sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A experimentação na escola: algumas questões éticas e deontológicas que levanta

"Os pais têm o direito de saber o que vai acontecer 
no próximo ano lectivo e isso não está a acontecer."

(Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais)


Por razões que me escapam, a "experimentação" em contexto escolar (de reformas e documentos curriculares, de métodos e de recursos pedagógicos, de arquitectura e organização do espaço, de equipamentos, etc.) tende a ser sido vista de maneira inequivocamente positiva.

Nesse contexto, a "experimentação" aparece ligada às sacrossantas mas pouco precisas e, seguramente, muito antigas ideias de "inovação" e de "mudança", com a consequente renegação das, também pouco precisas e, igualmente, muito antigas ideias de "tradição" e de "continuidade".

Além da questão dos princípios de ordem teorética (nomeadamente os que se enquadram na teleologia e na ontologia, e que remetem para as finalidades últimas que a educação deve perseguir no sentido da perfectibilidade humana) e da pertinência e planificação científica (a experiência justifica-se ou não? Foi devidamente pensada sob o ponto de vista metodológico ou apresenta problemas?) há que contar com a questão da ética e deontologia da educação e da investigação em educação.

O presente apontamento incide nesta última questão, em concreto, na "experimentação" que será feita a partir de Setembro próximo, em mais de duzentas escolas públicas e privadas, dispersas pelo país, da mais recente reformulação/redefinição curricular, também conhecida por "projecto-piloto da flexibilidade curricular".

Com base em recomendações patentes em documentos internacionais e nacionais, inscritos na área em causa - ética e deontologia da educação e da investigação em educação -, e por força da lei vigente - lei geral e lei do Ministério da Educação, que regulamenta esses princípios -, estando em causa uma "experiência" com alunos reais, deveria o sistema educativo, as escolas e os professores acautelarem pelo menos quatro princípios basilares.
Um: Toda a experimentação com alunos deve oferecer garantias de segurança: não devem ser realizadas quaisquer experiências que comprometam o sentido do seu desenvolvimento, que se encontra estabelecido na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo. 
Dois: Toda a experimentação com alunos deve, por isso, ser fundamentada numa reflexão teórica consistente e em dados empíricos inequívocos, dado que um trabalho com fragilidades a estes dois níveis tem consequências efectivas e duradouras precisamente naqueles que devem ser protegidos. 
Três: Toda a experimentação realizada na escola, turma ou grupo não pode perturbar o decurso normal das actividades lectivas, criando instabilidade em professores, alunos e famílias. 
Quatro: Sendo os alunos menores de idade, os encarregados de educação têm ser devidamente informados e por meios correctos acerca do sentido e passos da mesma, bem como dos eventuais benefícios e malefícios. E têm, necessariamente, de autorizar, de modo explícito e por escrito, a experiência com os seus educandos.
Estes princípios deveriam mobilizar, antes de mais, os educadores e investigadores da área da educação, mas também a comunidade. Acontece que, até ao momento, não vi ser feita alusão a este último.

De facto, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais tem, reiteradamente, mostrado “apreensão” pelo facto de "nem o ministério nem as escolas estarem a informar os encarregados de educação sobre quem será abrangido por estas mudanças" (aqui).

1 comentário:

Rui Ferreira disse...

Subscrevo na íntegra.
Diria também que nem de "experimentalismo" se trata.
Já se experimentou e não resultou.

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