da imaginação, uma intuição criadora, pelo que é difícil apresentar para ela uma descrição genérica. A história tem, porém, ensinado que certos critérios gerais, como os da simplicidade e da beleza, são bons pontos de partida no processo de investigação científica. Esses dois conceitos estão associados de perto à matemática. A matemática revelou-se, de facto, necessária à formulação das leis naturais. Galileu escreveu no seu livro
O Ensaiador, de 1623: «A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos – dito é o Universo –, que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto.»
Mas o que são as leis naturais? Essas leis exprimem regularidades no funcionamento do mundo: de facto, as observações indicam que o nosso mundo segue uma certa ordem, quer dizer, não é «esquizofrénico», portando-se nas mesmas condições ora de uma maneira ora de outra. As leis naturais relacionam factos observados, integrando-os num enunciado de validade geral: por exemplo, todos os corpos caem para a Terra, como se sabe desde tempos imemoriais. Mas a observação rigorosa conjugada com o raciocínio levou Galileu a uma conclusão mais precisa contida na Lei da Queda dos Graves: descontado o efeito da resistência do ar, todos os corpos, colocados nas
mesmas condições, caem exactamente da mesma maneira. Reconhece-se aqui uma unidade na diversidade. Conhecendo a posição e a velocidade inicial de um corpo, podemos saber o seu movimento futuro. Um corpo, não importando a sua constituição e tamanho, largado na vertical, no vazio, cai ao longo de uma linha recta aumentando a sua velocidade na proporção directa do tempo decorrido. Neste exemplo, a linguagem matemática está patente em expressões como «linha recta» e «proporção directa». Se estivermos confrontados com um caso em que essa lei pareça não funcionar, deveremos examinar com cuidado se se está ou não nas mesmas circunstâncias, uma vez que as leis naturais são absolutamente prescritivas: não admitem violações. Se houvesse uma violação, a lei teria de ser substituída por outra.
O físico Isaac Newton, baseando-se nas conclusões de Galileu, propôs uma lei mais geral do movimento: a aceleração, ou taxa de variação da velocidade, é directamente proporcional à força aplicada (Segunda Lei de Newton), um enunciado contido nos Princípios Matemáticos da Filosofia
Natural, de 1687. Serve este caso para mostrar uma característica essencial da ciência: ela é cumulativa, isto é, o novo conhecimento tem de encaixar no anterior; neste caso passou-se de uma lei particular para uma lei geral que engloba a que existia, e permite uma aplicação maior, como,
por exemplo, a descrição do movimento da Lua em volta da Terra. Quando se junta novo conhecimento ao antigo, embora possa haver um reajustamento de um ou de outro aspecto, a parte mais substancial do conhecimento anterior deve permanecer. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, em ciência o novo respeita sempre o velho, pelo que a ciência exige um processo de aprendizagem do que se sabe além da aprendizagem do modo de saber. Uma anedota ilustra
esta afirmação. O imperador da Prússia Frederico IV, numa visita que fez no século XIX ao Observatório de Bona, perguntou ao astrónomo-mor Friedrich Argelander: «Então, o que há de novo nos céus?» O seu interlocutor respondeu sabiamente: «Será que Vossa Majestade já conhece o que há de velho?» É por haver necessidade de conhecer o velho para alcançar o novo que se fala em evolução ou, se se quiser, em progresso da ciência.
Newton usou uma bela metáfora para referir que o trabalho
da ciência é continuado: «Se consegui ver mais longe, é porque
estava aos ombros de gigantes.» Pode subentender-se que
se referia aos «gigantes» que o antecederam, não só Galileu,
que usou o telescópio para observar os céus ou a experiência
do plano inclinado para obter a Lei da Queda dos Graves, mas
também o astrónomo seu contemporâneo Johannes Kepler,
que estudou os movimentos dos astros nos céus, obtendo para
eles leis de expressão matemática. A junção dos dois tipos
de informação – a que resulta da experimentação na Terra e
a que provém da observação dos céus – permitiu a Newton
uma descrição unificada (este é um bom exemplo de aplicação
na ciência do critério de simplicidade!) dos fenómenos da
Terra e do céu: precisamente a Lei da Gravitação Universal, mais uma vez de expressão matemática, que descreve
a força de atracção entre quaisquer corpos.
