sábado, 13 de agosto de 2016

A “Luz Antiga” de John Banville



John Banville, o escritor irlandês que entre os vários prémios recebeu o Booker, o Kafka e o Príncipe das Astúrias, tem uma atracção pelas ciências que ele atribui à leitura de “Os Sonâmbulos” de Arthur Koestler. Talvez pofr isso escreveu  a chmada Trilogia das Revoluções: “Doutor Copérnico” (1976) , “Kepler” (1981), este último prémio Guardian de ficção de 2011, e a “Carta de Newton” (1982).  Outro livro c om algum conteúdo científico é “Os infinitos” (2009).  “Luz Antiga”, publicado pela Porto Editora numa excelente tradução de José Vieira de Lima, em 2012 (mesmo ano que o original, que recebeu o Irish Book Award), que comprei nuns saldos de Verão de uma livraria Bertrand, tem um título de sabor astronómico. O  livro trata das recordações de uma paixão tórrida de um rapaz de 15 anos por uma mulher casada de 35 anos, que era a mãe do seu melhor amigo. Mas a expressão “luz antiga” aparece, na p. 188, numa conversa de copos, noite alta, do protagonista, actor em adulto, com um desconhecido num bar de um hotel italiano (o actor estava no hotel na companhia de uma estrela de cinema). Transcrevo, pedindo desculpa ao tradutor de não respeitar o acordo ortográfico que ele respeitou:

“Nessa altura, a minha cabeça deve ter deambulado, errado não sei por onde, extraviada por certo, o que era um efeito do vinho e da falta de sono, ou talvez tenha mesmo dormido, um pouco, sim, cochilado de algum modo. Ele começa a falar de minas e metais, de ouro e diamantes e de todos os elementos preciosos que se encontram enterrados nas funduras da terra, mas agora, sem eu saber como, vagueava já pelas profundezas do espaço, e estava a falar-me de quasares e pulsares, de gigantes vermelhas e anãs castanhas e buracos negros, da morte térmica do universo e da constante de Hubble, de quarks e quirks* e múltiplos infinitos. E de matéria negra. O universo, segundo ele, contém uma massa perdida, extraviada, uma massa que não podemos ver, nem sentir, nem medir. Essa massa é muito maior do que tudo o mais, e o universo visível, aquele que conhecemos, é comparativamente pequeno, uma coisa de nada. Pensei nesse vasto e invisível mar de matéria transparente e imponderável, presente em todo o lado, indetectado, através do qual nos movemos, nadadores insuspeitos, e que se move através de nós, uma essência secreta e silenciosa.

Agora estava a falar da luz antiga das galáxias que vinha um milhão – mil milhões, um bilião! – de quilómetros para chegar até nós. Mesmo aqui – disse ele - , a esta mesa, a luz que é a  imagem dos meus olhos demora o seu tempo, um tempo mínimo, infinitesimal, claro, e, no entanto, tempo, para chegar aos seus olhos, e é por isso que, para onde quer que olhemos, estamos a olhar para o passado.

Acabada a garrafa, não se coibiu de deitar as borras no copo dele. Tocou com a beira do copo contra o meu, produzindo um inevitável tilintar. – Tem de cuidar bem da sua estrela, nestas paragens – disse ele no mais suave dos murmúrios, sorrindo, e inclinando-se tanto para a frente que eu podia ver-me reflectido, duplamente reflectido, nas lentes dos seus óculos. – Os deuses observam-nos. E têm ciúmes.”

*Quirks são partículas hipotéticas, semelhante aos quarks por se agregarem, embora a força responsável seja não a força nuclear forte, mas uma outra força, desconhecida.

1 comentário:

Mário R. Gonçalves disse...

Grande livro, grande autor. Os Infinitos já era excelente, mas a Luz Antiga é uma obra prima:

http://olivrodaareia.blogspot.com/2014/03/ler-e-reler-uma-luz-antiga-de-banville.html

Não há como ler em inglês para evitar os dislates do A.O.

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