É certo que a educação não acontece só na escola e que em regime totalitários a democracia desponta, mas em democracia a educação escolar deveria ser consonante com os princípios que dão substância a esse valor, preparando os mais novos para uma participação cidadã no espaço público, ou seja, no espaço de todos a que chamamos sociedade.
Passados quarenta e quatro anos sobre o 25 de Abril de 1974, talvez seja o momento de pensarmos com a profundidade que o assunto merece, sem amarras ideológicas ou outras, no rumo que o nosso sistema de ensino, tal como muitos outros, tem tomado. Rumo esse que foi recentemente (re)formalizado na nova revisão curricular que se encontra em discussão pública.
Ilustro a preocupação que formulei com palavras da filosofa americana Martha Nussbaum:
Estão ocorrendo mudanças radicais no que as sociedades democráticas ensinam aos seus jovens, e essas mudanças não têm sido bem pensadas. Obcecados pelo PNB, os países – e os seus sistemas de educação – estão descartando, de forma imprudente, competências indispensáveis para manter viva a democracia. Se essa tendência prosseguir, todos os países estarão produzindo gerações de máquinas lucrativas, em vez de produzirem cidadãos íntegros que possam pensar por si próprios, criticar a tradição e entender o significado dos sofrimentos e das realizações dos outros. É disso que depende o futuro da democracia.
Que mudanças radicais são essas? Tanto no ensino básico e secundário como no ensino superior, as humanidades e as artes estão sendo eliminadas em quase todos os países do mundo. Consideradas pelos administradores públicos com enfeites inúteis para se manterem competitivas no mercado global, estão perdendo rapidamente o lugar nos currículos e, além disso, nas mentes e nos corações dos pais e dos filhos.
De facto, o que poderíamos chamar de aspectos humanistas das ciências e das ciências humanas – o aspecto construtivo e criativo, e a perspectiva de um raciocínio rigoroso – também está perdendo terreno, já que os países preferem correr atrás do lucro de curto prazo por meio do aperfeiçoamento das competências lucrativas e extremamente práticas adequadas à geração do lucro.
Embora esta crise esteja diante de nós, ainda não a enfrentamos. Seguimos em frente como se nada tivesse mudado, quando, na verdade, importantes mudanças de enfase são evidentes por toda a parte. Nós ainda não fizemos uma verdadeira reflexão sobre essas mudanças – na verdade, nós não as escolhemos – e, no entanto, elas limitam cada vez mais o nosso futuro (...)
Dado que especialmente neste momento de crise, todos os países buscam avidamente ao crescimento económico, foi levantada uma quantidade muito pequena de questões sobre os rumos da educação e, com eles, sobre as sociedades democráticas do mundo (...)
A minha preocupação é que outras competências, igualmente decisivas correm o risco de se perder no alvoroço competitivo; competências decisivas para o bem-estar interior de qualquer democracia e para a criação de uma cultura mundial generosa, capaz de tratar, de maneira construtiva, dos problemas mais prementes do mundo.Nussbaum, M. (2015). Sem fins lucrativos. Por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes.
2 comentários:
Do mesmo modo que há quem diga que a democracia é incompatível com o capitalismo, há quem diga que o capitalismo é inimigo das humanidades e das artes, ou, pelo menos, dos artistas, em geral. Parece evidente que o critério do valor mercantil é, não apenas, um perigo, mas também, uma herança cultural que já deixou seu rastro de destruição e morte, como nunca visto antes.
Mas continua em vigor, até porque tem a virtualidade de ser, ao mesmo tempo, inseminador, reprodutor, colonizador, predador, abutre e sacerdote. Até dos próprios erros e guerras e mortos tira dividendos. Dir-se-ia que é um sistema económico-político perfeito, porque não tem perdas, ou, pelo menos, não as contabiliza, por não fazerem sentido no seu ideário. E é um sistema com efeitos sociais trágicos, se não for matizado com umas condescendências "irracionais" que evitem os extremos da sua lógica cruel.
A imagem pequenina e deslocada do doutor José Manuel Durão Barroso, servindo de lacaio do presidente da América e do primeiro-ministro inglês, quando, na cimeira dos Açores, decidiram bombardear o Iraque é obliterante da possibilidade de os portugueses refletirem e raciocinarem sobre o rumo da educação escolar e democracia em Portugal. Os portugueses poderem pensar a educação no seu país seria como renderem-se em África, perante as grandes potências, e depois enviarem tropas para África para defenderem os interesses das grandes potências!!! É absurdo!
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