No início do século XX, outro físico, Albert Einstein, sem
prejudicar a validade da Lei da Gravitação Universal no domínio dos objectos com pequenas massas, formulou,
num golpe de génio, uma nova teoria da gravitação: a Teoria
da Relatividade Geral, segundo a qual a gravitação é o encurvamento
do espaço e do tempo causado pela presença da matéria
e energia. A nova teoria permitiu mais tarde englobar a descrição
de fenómenos cósmicos, como o Big Bang e os buracos
negros, aos quais a teoria de Newton manifestamente não se
aplica. Usando o dito newtoniano, também Einstein subiu aos
ombros de gigantes, elevando a «pirâmide humana». As leis de
Galileu, Kepler, Newton e Einstein encaixam-se perfeitamente
umas nas outras, formando um edifício coerente. Não aconteceu
até à data, mas tudo leva a crer que alguém, um dia, subirá
aos ombros de Einstein para ver ainda mais longe.
Uma boa teoria científica não descreve apenas o que se
conhece, mas deve também ter um carácter preditivo: deve
permitir prever fenómenos ainda não observados, servindo a
respectiva observação para confirmar a teoria. Foi o que aconteceu
de forma notável com a teoria de Newton, que permitiu,
em 1846, a descoberta, só por meio de cálculos, de Neptuno,
um novo planeta. No quadro da Teoria da Relatividade Geral,
Einstein previu, em 1915, que a luz devia encurvar-se ao passar
perto de um astro. Assim, uma estrela que enviasse raios rasantes
ao Sol seria, durante um eclipse solar, observada numa posição
desviada da sua posição usual. A observação de um eclipse
total do Sol em 1919, no Norte do Brasil e na ilha do Príncipe,
permitiu confirmar a teoria einsteiniana. Quando perguntaram
ao sábio o que teria sucedido se essa confirmação não
tivesse acontecido, ele respondeu: «Nesse caso eu teria pena
do pobre Deus. A teoria está mesmo certa.» O êxito de Einstein
espalhou-se logo. O Times de Londres titulou: «Revolução
na ciência. Nova teoria do Universo.» De facto, a revolução não punha Newton de lado, simplesmente ia mais
longe do que ele tinha chegado. Na Royal Astronomical Society
britânica, o retrato de Einstein passou a figurar ao lado do de
Newton, não o substituindo.
Será que vamos saber mais? Essa é a nossa esperança, bem
justificada pela história da ciência. Einstein escreveu (numa
carta de 1936, incluída no livro de Max JAMMER Einstein e a
Religião: Física e Teologia): «Temos de admitir que o nosso
conhecimento actual das leis é apenas uma obra incompleta,
de modo que, em última instância, a crença na existência de
leis fundamentais também se apoia numa espécie de fé. Seja
como for, essa fé tem sido amplamente justificada pelo progresso
na ciência.»
Um elemento muito importante do método científico,
presente tanto em Galileu e Newton como em Einstein, é a
comunicação aos peers (pares), mas, mais em geral, à sociedade,
dos resultados da investigação. Como vários cérebros pensam
melhor do que um só, as observações e experiências devem ser
repetidas para verificar se há ou não confirmação dos resultados
anunciados. Por outras palavras, um dos maiores recursos
do método científico é a peer review (revisão pelos pares), um
processo que, não sendo perfeito, pelo menos permite corrigir
alguns dos erros cometidos por indivíduos ou grupos.
Existem várias actividades humanas além da ciência, por
exemplo a arte, a religião ou a ética. É por isso normal que se
façam afirmações que não possam ser consideradas científicas
por não resultarem da aplicação do método científico. A arte,
a religião ou a ética não têm pretensões científicas, não desejando
competir com a ciência. Mas há quem pretenda fazer
ciência sem o fazer efectivamente. Falamos de
pseudociência quando a não ciência se tenta disfarçar de ciência.
