(ainda a propósito do Despacho 5908/2017, que
autoriza, em regime de experiência pedagógica, a implementação do projeto de
autonomia e flexibilidade curricular dos ensinos básico e secundário)
Abordar
um obstáculo de costas para chegar mais alto parece pouco natural mas faz-se;
chama-se «salto em altura» e requer aprendizagem, um professor que inicie numa
técnica específica, treino, tempo. Requer escola.
Pode
dizer-se o mesmo relativamente à aprendizagem da Língua Francesa. Por todo o
nosso mundo há instituições que fazem disso um modo de vida e põem gente a
falar com gente. Os portugueses, por exemplo, costumam aprender essa língua com
facilidade, e o ensino de línguas estrangeiras também é um aprendizado bem
conhecido, que beneficia com a presença de professores apetrechados, treino e
tempo. Em suma, escola.
Fazer
corresponder, a condições matemáticas, espaço no referencial cartesiano, tem
que se lhe diga, mas resolve muitas questões que a nossa civilização se
habituou a ver resolvidas. Deve ser ensinado aos jovens, na devida altura, por
professores — e ser treinado com afinco, e tempo. Isto é feito na escola.
Tocar
guitarra, tornear uma peça de madeira, dominar o método científico para abordar
a reprodução vegetal, pintar a guache, conhecer os intrincados mecanismos da
República Romana, tudo isto são questões que podem ser transmitidas por uma
pessoa treinada a uma pessoa não treinada, e aperfeiçoadas no tempo. É matéria
para a escola.
A
escola, para fazer isso, precisa de condições físicas, além de todas as outras
que dizem respeito aos professores e às escolhas judiciosas dos tempos: tem de
ter espaços adequados em quantidade suficiente.
Havendo
espaço é possível estabelecer uma mesma rotina diária para todos, com abertura
à mesma hora, trabalho de aprendizagem, tempo de treino, de estudo, de debate,
de recuperação de conhecimentos ou, simplesmente, de fôlego, e fecho à mesma
hora.
Do
que a escola não precisa é de considerar como inevitável o trabalho por turnos
— numa correria diária que gera desequilíbrio e descontrolo em quantidades tão
apreciáveis como conhecimento —, munindo-se para isso de um conjunto de
disposições de combate à crise que dá pelo nome de «legislação do ensino».
Portugal
é um país de sólida cultura e reconhecida leviandade legislativa. Cada momento
de aperto, qualquer que seja a questão, leva a criar estruturas reguladoras que
somam, em vez de reduzir, problemas. O ministério da Educação faz isso com
regularidade enervante: deixou-se de olhar para a atividade educativa com a candura
e o pragmatismo que ela merece, preferindo-se, sempre, adicionar um
diplomazinho, um despacho qualquer que acrescenta, a um cenário que ninguém
quer resolver, mais um cartuxo de condições que só vêm torná-lo mais denso e
irresolúvel. A irritação que me causa o Despacho n.º 5908/2017 e o artigo de
ontem a que este «regresso» dá sequência resultam desta constatação.
É
que, na verdade, se uma escola tem algo a propor que se assemelhe a uma
iniciativa autónoma, não deveria necessitar de muito mais do que o conhecimento
de que o Ministério da Educação está aberto a avaliar e apoiar a iniciativa, se
entender que nela há utilidade. Isso faz-se ad
hoc, sem ser necessário reunir mais não sei quantas páginas de indigesto
português e um corpo de organismos permanentes — incluindo peritagens de
especialistas de coisa nenhuma que tenha a ver com salto em altura ou qualquer
problema concreto conhecido —, que tomam a aparência física de uma metáfora
costumeira: a do circo de 3 pistas.
O
ministro da Educação tem um problema magno para resolver; chama-se «parque
escolar» e custa dinheiro. Depois, vêm as minudências. Há uns anos tive uma
inteligente (mas nada diligente) aluna que, apanhada em qualquer curva apertada
da Geometria, e porque não sabia a matéria, fazia o seguinte comentário: «isso,
são pormenores».
Com
efeito.
António
Mouzinho
Sem comentários:
Enviar um comentário