Daniel Pennac, o mau aluno que se tornou professor, o rapazinho que dava erros de ortografia e se tornou escritor.
Pego no último livro que li dele, Mágoas da escola (Porto Editora, 2009), e sou puxada para um universo paralelo: a ligação à realidade confusa, interesseira, complexa, indefinida, mistificada, alheada de fins legítimos, uniformizada, que é a dos sistemas educativos, vai-se esbatendo e as palavras começam a fazer sentido.
Referem-se tão-simplesmente, a pessoas: miúdos e adultos que algo, mais ou menos parecido com o destino, juntou num espaço e num tempo que se chama escola, uns para aprender o possível, outros ensinar o desejável. E nisto, surge tudo o que se imagina que pode surgir quando pessoas estão com outras pessoas. Mas, mais do que isso é demais.
Ouçamos a voz de Pennac-aluno (página 3/):
Remexo no monte da minha velha papelada à procura das minhas cadernetas escolares e dos meus diplomas, e deparo-me com uma carta guardada pela minha mãe. Data de Fevereiro de 1959. Tinha feito catorze anos havia três meses. Frequentava o oitavo ano. Escrevia-lhe do primeiro colégio onde fui aluno interno:
Minha querida mãe,
Eu também vi as minhas notas, fiquei muito desanimado, estou fartu [sic] quando cheguei a estudar duas horas sem parar durante uma aula de revisões e tive 1 num teste de álgebra que julgei [sic] estar bem há motivos de desânimo, por isso largei [sic] tudo para me preparar para os exames e o meu 4 em aplicação esplica [sic] com certeza o que estudei de geologia durante a esplicação [sic] de matemática, [etc.] Não sou suficientemente inteligente e estudioso para prosseguir os estudos. Não me interessam, fico com dores de cabessa [sic] por estar fexado [sic] rodeado de papéis, não persebo [sic] nada de inglês, de álgebra, sou uma nolidade [sic] em ortografia, que me resta?
E, agora, ouçamos a voz de Pennac-professor (página 36):
Mas evitemos subestimar a única coisa sobre a qual podemos agir pessoalmente e que, essa, data da noite dos tempos pedagógicos: a solidão e a vergonha do aluno que não compreende, perdido num mundo em que todos os outros compreendem.
Só nós podemos tirá-lo dessa prisão, tenhamos ou não formação para o fazer.
Os professores que me salvaram – e que fizeram de mim um professor – não tinham recebido nenhuma formação para esse fim. Não se preocuparam com as origens da minha incapacidade escolar. Não perderam tempo a procurar as causas nem tampouco a ralhar comigo. Eram adultos confrontados com adolescentes em perigo. Pensaram que era urgente. Mergulharam de cabeça. Não me apanharam. Mergulharam de novo, dia após dia, mais e mais… Acabaram por me pescar. E muitos outros como eu. Repescaram-nos, literalmente. Devemos-lhes a vida.
2 comentários:
o meu heroi , benjamin maulasséne :) gosto imenso do daniel pennac .
Obrigada, Marina. Pennac, o escritor, reflecte o aluno e também o professor. Cordialmente, MHD
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