Pseudociência é qualquer tipo de informação ou actividade
que se diz baseada em factos científicos e fundamentada pelo método científico, que pode até usar a linguagem científica,
mas que não usa factos científicos correctos ou que não resulta
do bom uso do método científico. A pseudociência está eivada
de erros, que ela própria não corrige, ao contrário da ciência,
que possui a virtualidade de corrigir eventuais erros pelo bom
uso do método científico.
Verdade e erro
Falemos de erro, que, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea, é a «acção de actuar, proceder de forma
incorrecta». Ouve-se muitas vezes dizer que a ciência procura
a verdade. Essa afirmação remete para a definição de verdade,
que, segundo o mesmo dicionário, é a «adequação do pensamento
ou da sua expressão aos factos ou conhecimentos que
se pretendem exprimir = exactidão, justeza ≠ erro, ilusão,
mentira».
A teoria do conhecimento ou epistemologia é um capítulo
importante da filosofia. Não é aqui o lugar para entrar na longa
discussão sobre o que é o conhecimento, bastando lembrar
que, logo no tempo de Galileu, a filosofia da ciência começou
a ser debatida com contributos como os que foram dados
pelo jurista e filósofo Francis Bacon e pelo matemático, físico
e filósofo René Descartes. Aceitando como marca de verdade
a «adequação do pensamento aos factos», consideramos verdadeiras
as afirmações que surgiram por aplicação do método
científico, como a Lei da Queda dos Graves, a Segunda Lei de
Newton, a Lei da Gravitação Universal e a descrição da gravidade
pela Teoria da Relatividade Geral, embora umas tenham
maior generalidade ou maior grau de precisão do que outras.
Mas não podemos dizer que sejam absolutamente verdadeiras
todas as afirmações científicas, essas ou quaisquer outras
que conhecemos actualmente, pois a aplicação do método
científico poderá no futuro trazer novidades. Podemos apenas
dizer que, no quadro da sua validade, essas proposições são
verdadeiras tanto quanto sabemos, por terem sido confirmadas
pela pluralidade de observações realizadas.
Podemos aspirar à verdade e procurá-la com afinco, no
sentido de buscar descrições da Natureza que se ajustem cada
vez melhor a esta. Partindo do princípio de que a investigação
científica será infindável, a ciência não será tanto a procura da
verdade última, uma meta inalcançável, mas sim a procura do
erro. Poderá ser impossível encontrar a verdade absoluta, mas
já é possível encontrar um erro numa certa afirmação, entendendo-
se por erro o desajuste entre uma certa afirmação e a
realidade a que ela se refere. Em numerosos casos de interesse
prático, é relativamente fácil reconhecer um erro quando
uma nova observação, experiência ou raciocínio contradizem
o que se julgava saber. Basta que apareça uma discrepância
observacional, experimental ou lógica relativamente a uma lei
científica para ela ter de ser revista.
O filósofo Karl Popper colocou a ênfase da sua filosofia precisamente
no erro. Na sua visão, partilhada pela maioria dos
cientistas contemporâneos (mas que tem sido naturalmente
sujeita a críticas, como por exemplo as de Thomas Kuhn e Paul
Feyerabend), a ciência não pode aspirar a verdades absolutas,
sendo antes um meio para reduzir a nossa incerteza a respeito
do mundo natural. POPPER escreveu, na sua obra Lógica da
Pesquisa Científica (original de 1935): «na medida em que um
enunciado científico fala sobre a realidade, tem de ser falseável;
se não for, não fala sobre a realidade». E o que vem a ser
um enunciado «falseável»? Segundo o mesmo filósofo, sê-lo-á se
for possível mostrar que ele é falso ou se for possível refutá-lo recorrendo a rigorosos testes empíricos. POPPER acrescentou no
seu livro Conjecturas e Refutações (original de 1963): «A história
da ciência, como a história de todas as ideias humanas, é feita
de sonhos irresponsáveis, de erros e obstinação. Mas a ciência
é uma das poucas actividades humanas, talvez a única, em que
os erros são criticados sistematicamente, inclusive corrigidos e
valorizados. Em razão disso é que neste campo da actividade
humana aprende-se muitas vezes com os erros podendo-se
falar com clareza e sensatez em progresso científico.»
