Minha crónica no Público de hoje:
O mês de Agosto costumava ser querido pelos emigrantes
que entravam, em filas intermináveis de viaturas cheias até cima, pela
fronteira de Vilar Formoso, vindos sobretudo da França e da Alemanha, e que
alegravam a paisagem do interior, reabrindo as casas das aldeias e animando
feiras e romarias. Tornou-se parte do folclore nacional o exibicionismo de
alguns novos ricos nas vacances.
Apesar de a tradição continuar a ser o que era, a visibilidade destes
emigrantes no estio atenuou-se consideravelmente. Os mais velhos, que emigraram
na grande onda dos anos 60, ou já voltaram ou já não podem vir (o milionésimo emigrante na Alemanha, o
português Armando Rodrigues de Sá, foi recebido em 1964 com a oferta de uma motoreta
pelas autoridades germânicas, na estação de Colónia, morreu em 1979, anos após o regresso à
sua terra). E boa parte da segunda geração de emigrantes integrou-se e já mal
fala português (é o caso do lateral esquerdo dos campeões europeus Raphaël
Guerreiro), não sentindo a necessidade da peregrinação estival.
Continuamos, porém, a ser um país de emigração. Em 2014
segundo as estatísticas oficiais emigraram 134.624 portugueses, contribuindo
para que sejamos hoje o campeão europeu nesta matéria, isto é, o país da União Europeia com mais emigrantes. A
onda dos últimos anos já não
ostenta, porém,
os sinais que caracterizavam a anterior. Já não se vêem trabalhadores rurais analfabetos, ou quase, das
aldeias do interior, mas sim jovens urbanos, rapazes e raparigas, que não
encontram oportunidades de vida no seu país natal. Embora a maioria dos recentes
emigrantes continue a ser pouco qualificada, indo ainda ocupar lugares na
construção civil e nas limpezas
(pela simples razão de que o país continua a ser pouco qualificado em comparação com a
maioria dos países da Europa), é cada vez mais nítida a fatia de emigrantes que
tem uma qualificação superior: enfermeiros, médicos, engenheiros, cientistas,
etc. Esses não correspondem de maneira nenhuma ao estereotipo antigo. Em vez de
mala de cartão levaram uma mochila com um portátil. E nem damos por eles no
querido mês de Agosto. Alguns ainda vêm à pátria ensolarada nesta época,
mas muitos outros preferem férias repartidas, vindo cá amiúde nos voos low-cost.
Dou o
exemplo dos enfermeiros, por ser impressionante a romaria deles para fora do
país nos últimos anos. A Ordem dos Enfermeiros, pelos certificados para uso
internacional que passou, estima que, nos últimos sete anos, tenham emigrado
mais de 12.500 enfermeiras (vai no feminino, porque a maior parte são raparigas
com menos de 30 anos, portanto com o curso feito há pouco). Só no ano de 2014
emigraram 2451 enfermeiros (aceito o masculino mais convencional), dos quais mais
de metade para o Reino Unido, seguindo-se a França, a Alemanha, a Suíça e a
Bélgica, essencialmente o mesmo grupo de países no topo dos destinos da nova
emigração. Uso dados do livro da antropóloga Cláudia Pereira “Vidas Partidas. Enfermeiros Portugueses
no Estrangeiro” (Lusodidacta, 2015). De 2005 a 2014 o aumento dos
enfermeiros portugueses no Reino Unido foi de 8000 por cento. And it keeps
going up! Agências internacionais estão a contratar enfermeiros ainda antes
de eles terminarem o curso, conforme a imprensa noticiou há pouco por ocasião
da entrega de diplomas da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Portugal
precisa de enfermeiros (tem cerca de metade por habitante do que a Alemanha e o
rácio enfermeiros/médicos entre nós é inferior a dois, quando devia ser superior a três), mas
eles fogem daqui a sete pés. O que mais me impressionou nos testemunhos do
referido livro não foi a queixa generalizada dos enfermeiros relativamente aos
baixos salários que a sua classe aufere em Portugal: foi o sentimento de
desconsideração de que se dizem vítimas, que contrasta com a boa imagem
profissional que gozam lá fora. A maior parte afirma que não vai voltar. Uns
ainda pensam poder viver aqui na sua reforma, outros nem isso, porque notam a
diferença de cuidados das nursing homes e dos lares de idosos
portugueses.
Eça de
Queiroz, ele próprio um emigrante durante largos anos em França e na
Inglaterra, espetou, na companhia de Ramalho Ortigão, esta farpa em 1871: “Porque a
emigração
entre nós, não é como em toda
a parte a transbordação de uma população que sobra, é a fuga de
uma população que sofre. Porque não é o espírito de indústria, de actividade, de
expansão, de criação, que leva os nossos colonos, - como leva os ingleses à Austrália e à Índia - é a miséria de um país esterilizado que expulsa, sacode e que instiga a emigrar, a
procurar longe o pão.” Passaram
quase 150 anos, mas algumas farpas ainda doem de tão actuais que são.
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