Meu artigo de opinião no Público de hoje na imagem Marcelo Rebelo de Sousa condecora Carlos Avilez, director do Teatro Experimental de Cascais, no Dia Mundial do Teatro):
O Orçamento de Estado (OE) de 2018
está cheio de retórica no que respeita à cultura. Sobre as artes reza assim: “Consolidar
e incrementar progressivamente os apoios (…); investir na estabilidade e no
crescimento dos projetos de programação e aposta na criação e difusão; combate
às assimetrias territoriais e promoção da diversidade artística.” Está, porém,
vazio de dinheiro, como revela a anunciada retirada de apoio do Ministério da
Cultura a um grande número de instituições artísticas com provas dadas, espalhadas
pelo país. O Ministério da Cultura só tem no OE 215 milhões de euros, não
considerando a comunicação social, onde avulta a RTP (como se sabe, pouco dada
à cultura). Essa verba representa uns pífios 0,1% do PIB. Deve ser comparada
com os 450 milhões que o governo vai colocar este ano no Novo Banco a somar à
enormidade que já lá colocou. E pouca diferença faz o reforço, recentemente
anunciado pelo primeiro ministro, de 1,5 milhões. Era claro que o OE da cultura
não ia chegar: só passou um trimestre e já se concluiu que não chega.
Falando apenas de teatro, estão, na prática, a
ser asfixiadas, por retirada do oxigénio, companhias como, em Cascais, o Teatro
Experimental (cujo líder, Carlos Avilez, soube da sufocação dois dias depois de
ter sido condecorado); em Coimbra, a
Escola da Noite e o Teatrão (duas das companhias profissionais da cidade),
na Covilhã o Teatro das Beiras; em
Évora, o Centro Dramático (CENDREV); e, no Porto, o Teatro
Experimental, a Seiva Trupe, o Festival Internacional de Marionetas e o
Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI). É uma tragédia!
Bem podem dizer que os resultados do concurso da Direcção Geral das Artes são
provisórios, que o suplemento ainda poderá salvar alguns dos anunciados defuntos,
mas o mal já está feito, ao ignorar o mérito, granjeado ao longo de muitos anos,
por essas companhias (sei do que estou a falar pois assisti a excelentes
espectáculos delas, em especial das de Coimbra). O governo da geringonça está a
tentar fazer, como o governo de Passos Coelho tentou fazer na ciência, uma “poda”
nas artes. Na ciência o PSD e CDS queriam extinguir 50% dos centros de investigação,
concentrando os apoios em Lisboa. Nas artes teatrais o governo do PS (apoiado
pelo PCP e pelo BE) anunciou o corte de 44% dos projectos, concentrando também
os apoios na capital. Receio que, tal como na ciência no tempo da troika, a avaliação não seja séria,
tendo-se apenas montado um cruel sistema burocrático para excluir cerca de
metade.
Compreender-se-á melhor a relação entre o
Ministério da Cultura e o teatro se se lembrar que a directora regional de
Cultura do Centro elogiou recentemente uma companhia de Leiria por esta “não incomodar
a administração central" (PÚBLICO, 26/3). Segundo o encenador da Escola da
Noite, a directora não se deixa incomodar, pois "não aparece, não vê,
nunca se interessou". Representa bem a incultura do Estado. Estou atento à
cultura em Coimbra, onde fica a tal Direcção Regional, e não sei quem é nem o
que faz a responsável, que, com as suas irresponsáveis declarações, mais não
fez do que legitimar a actual hecatombe nas artes. Estranhamente o ministro ainda
a mantém no cargo.
O investimento do governo PS em cultura é, de
facto, muito "poucochinho". Por exemplo, o conjunto das autarquias investe
no sector praticamente o dobro do governo central. Espera-se, por isso, que os
governos das cidades afectadas ajudem, na presente emergência, os deserdados do
Ministério da Cultura, não só secundando os justos protestos junto da
administração central, mas também assegurando financiamentos complementares que
minorem as “assimetrias territoriais” reconhecidas pelo OE. As autarquias devem
incomodar o governo e sentir elas próprias o incómodo. Não colhe o argumento da
subsidiodependência pois só um Estado inculto não investe em cultura. A
cultura, aqui como noutros países, depende criticamente de apoios estatais, não
sendo uma questão entre agentes culturais e públicos. O actor Nunes Lopes
resumiu tudo na recente atribuição dos prémios do cinema português, transmitida
a horas mortas na RTP2: “A cultura é uma responsabilidade do Estado. Juntem-se
a nós e façam a vossa parte, senhores governantes."
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