Não existindo verdades absolutas, é óbvio que algumas afirmações
da ciência são mais verdadeiras ou mais certas do que
outras. Por exemplo, ninguém pode hoje duvidar de que os
corpos caem para a Terra seguindo a Lei da Queda dos Graves,
nem que o movimento dos corpos à superfície da Terra ou em
volta da Terra é regulado pela Segunda Lei de Newton conjugada
com a Lei da Gravitação Universal. Tal acontece porque,
independentemente dos refinamentos devidos a Einstein (que
não têm interesse prático na maioria das situações correntes),
todas as observações e experiências realizadas até agora
confirmaram as conclusões de Galileu e Newton dentro dos
d
No chamado «método dedutivo de prova» de Popper, parte-
se de uma hipótese para uma prova empírica, passando
pelas consequências lógicas que se podem extrair dela. O trabalho
do cientista consiste em extrair inferências lógicas da sua
conjectura inicial. Nessa prova, os testes empíricos, isto é, o confronto
das previsões com a realidade, são fulcrais. Se uma ideia
resistir a testes efectuados por um certo grupo de investigação,
ela será suficientemente robusta para ser submetida à consideração
da comunidade científica. Um único trabalho científico
não é suficiente: para assegurar a sua validade, é necessário
que seja confirmada por outros. A prova em ciência tem semelhanças
com a prova em direito: em ciência, tenta convencer-se a comunidade científica da validade de uma certa afirmação;
em direito, a prova é o meio de convencer o juiz ou
um júri dos factos em julgamento, que são apresentados pelas
partes em litígio. Mas devemos lembrar que, segundo Popper,
nas ciências empíricas, as provas não existem, se entendermos
por prova um argumento que estabeleça de uma vez por todas
a verdade de uma teoria. A Natureza é o «juiz supremo» e ela
pode vir a proferir nova sentença. A propósito da metáfora
jurídica, convém lembrar as palavras de Einstein, incluídas no
livro de Helen DUKAS e Banesh HOFFMANN Albert Einstein, O Lado
Humano: «O teórico da ciência não deve ser invejado. Uma vez
que a Natureza, ou mais exactamente a experiência, é um juiz
inexorável e não muito amigável do seu trabalho. Nunca diz
“Sim” a uma teoria. Nos casos mais favoráveis, diz “Talvez” e,
na grande maioria dos casos, diz simplesmente “Não”. Se uma
experiência concorda com uma teoria, significa “Talvez”, e se
não concordar, significa “Não”. Provavelmente toda teoria irá
um dia experimentar o seu “Não” – a maioria das teorias, não
muito depois da sua concepção.»
O método científico foi criado e aperfeiçoado para que a
missão da ciência pudesse ser cumprida da maneira mais eficaz possível, isto é, para que pudéssemos encontrar e corrigir
o maior número de erros no nosso conhecimento do mundo.
Ao longo da história da ciência, os cientistas sempre tentaram
encontrar e corrigir erros nas descrições que iam fazendo. Eles
são, por isso, muito sensíveis a erros, sabendo que a verdade
só pode ser alcançada de uma forma progressiva e, portanto,
sempre limitada. Uma verdade é sempre provisória.
Errar é humano. Decerto os cientistas são seres humanos e as
suas ideias ou actos podem sofrer influências que prejudiquem
a aplicação do método científico. Os erros involuntários são,
tarde ou cedo, corrigidos pelo próprio ou pelos seus pares. Mas
há seres humanos que não reconhecem os erros que lhes são
apontados. Por vezes, embora em pequena escala, são os próprios
cientistas quem não são fieis ao método científico. Mas, na
maior parte das vezes, são outras pessoas, não cientistas, quem
espalha erros, alegando o uso da ciência devido ao prestígio de
que esta desfruta (de facto, nem sempre é fácil separar ciência
de pseudociência). Os cientistas devem lembrar-se de que têm
um compromisso forte e permanente para com o método científico, um compromisso que deve, em particular, ser valorizado
quando outros factores – políticos, económicos, jornalísticos,
etc. – estão em jogo. Além disso, devem lembrar-se que é sua missão contribuir para que o público tenha acesso aos conhecimentos
e ao método da ciência. Nesse esforço, devem procurar
ser o mais verdadeiros possível, sempre com a preocupação da
compreensibilidade. No ensino como na comunicação pública
da ciência, pode ser-se rigoroso – isto é, não dizer nada de
errado – prescindindo de pormenores complicados.
