sexta-feira, 20 de abril de 2018

VALHA-NOS S. FRANCISCO



Meu artigo no "Diário de Coimbra" de ontem:

Embora o magazine Ticket que anuncia espectáculos em todo o país seja dominado por eventos em Lisboa e Porto, também se encontram eventos noutras cidades. Mas não se encontra nada que tenha lugar no Convento de S. Francisco em Coimbra, um equipamento que custou 42 milhões de euros e que devia ter projecção nacional. Planeado para ser um Centro de Congressos internacional está a falhar esse objectivo, pois a Câmara Municipal, detentora do equipamento, não conseguiu atrair congressos suficientes para garantir a necessária sustentabilidade (uma andorinha de um congresso de saúde não faz a Primavera!). Planeado também para ser um Centro de Cultura nacional, também tem falhado esse outro objectivo pois não existe uma programação coerente nem uma gestão autónoma que a permita concretizar. Pretendendo rivalizar com a Casa da Música ou com o Centro Cultural de Belém está muito longe dos padrões de excelência desses centros. Nem sequer chega ao Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz. Recebo os programas desses centros culturais mas nunca recebi informação nenhuma de S. Francisco. Consultado o respectivo website, encontro coisas avulsas, sem suficiente qualidade e acima de tudo sem qualquer coerência. A programação é o que calha, quando calha. Há muitos dias, demasiados dias, em que não calha nada. Valha-nos S. Francisco!

Vale mais a pena deslocar-me à Casa da Música ou ao Centro Cultural de Belém, ou, mais perto, ao Centro de Artes e Espectáculos do que ao Convento de S. Francisco pois esses centros têm uma programação regular de qualidade, que é divulgada com antecedência. Não percebo por que é que S. Francisco não tem um prospecto semelhante aos que recebo do Porto ou de Lisboa, ou da Figueira da Foz. O problema pode ser da gestão. Têm sido feitos contratos por ajuste directo e a prazo com pessoas do agrado político, que fazem sugestões. Mas tudo tem de ser aprovado pelo Presidente da Câmara. Os preços dos bilhetes são aprovados em reunião camarária, mesmo a posteriori. A cidade, os seus agentes e meios culturais, vivem desligados de S. Francisco. Perguntei já a várias pessoas da área da cultura de Coimbra e nunca ninguém me disse ter sido ouvido sobre S. Francisco. Perguntei a outras pessoas da mesma área em Lisboa e Porto, mas esses nem sequer sabiam o que era S. Francisco. Está à vista o seu fracasso não só como Centro de Congressos internacional mas também como Centro de Cultura nacional. Se falha nos congressos e na cultura para que serve? Parece que tem lá havido reuniões políticas: não sei se o aluguer foi pago, pois as contas de S. Francisco estão nos segredos dos deuses.

Coimbra tem, de facto um belo equipamento da autoria de um prestigiado arquitecto, mas é como se o não tivesse pois não o valoriza. O objectivo de S. Francisco é indefinido (as frases sobre a missão no website são absolutamente vazias). O modelo de gestão também não foi definido. E o elefante branco vai consumindo elevados recursos da Câmara, quer dizer de nós todos, sem que haja um benefício claro para todos. Coimbra continua uma cidade com história e património, mas sem uma identidade cultural que ligue o antigo e o moderno.

A última noticia sobre S. Francisco é que a Câmara de Coimbra quer lá colocar a colecção de fotografia do Novo Banco. O governo, de posse de um grande espólio fotográfico e sem saber o que fazer com ele, quer emprestá-lo à Câmara e esta, sem pensar, estendeu logo a mão ávida da esmola. Com certeza que a cidade, que tem a rica tradição dos Encontros de Fotografia realizados entre 1980 e 2000, pode exibir esse espólio, atraindo público da cidade e de fora. Mas o Convento de S. Francisco não foi feito para museu de fotografia e não tem as condições técnicas adequadas. A colecção nem sequer lá cabe. Para caber uma parte as mudanças estruturais seriam demasiado caras. De resto, a Câmara faria mal em gastar o seu dinheiro nisso quando não consegue manter a valiosa colecção dos Encontros de Fotografia, que está armazenado num exíguo espaço do Centro de Artes Visuais (CAV) sem ar condicionado e à mercê de infiltrações de água. Parece que o Secretário de Estado da Cultura, quando já sabia que o CAV estava condenado em primeira instância, foi visitá-lo como se nada soubesse. Ainda não se sabe se lhe vai dar os meios necessários para ele que a colecção possa ser não só mantida como mostrada.

Será que a Câmara vai pedir ao CAV para fazer a curadoria da mostra do Novo Banco? Será decerto necessário alguém competente que saiba organizar as fotografias do Novo Banco numa rede de salas que abranja a cidade e a universidade, como fizeram os Encontros de Fotografia e está agora fazer a Estação Imagem, uma iniciativa que desfruta do louvável apoio da Câmara de Coimbra. A Câmara tem feito tanta coisa mal na cultura que temos de lançar um foguete quando faz uma bem. Um foguete? Meio, pois “esqueceu-se” de associar os média locais…
*Professor da Universidade de Coimbra

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