O recente Congresso Internacional
sobre Manuel Maria Barbosa do Bocage (1765 1805), realizado em Setúbal), foi
uma excelente oportunidade para lembrar as primeiras ascensões em balão em
Portugal, já que ele assistiu à primeira
subida em balão em Portugal, um evento que celebrou em verso. O primeiro balonista entre nós foi o
“capitão” italiano Vincenzo Lunardi (1759-1806) e a proeza foi efectuada do
Terreiro do Paço em Lisboa no dia 24 de Agosto de 1794.
O Padre Bartolomeu de Gusmão
(1685-1724) teve o mérito de ter sido o primeiro em todo o mundo a efectuar uma
experiência subida de um pequeno balão de ar quente, no interior de um edifício.
O eventio deu-se a 8/8/1709 na presença do rei D. João V, numa sala do seu
Palácio, no Terreiro do Paço em Lisboa. A experiência, embora pioneira, não
teve seguimento, talvez devido à onda de chacota que se abateu sobre o “padre
voador”. O poeta Tomás Pinto Brandão (1664-1743) foi uma das vozes mais
verrinosas.
O balonismo haveria de ser
redescoberto, sete décadas mais tarde, com a primeira experiência não
tripulada, agora já ao ar livre, efectuada em Annonay, França, em 5/6/1783,
pelos irmãos Montgolfier. Estes realizaram uma experiência diante do rei Luís
XVI em Versailles, com animais a bordo, a 19/9/1783, que precedeu a primeira
subida tripulada, protagonizada pelo físico Pilâtre de Rozier e pelo Marquês de
Arlandes, em Paris, a 21/11/1783, Mas uma tecnologia alternativa ao ar quente é
a dos balões de hidrogénio, que foi testada pelo físico Jacques Charles e pelos
seus assistentes Robert em Paris, em 27/8/1783 (um evento presenciado pelo
poeta português Filinto Elísio, 1734-1819, fugido da Inquisição portuguesa, que
compôs uma ode aos “novos Gamas”). Charles e Robert fizeram uma ascensão
tripulada em Paris no dia 1/12/1783.
Em Portugal as primeiras experiências
não tripuladas ao ar livre foram efectuadas pelo Padre João Faustino, nos
Jardins do Paço da Ajuda, em Lisboa, em 3/4/1784, uma experiência que foi
replicada em Coimbra pelo lente de Química Domingos Vandelli e seus discípulos
no largo em frente ao Laboratorio Chimico
em 25/7/1784.
O capitão Lunardi não era, de
facto, capitão. Ganhou direito ao título honorífico, que dava direito ao uso da
farda, pela Honorável Companhia de Artilheiros, de cujo quartel em Londres partiu
em 15/9/1784 a primeira ascensão em balão em solo inglês, movido a hidrogénio
(a tecnologia triunfante). Essa experiência haveria de ser repetida onze vezes,
na Inglaterra e na Escócia, até um acidente ter ensombrado a florescente
carreira britânica de Lunardi. O capitão era um aventureiro, secretário do
embaixador do Reino de Nápoles em Londres, com quem partilhava a adesão à
Maçonaria. Alcançou fama nas ilhas britânicas, tendo sido dado o nome de
“lunardi” a um chapéu em forma de balão.
Lunardi dirigiu-se então para Itália, tendo
feito ascensões em Roma (8/07/1788), Nápoles (13/9/1789) e Palermo (31/7/1790).
Depois viajou até Madrid, onde se elevou nos céus num balão a
12/08/1792 e a 8/01/1793, Finalmente no final de 1793 chegou a Lisboa.
Ao contrário do que se passou noutras terras – foi o primeiro a subir em
Inglaterra, Itália e Espanha, com a presença de membros da família real – em
Lisboa deparou com inusitadas dificuldades. Talvez devido às ligações maçónicas
do italiano, o intendente Pina Manique levantou impedimentos à concretização da
ideia de fazer uma ascensão a partir do Terreiro do Paço, tendo inclusivamente
ordenado a sua prisão no Limoeiro. Finalmente, e após boa procura de de
bilhetes, Lunardi conseguiu encher o Terreiro do Paço de povo que o viu
subir no dia 24/8/1794. O príncipe
regente D. João estava em Queluz e não teve curiosidade em vir assistir ao voo.
Bocage escreveu um soneto exaltando a proeza:
“Ressoa, aplaude, exalta o sábio,
o forte,
Que, além das altas nuvens
assomaiado,
Colheu no Olimpo o antidoto da morte.”
Num poema mais alargado da
mesma altura Elogio poético à admirável intrepidez, com que, em Domingo 24 de Agosto
de 1794, subiu o Capitão Lunardi no Balão Aerostático, publicado em folheto, deu largas à exaltação
do feito, comparandoa aventura dos ares à epopeia marítima:
“Gamas,
Colombos, Magalhães famosos.
Eternos no áureo Templo da Memória,
Sirtes
domando os Mares espantosos.
De assombros mil e mil dourais a História;
Mas
ir dar leis aos ares espaçosos
É triunfo maior, e até mais glória.
Porque
não traz à louca, à cega Gente
Os males de que sois causa inocente.”
Não foi
só Bocage que versejou sobre Lunardi. O mesmo fez o impetuoso poeta José
Agostinho de Macedo (1761-1831). E, mais tarde, em Noites de Insónia, Camilo Castelo Branco (1825-1890) haveria de
lamentar, em prosa, as dificuldades que Lunardi enfrentou entre nós. O voo de
Lunardi chegou até perto de Vendas Novas, tendo o aeronauta voltado a Lisboa ao
fim de duas noites e um dia. Ele próprio escreveu um relato da viagem num
prospecto que publicou, que contém uma gravura do balão (provavelmente o mesmo
que usou em Madrid).
Lunardi repetiu o seu voo no Porto. Existe uma
gravura relativa ao evento portuense que noticia que “às
5 horas e 12 minutos do dia 10 de Março de 1795, na praça de Santo Ovídio [hoje
Praça da República, Cedofeita) subiu esta Máquina, e viajou até Sobreiras [Lordelo
do Ouro] (...) Desceu às seis horas da mesma tarde”. Mas há pouca informação
sobre este primeiro voo no Norte do país.
Quer Lisboa quer o Porto foram
palco de voos antes de Barcelona. Foi ainda Lunardi o primeiro aeronauta a subir
em Barcelona no dia 5/11/1802, tendo
sido salvo por pescadores após queda no Mediterrâneo. Pouco se sabe sobre o fim
de Lunardi. Sabe-se, porém, que morreu em Lisboa em 1606. Uma de duas – ou gostou
de aqui ficar (era um galã, mas morreu solteiro) ou, mais provavelmente, ficou
pobre e doente em Portugal. A Gazeta de
Lisboa informou em 15/08/1806 que o intrépido capitão tinha falecido nno
dia 1/8/1806 após internamento prolongado no Hospício dos Capuchinhos italianos
em Lisboa.
Imagem: Pescadores catalães a resgatarem Lunardi no Mediterrâneo no seu voo de Barcelona, de 1802, o único que fez após os seus voos portugueses.
1 comentário:
Gostei imenso do texto. Procurava dados sobre Lunardi.
Já agora emendem uma data onde se escreve que ele morreu em 1606.
Podem continuar muito bom.
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