Muitas vezes se pensa que, se a ciência nada sabe ao certo,
então tudo é possível. Nada mais errado. Há coisas que
sabemos bem e que constituem constrangimentos ao nosso
conhecimento futuro. O astrofísico Carl Sagan, um dos maiores
comunicadores de ciência dos nossos tempos, transmitiu a ideia de que a ciência deve procurar uma posição intermédia entre
conservadorismo e inovação, a manutenção de velhas ideias e
a abertura às novas. Escreveu no seu livro Um Mundo Infestado
de Demónios (original de 1995): «No cerne da ciência reside
um equilíbrio fundamental entre duas atitudes aparentemente
contraditórias – a abertura para novas ideias, por bizarras ou
pouco intuitivas que sejam, e o exame céptico mais implacável
de todas as ideias, velhas e novas. É assim que as verdades profundas
são separadas de puros absurdos. O empreendimento
colectivo do pensamento criativo e do pensamento céptico,
trabalhando conjuntamente, faz avançar o conhecimento. No
entanto, existe uma certa tensão entre aquelas duas atitudes
aparentemente contraditórias.»
Certeza e incerteza
A palavra «certeza» é, em geral, identificada com verdade.
Do dicionário mencionado: «1. Característica daquilo que não
levanta dúvidas, que é certo = evidência, verdade ≠ incerteza,
probabilidade. 2. Aquilo que é seguro ou que se afirma como
real, certo…, e acerca do qual não se tem dúvidas; dado adquirido
= realidade ≠ ilusão, incerteza, invenção.» A história da
ciência tem mostrado que a certeza de uma lei científica não
passa de uma aspiração. SAGAN acrescentou noutro passo do
referido livro: «Os seres humanos podem ansiar por certezas
absolutas e aspirar a elas; podem pretender, como os adeptos
de certas religiões, tê-las alcançado. Porém, a história da ciência
– de longe a pretensão ao conhecimento mais bem-sucedida
acessível ao homem – ensina-nos que o máximo que podemos
esperar são melhoramentos sucessivos da nossa compreensão,
a aprendizagem com os nossos erros, uma abordagem assimptótica
do universo, mas com a limitação de sabermos que a
certeza absoluta nos escapará sempre.»
Não deve ser escamoteado que a discussão e a incerteza
fazem parte do processo da ciência. É precisamente a discussão
científica que ajuda a reduzir a incerteza. Da discussão nasce a
luz: tarde ou cedo, haverá respostas melhores do que as anteriores
em resultado da aplicação do método científico.
A palavra «evidência» pertence ao campo semântico da
«certeza»: «1. Qualidade do que não oferece dúvidas, do que é
evidente. 2. O que não oferece dúvidas ao espírito, o que pode
ser verificado. 3. Aquilo que serve para mostrar que alguma
coisa é verdadeira = prova.» Podendo ser vista como sinónimo
de prova, deve, porém, esclarecer-se que este termo tem em
português um significado algo diferente do inglês evidence. Em português,
uma coisa evidente é algo que não precisa de prova, que pode
ser considerado uma verdade. A prova revela-se necessária precisamente quando não há evidência.
Denotando falta de certeza, «incerteza» é um termo usado,
com significados diferentes, em diversas áreas, incluindo física,
estatística, psicologia, economia, sociologia, etc. Em física,
refere-se, em geral, ao grau de imprecisão de medidas físicas.
