Há pouco mais de um ano, o Primeiro Ministro, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, disse, preto no branco:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.Dito, creio que, de improviso, o que me pareceu estar no pensamento de António Costa, governante que conheço pessoalmente, que estimo e admiro, veio ao encontro do que ando a dizer há muitos anos. Encorajado por este promissor discurso, enviei-lhe e ao actual Ministro da Educação (mas não sei se lhes chegou às mãos) a reflexão que agora reformulo. Reflexão que também fiz chegar ao conhecimento do Secretário de Estado João Costa e que sei ter recebido.
Mas a verdade é que nada, mas nada, foi feito para inverter esta situação que nos envergonha.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu e continua a não dar, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
Restringindo esta minha reflexão ao ensino da geologia a nível do básico e do Secundário que conheço bem, sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da situação vinda agora, bem ao de cima nas ditas palavras, radica, desde há muito e em grande parte, na respectiva “máquina pedagógica” do Ministério da Educação. Nunca conheci nenhum destes elementos, mas é a eles e, também, necessariamente, a quem lhes foi dando posse, que se deve este estado de coisas que, oiço dizer, não é exclusivo da disciplina pela qual me venho batendo há décadas.
Os ministros e secretários de estado da tutela, uns com ideias, outros sem elas, têm-se sucedido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Mas a dita “máquina”, julgo saber, praticamente, não muda e é essa, quanto a mim uma das responsáveis pelo défice agora denunciado por António Costa.
Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, dito agora nas palavras do primeiro ministro: “défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
É, pois, com preocupação e tristeza que começo a acreditar que estas belas palavras não passam, afinal, disso mesmo.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação (despida de constrangimentos partidários) desta máquina ministerial
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentas que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de reconhecidamente bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas "muito mais" do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse "muito mais" está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu em família e na escola, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas hoje muito boas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
Se nada disto for iniciado por este governo, as palavras de António Costa não passam, uma vez mais, de palavras.
Posso estar mal informado, mas interiorizei a ideia de que os sindicatos, mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, têm descurado o da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons e os menos bons professores, que os há, como todos sabemos.
O sistema social e político dominante na sociedade capitalista que domina na União Europeia, continua a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral e cívico dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. Há que saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor.
Essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se o professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional, é, sobretudo, social.
A. Galopim de Carvalho
2 comentários:
Este texto "Défice na Educação", em boa hora dado à estampa pelo Professor Doutor Galopim de Carvalho, figurará, um dia, nos anais dos grandes documentos exarados por mulheres e homens revolucionários que, em diferentes épocas históricas, ousaram combater a estupidez e preconceitos que têm tolhido a humanidade ao longo dos séculos!
Se este protesto, que nada fica a dever, em alta densidade e grande profundidade, às famosas 95 teses que Martinho Lutero pregou nas portas da Igreja do CA mácula original deste sistema de ensinoastelo de Wittenberg, tiver o acolhimento merecido no coração do Povo Português e nas mentes abertas dos funcionários do Ministério da Educação que supervisionam o ensino básico e secundário, então a tenebrosa "máquina pedagógica", referida por Galopim de Carvalho, verá os seus dias contados, a muito breve trecho!
Um sistema educativo que põe o acento tónico nas aprendizagens dos alunos e depois proíbe os professores de ensinar, carece de lógica de funcionamento orgânico, estando condenado a ser engolido pelas areias movediças de pântanos insalubres.
Este texto "Défice na Educação", em boa hora dado à estampa pelo Professor Doutor Galopim de Carvalho, figurará, um dia, nos anais dos grandes documentos exarados por mulheres e homens revolucionários que, em diferentes épocas históricas, ousaram combater a estupidez e preconceitos que têm tolhido a humanidade ao longo dos séculos!
Se este protesto, que nada fica a dever, em alta densidade e grande profundidade, às famosas 95 teses que Martinho Lutero pregou nas portas da Igreja do castelo de Wittenberg, tiver o acolhimento merecido no coração do Povo Português e nas mentes abertas dos funcionários do Ministério da Educação que supervisionam o ensino básico e secundário, então a tenebrosa "máquina pedagógica", referida por Galopim de Carvalho, verá os seus dias contados, a muito breve trecho!
Um sistema educativo que põe o acento tónico nas aprendizagens dos alunos e depois proíbe os professores de ensinar, carece de lógica de funcionamento orgânico, estando condenado a ser engolido pelas areias movediças de pântanos insalubres.
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