quarta-feira, 19 de julho de 2017

A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, O FUTURO DO EMPREGO E A EDUCAÇÃO

Meu artigo no mais recente número dos Cadernos de Economia, dedicado ao futuro do trabalho:

A expressão “Indústria 4.0” ou “Quarta Revolução Industrial” é cada vez mais recorrente. O conceito, bastante recente, pretende designar a indústria do futuro, embora há quem diga que essa revolução já começou. O que é a “Indústria 4.0”? Se a Primeira Revolução Industrial, iniciada no final do século XVIII com o desenvolvimento da máquina a vapor, consistiu no aproveitamento da força motriz da água aquecida para libertar o homem e os animais dos trabalhos mais pesados, a Segunda Revolução Industrial, que surgiu já a meio do século XIX, consistiu na mudança das máquinas a vapor para máquinas eléctricas, graças aos avanços feitos no electromagnetismo. Foi nessa altura que foram construídos os dínamos e se tornou possível a electrificação. No final da Segunda Guerra Mundial, surgiu a Terceira Revolução Industrial com o desenvolvimento da electrónica, tornada possível pela invenção do transístor. De então para cá, o avanço do digital tem sido em crescendo, com os primeiros computadores pessoais na década de 80 e a World Wide Web na década de 90 no século passado. Na sequência, a Quarta Revolução Industrial consistirá não apenas no uso dos robôs, máquinas electrónicas que hoje são comuns nas instalações fábris e ideais para a realização de tarefas repetidas, mas, também, na combinação do seu trabalho com uma série de tecnologias já estabelecidas, como as redes de comunicação rápida (que ligam hoje os computadores em todo o mundo), ou em vias de estabelecimento, como a “Internet das Coisas” (uma rede de sensores ubíquos), a cloud ou “computação em nuvem” (isto é, o cálculo conjunto de vários computadores situados algures), a impressão tridimensional (que permite criar rapidamente objectos à medida), os algoritmos de big data (que permitem extrair conclusões de uma multidão de números), a realidade virtual ou aumentada (que permite criar mundos simulados assaz realistas), e  inteligência artificial (o projecto, com alguma coisa de utópico, de imitação do cérebro humano por uma máquina).Embora ninguém saiba ainda muito bem o que virá a ser a “Indústria 4.0”, pois há muitos processos diferentes a ser testados, o termo refere-se aos tipos de manufactura cada vez mais inteligente que estão a aparecer com a disponibilidade de computadores e redes de computação cada vez mais evoluídas.

Uma ilustração das novas capacidades oferecidas pelo digital foi demonstrado na maior feira da indústria da Europa, realizada em Abril passado em Hannover, na Alemanha: um robô jogava ténis de mesa com qualquer pessoa. Foi aliás no quadro da indústria alemã, onde a robotização é hoje muito visível (basta olhar para as modernas linhas de montagem de automóveis das marcas mais conhecidas), que surgiu o termo “Indústria 4.0”. Em 2012 foi criado pelo governo federal um grupo de trabalho a quem foi pedido um exercício de prospectiva sobre o futuro da indústria. Os especialistas concluíram que os processos de manufacturação irão funcionar através de sistemas complexos de máquinas, instalações, produtos e logística. Os desafios são grandes e múltiplos. Por exemplo: que papel fica para os seres humanos, em particular quais serão as consequências para os empregos, quais serão os perfis profissionais previsíveis e quais serão as novas necessidades de formação?

É sempre difícil fazer previsões. Einstein, cuja família aproveitou no fim do século XIX as oportunidades da segunda vaga da Revolução Industrial, afirmou: “Nunca penso no futuro. Ele não tarda a chegar.” De facto, ele que foi um dos pioneiros da teoria quântica não anteviu as tremendas consequências que ela traria para a sociedade com o aparecimento dos transístores. Mas parece claro, se olharmos para as revoluções industriais anteriores, que haverá mudanças substanciais no trabalho humano. É um facto que a automação veio eliminar nos anos mais recentes numerosos postos de trabalho, tanto nas fábricas como nos serviços (por exemplo, já quase não há portageiros, substituídos por robôs, assim como há cada vez menos funcionários bancáerios substituídos pelos próprios clientes, que usam o homebanking) e tudo indica que essa tendência vai continuar. Segundo um relatório do Forum Económico Mundial, nos próximos dez anos haverá menos cinco milhões de postos de trabalho nos 15 países mais industrializados do mundo. Alguns empregos que hoje existem deixarão  simplesmente de existir, enquanto serão criados novos empregos, cujo número não compensará o dos postos de trabalho perdidos (o valor referido de cinco milhões é um saldo negativo, entre empregos destruídos e criados). A robotização em curso coloca questões sociais muito relevantes, às quais a economia e a política têm de responder. Por exemplo: Será sustentável o sistema de segurança social? Fará sentido taxar robôs? Haverá acréscimo de riqueza suficiente para assegurar para todos um rendimento mínimo garantido? E que farão as pessoas sem trabalho?

Uma vez que as tarefas de rotina são as mais fáceis de robotizar, parece também claro que o papel humano será mais de criação e não tanto de execução. No entanto, como os sistemas serão cada vez mais complexos, a criatividade humana revelar-se-á   cada vez mais necessária. Os mais criativos serão evidentemente os vencedores, o que ao fim e ao cabo não é nada de novo. E, uma vez que a criatividade necessita de terreno sólido para crescer, uma preparação superior será cada vez mais precisa. Também aqui não há nada de novo: a sociedade tem vindo a reconhecer o valor do ensino superior, porque percebe que os empregos menos qualificados são aqueles com maior probabilidade de extinção.

Parece  ainda  claro que, numa sociedade onde a indústria funciona em rede, a escola, seja no nível básico e secundário seja no nível superior, deve preparar para esse funcionamento em rede. O mundo é global e a escola deve ser, em certa medida, também global. Estou em crer que a profissão de professor, que é intermediador das aprendizagens pessoais, não é das que está mais em risco. Nos anos 80 e 90, julgava-se que o ensino futuro fosse todo por computador, mas isso não aconteceu. Quer dizer, o ensino formal continua  a ter por base o contacto humano, embora se tenha de reconhecer que boa parte do ensino informal passa hoje pela Internet. A informação já está e estará cada vez mais acessível em todo o lado e há que saber não apenas recolhê-la, mas sobretudo interpretá-la e, a seguir, tomar as melhores decisões. Tudo isto é e será feito e  em equipa, quer dizer em pequenas redes humanas. Como devem as escolas, os professores, os currículos adaptar-se às novas exigências? Na reflexão sobre o futuro da escola, convém não esquecer o essencial. É preciso acima de tudo assegurar que o mundo permaneça humano, o que quer dizer que a sociedade não deverá nunca ver as tecnologias como um fim mas sim como um meio para uma vida melhor. É preciso, por exemplo, reflectir sobre uma carta aberta subscrita, entre outros, pelo astrofísico Stephen Hawking, pelo empresário Elon Musk e pelo linguista e activista político Noam Chomsky e pelo responsável pela área de inteligência artificial da Google e divulgada em 2015 pelo Future of Life Institute, chamando a atenção para os perigos que os avanços na inteligência artificial podem ter para a própria sobrevivência da humanidade. E, se o robô que hoje joga ténis connosco, começar amanhã a disparar outra coisa que não bolas?


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