Quando se realiza uma medida de uma grandeza física, existe
sempre uma incerteza: há erros, quer ocasionais e inevitáveis,
quer sistemáticos e evitáveis ou, pelo menos, minimizáveis. Por
isso tem de ser realizado um conjunto de medidas em vez de
apenas uma. No tratamento dos dados recorre-se à estatística,
disciplina que assenta no conceito de probabilidade. A probabilidade
foi introduzida no século XVII na matemática para
descrever jogos de fortuna, em que ocorrem situações imprevisíveis
devidas, por exemplo, ao lançamento de dados. Quando
a física tratou, no século XIX, de descrever sistemas complexos,
como os gases (formados por muitas partículas em movimento
incessante), percebeu que tinha de recorrer à probabilidade
e à estatística. As afirmações que formula nesse domínio são
naturalmente incertas, sendo a probabilidade uma medida
da incerteza. Em física quântica, disciplina que surgiu no início
do século XX para descrever a realidade microscópica, a
incerteza está incorporada a um nível mais fundamental. Verificou-se que, à escala do muito pequeno, é válido o chamado
«princípio de incerteza de Heisenberg» (que, de facto, não
é um princípio, mas um corolário dos princípios da teoria
quântica), segundo o qual não podemos conhecer simultaneamente
a posição e a velocidade de uma partícula, como por
exemplo um electrão. Tanto a posição, como a velocidade de
uma partícula só podem ser descritas por uma função probabilística.
Einstein reagiu com a sua famosa frase «Deus não joga
aos dados», que significa que para ele a realidade não podia
ter uma natureza probabilística (para Einstein, Deus era sinónimo
de mundo, ou melhor, de harmonia do mundo). Por
outro lado, as ciências sociais e humanas situam-se em pleno
reino da imprevisibilidade. O termo «incerteza» refere-se nelas
a situações em que não se pode prever com precisão o efeito
de uma condição ou o resultado de uma acção. Essas ciências
têm procurado fazer modelações e teorizações baseadas na
metodologia das ciências exactas e naturais, mas o grau de
incerteza nas suas afirmações é necessariamente maior, dada
a enorme variabilidade que é característica dos seus objectos
de estudo.
Objectivo e subjectivo
Embora estejam relacionadas, objectividade não é o mesmo
que verdade ou certeza. O conceito é bastante mais
moderno. Objectividade significa a procura da fidelidade
ao real. Preocupa-se com a filtragem das variações que provocam
incertezas. Mas comecemos por ver a definição do termo
«objectivo» no referido dicionário: «1. Que é relativo a um
objecto. 2. Que existe por si, independentemente do conhecimento,
do pensamento ou do sujeito. 3. Que é válido para
todos e não para um indivíduo em particular. 4. Que assenta
na observação, na experiência.» Em contraste, «subjectivo» é:
«1. Que é próprio do sujeito pensante ou relativo a ele. 2. Que
é próprio do sujeito individual, que assenta na interioridade,
no modo de ser de cada pessoa = pessoal. 3. Que emite juízos
de valor sobre a realidade das coisas. 4. Que não corresponde
a nenhuma realidade, que é aparente, ilusório.» Embora possa
parecer clara a dicotomia entre objectivo e subjectivo – entre o
que é próprio do mundo exterior e aquilo que é próprio do eu
interior –, essa dicotomia é um dos temas da filosofia, por não
ser fácil separar o eu do mundo.
É curiosa a deriva semântica que ocorreu com as palavras
«objectivo» e «subjectivo». Os escolásticos medievais, como
Guilherme de Ockham, usavam essas palavras com significado oposto ao actual, isto é, objectivo dizia respeito a uma
impressão individual e subjectivo, a uma comum (e ainda
em Descartes se encontram marcas desse uso primitivo). Só
com o filósofo Immanuel Kant, no século XVIII, se iniciou o
uso moderno dos termos; e só a partir de 1820 os dicionários
começaram a introduzir o significado actual.
A ideia de objectividade remonta a um tempo anterior a
Kant: nos Princípios de Filosofia de Descartes encontramos as
qualidades primárias (tamanho, forma, movimento), que
diríamos hoje objectivas, e as secundárias (cores, odores,
sabores), que diríamos subjectivas, e no Novo Órgão de Bacon
surgem os «ídolos da caverna», que bloqueiam a mente de um
indivíduo. Mas só a meio do século XIX, após Kant, o conceito
de objectivo ganhou um consenso alargado tanto na filosofia
como na ciência. A Crítica da Razão Pura, de 1781, obra principal
da teoria do conhecimento de Kant, foi a primeira das suas
três Críticas: as outras foram a Crítica da Razão Prática, de 1788,
e a Crítica do Juízo, de 1790. A «validade objectiva» de Kant refere-
se não a objectos externos, mas a «formas de sensibilidade»,
como o tempo, o espaço e a causalidade, que são condições
da experiência. Para ele, subjectivo aplica-se a sensações meramente
empíricas. A distinção é, portanto, entre o universal
e o particular, em vez de ser entre o mundo e o indivíduo.
