Introdução
No Despacho n.º 15847/2007, de 23 de Julho, determina-se que a "realização de estudos de investigação em meio escolar" só pode ser feita com autorização da Direcção-Geral da Educação.
Pessoa ou entidade que pretenda recolher dados junto de professores, alunos, directores e outros agentes educativos tem de submeter previamente o seu pedido no sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME).
Os muitos pedidos que submeti nestes dez anos foram sempre analisados com rapidez e cuidado. Quando surgiram dúvidas, mesmo de pormenor, os avaliadores solicitaram-me, por escrito e/ou telefone, esclarecimentos adicionais. Do diálogo que temos mantido e das observações que acompanham as suas decisões, reforçando os cuidados éticos a ter em atenção, percebe-se a sua competência e empenho.
Servem estas considerações
para questionar o facto de o Ministério da Educação/Direcção-Geral da Educação estar a preparar uma "experiência pedagógica", com "turmas clássicas e turmas experimentais", sem que, tanto quanto se sabe, tenha sido submetido qualquer pedido de autorização ao supra mencionado sistema da Direcção-Geral da Educação.
De facto,
o Ministério da Educação afirma que a "experiência" será acompanhada por uma equipa especializada, de modo que se possa conhecer a eficácia da mudança curricular em causa.
Infiro tratar-se de um design quasi-experimental, com recolha de dados apoiada em instrumentos. Assim, face ao estabelecido na lei, esse pedido não é dispensável.
Sendo que nele, na nota metodológica, "devem estar descritas as etapas a seguir na investigação a realizar (...), ou seja a explicitação detalhada da ação a desenvolver, do tipo de pesquisa, dos instrumentos a utilizar, da equipa que vai estar presente em meio escolar, bem como da dimensão da amostra e modo de seleção das unidades amostrais (número de escolas, turmas, alunos, Professores, Encarregados de Educação, Etc.)".
Mais: todos os “instrumento(s) de inquirição/notação”: (...) inquérito(s) por questionário/guião de entrevista/grelha de observação/avaliação ou outro instrumento a aplicar" terão ser apresentados "na sua versão final" (...) "não pode ser autorizada a realização de qualquer estudo em meio escolar sem análise dos respetivos instrumentos de pesquisa por parte da DGE".
Dando-se o caso de os alunos serem menores de idade, reitero o que já antes notei (aqui e aqui): a sua inclusão na "experiência" requer necessariamente o consentimento informado dos encarregados de educação.
A consciencialização destes aspectos assume particular relevância dado de:
1. os documentos curriculares que começarão a ser "experimentados" dentro de pouco dias não foram postos à discussão pública, processo que poderia permitir a detecção e superação de eventuais problemas;
2. até este momento, muitos desses documentos não foram publicados, não podendo sequer ser lidos com alguma antecedência (ver aqui);
3. não disporem as escolas e os professores de tempo suficiente para os estudar devidamente, de modo a integrá-los nas práticas lectivas com a ponderação e responsabilidade que o ensino exige;
4. a mudança em causa será, segundo o Ministério, profunda, afectando de modo significativo os alunos, razão que justificaria um especial dever de cuidado: o que fosse estabelecido teria de se revestir de uma garantia inequívoca de que os beneficiaria;
5. sob o ponto de vista científico, não pode tomar-se por certo que essa mudança seja benéfica, como, ao nível político, se quer fazer crer. De facto, há motivos bastantes, tanto de ordem conceptual, como de conteúdo disciplinar, como pedagógico-didáctica para se manter uma atitude de grande cepticismo;
6. o que disse nos pontos anteriores é ainda mais preocupante pelo facto de estarem envolvidas quase 250 escolas, centenas de professores e milhares de alunos. Qualquer erro que se cometa terá efeitos indesejáveis muito alargados.
Voltando ao princípio
Estamos perante uma alteração curricular polémica que, a acreditar no que tem sido anunciado pela tutela, implicará mudanças de relevo no ensino e na aprendizagem, e cuja implementação será feita num quadro de "experiência".
Assim, deveria o Ministério da Educação/Direcção-Geral da Educação proceder como que exige: submeter o plano de investigação que tem em mente e respectivos instrumentos ao seu próprio sistema de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME), que, certamente, lhe dedicaria a atenção de qualidade que se lhe reconhece, ficando o país mais esclarecido e mais descansado sobre aquilo que o sistema educativo faz com as crianças e jovens que lhe são confiadas.
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