Escreveu KANT na sua Crítica da Razão Pura: «Se algo for válido
para todos os que estejam na posse da razão, seus fundamentos
serão objectivos e suficientes.» O significado de objectivo ficou
operacional com cientistas como o físico e médico Hermann
von Helmholtz, o médico Claude Bernard e o biólogo Thomas
Huxley: o primeiro, muito influenciado por Kant, ensaiou
criar uma física do corpo humano; o segundo criou a medicina
experimental ou baseada na evidência; e o terceiro foi o maior
defensor da teoria da evolução de Darwin.
Como conseguir a objectividade em ciência? Os instrumentos
que permitem registos sempre foram meios de procurar
a objectividade, uma vez que uma visão individual, que é aliás difícil de
partilhar, pode não ser segura. A fotografia surgiu em 1826 e
a sua utilidade na ciência sobressaiu logo nessa altura: as imagens
fotográficas são vistas da mesma maneira por todos os
observadores. Uma fotografia da Lua feita com uma câmara
primitiva acoplada ao telescópio era mais objectiva do que
um dos desenhos que Galileu fez do nosso satélite enquanto
a observava com o seu telescópio. E uma fotografia feita com
uma câmara moderna é ainda mais objectiva, no sentido de
ser mais fiel à realidade. Mas em que medida serão as imagens
fotográficas objectivas? Mesmo um instrumento como
uma câmara fotográfica pode não fornecer um meio de prova
objectiva. Já na época de Galileu, houve quem afirmasse que
as lentes podiam ter defeitos que alterassem as imagens. E o
mesmo pode, afinal, ser dito de uma lente moderna. A fotografia é uma tecnologia baseada na ciência, mas também é
uma arte, sendo passível de manipulação. Essa possibilidade
tornou-se particularmente evidente no mundo digital em que
vivemos hoje, no qual o Photoshop é tecnologia comum. O certo é que uma imagem é sempre diferente de
um objecto real. Podem-se tirar, em várias circunstâncias e de
vários modos, várias imagens do mesmo objecto, que diferirão
necessariamente. O juízo treinado de um cientista é que permitirá
escolher as imagens que mais se aproximam da realidade.
Os filósofos de ciência Lorraine Daston e Peter Galison
escreveram uma história da objectividade em que enfatizam o
poder da imagem; distinguem três fases na evolução histórica: a
fidelidade à Natureza (uma ancestral preocupação da ciência),
a objectividade mecânica (recorrendo, por exemplo, à câmara
fotográfica) e o juízo treinado (um cientista experiente não se
deixa enganar por uma imagem). O caminho para a objectividade
não se faz sem dificuldades. Segundo aqueles autores, «a
objectividade está para a epistemologia como o extremo ascetismo
está para a moralidade».
Terminemos com a ética. Kant começou por estudar mecânica
celeste, antes de enveredar pela filosofia. Na conclusão da
Crítica da Razão Prática, KANT contrasta o mundo exterior, regulado
por leis imperativas, e o eu, no qual as leis morais surgem: «Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com
maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado
sobre mim e a lei moral em mim. Não as hei-de procurar e simplesmente
presumir a ambas como envoltas em obscuridades
ou no transcendente, fora do meu horizonte; vejo-as perante
mim e religo-as imediatamente com a consciência da minha
existência.» De acordo com o programa iluminista, não existe
nem ciência nem moralidade sem consciência.
Referências e leituras recomendadas
CARAÇA, João, Ciência, Lisboa, Difusão Cultural, 1997.
DASTON, Lorraine e GALISON, Peter, Objectivity, Nova Iorque, Zone Books, 2007.
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2 vols., Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa e Verbo, 2001.
DUKAS, Helen e HOFFMANN, Banesh (org.), Albert Einstein, O Lado Humano, Brasília, Universidade de Brasília, 1979.
FIOLHAIS, Carlos, A Coisa Mais Preciosa Que Temos, Lisboa, Gradiva, 2002.
FIOLHAIS, Carlos e MARÇAL, David, A Ciência e os Seus Inimigos, Lisboa, Gradiva, 2017.
GALILEI, Galileu, O Ensaiador, in Os Pensadores: Galileu e Newton, São Paulo, Nova Cultural, 1991.
GALILEI, Galileu, Diálogo sobre Duas Novas Ciências, in Aos Ombros de Gigantes: As Grandes Obras da Física e Astronomia, coligido e comentado por Stephen Hawking, Lisboa, Texto Editores, 2010.
GEYMONAT, Ludovico, Elementos de Filosofia da Ciência, Lisboa, Gradiva, [s.d.].
JAMMER, Max, Einstein e a Religião, Rio de Janeiro, Contraponto, 2000.
KANT, Immanuel, Crítica da Razão Pura, 6.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
KANT, Immanuel, Crítica da Razão Pura, Lisboa, Edições 70, 2011.
LOSEE, John, Introdução Histórica à Filosofia da Ciência, Lisboa, Terramar, 1998.
MARÇAL, David, Pseudociência, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014.
POPPER, Karl, A Lógica da Pesquisa Científica, São Paulo, Cultrix, 1998.
POPPER, Karl, Conjecturas e Refutações, Coimbra, Almedina, 2003.
SAGAN, Carl, Um Mundo Infestado de Demónios, Lisboa, Gradiva, 1997.
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2 comentários:
É interessante a ideia de que a ciência, o método científico, são um sistema de prevenção e de correção de erros e, tanto ou mais do que isso, de exploração do mundo, a partir da imaginação e do conhecimento estabelecido. Fica-se com a ilusão de que a ciência é o próprio mundo e não apenas o conhecimento de uma faceta do mundo. E, no entanto, a ciência é apenas um ingrediente muito novo, recém-nascido, nesse mundo.
A ciência deslumbra por ser ela mesma expressão daquilo que, a todo o custo, quer expressar.
Já quanto à expressão "Existem várias actividades humanas além da ciência, por exemplo a arte, a religião ou a ética", diria que temos um problema clássico de ordenação e classificação inerentes à condição humana de analisar, dividir, separar e juntar de novo com fronteiras, para não esquecer diferenças... Em toda a feitura humana existe algum tipo de preocupação/razão/objetivo/preferência/capricho...estético. Qualquer objeto, desde um sapato à roda de uma carroça de brincar, até os mamarrachos, parecem obedecer a um qualquer gosto ou pretensão estética. A produção de objetos, de obras, de artefactos, não é alheia a algum tipo de racionalidade. A valoração envolvida na arte, tantas vezes coincidente com a religião e o sentimento ético do artista, sofre, não raro, com a "desilusão" demolidora introduzida pela ciência.
Quando as artes são uma forma de reforçar a "crença" ou o gosto que se tem, a ciência pode surgir como desmancha prazeres.
Estando a arte associada ao prazer, muitas vezes resta o prazer de apreciar somente a arte e não o "conteúdo".
Relativamente à religião, ela apresenta-se como algo totalitário, que não dá meças, nem à ciência, nem à arte, nem às outras religiões.
A religião é a grande esponja.
Não concordo que a ciência se deva submeter à ética, como o texto refere.
À ética só devem submeter-se os comportamentos, as condutas humanas.
A ciência, como se verifica em manuais da especialidade, é eticamente neutra. Não se diz "deve ser" eticamente neutra. Ser ciência ou não nada tem de ético.
Há uma condição aparentemente prevalente sobre todas as outras para a objetividade, credibilidade e sustentabilidade da Ciência: medição (e contagem).
A beleza da "estética" e a robustez da "ética" abrem alas quando entra em ação a medição (e a contagem); pesem, embora, algumas medições "erradas" que surgem a apoiar "previsões teóricas".
Já dizia lord Kelvin (William Thomson) e com razão: "...when you cannot express it in numbers, your knowledge is of a meagre und unsatisfactory kind".
Todavia, sermões e missas cantadas poderão ser muito apreciadas e convenientes.
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