O jornal Expresso está a oferecer reedições de alguns livros de Camilo Castelo Branco. No sábado passado foi a vez de O que Fazem Mulheres. Trata-se de um livro verdadeiramente divertido e irónico que antecipa "os modernos processos da literatura inter-activa" segundo escreveu Annabela Rita no Prefácio.
Camilo avisa no capítulo inícial a todos os que lerem (antecipando o que virá a seguir, realcei algumas frases com referências científicas e químicas):
"É uma história que faz arrepiar os cabelos.
Há aqui bacamartes e pistolas, lágrimas e sangue, gemidos e berros, anjos e demónios.
É um arsenal, uma sarrabulhada, e um dia de juizo final.
[...]
Há aí almas de pedra, corações de zinco, olhos de vidro, peitos de asfalto?
[...]
Aqui há cebola para todos os olhos.
[...]
Cadinhos de fundição metalúrgica para todos os peitos.
[...]
O leitor sabe o que isto é? Já sentiu na alma o apertar de um cáustico? Excruciaram-no, alguma vez, os flagelos da inspiração corrosiva, com duas onças de sublimado?
Se não sabe o que isto é, estude farmácia, abra um expositor de química mineral, e verá."
Segue-se um "Capítulo Avulso - Para ser colocado onde o leitor quiser", linhas de reticências que aparecem mas não significam nada, voltas, viravoltas e reviravoltas narrativas, dialógos com os leitores e editores, cartas anónimas que o autor não conseguiu ler e por isso não sabe o seu
conteúdo, mulheres espertas, diabólicas e santas, e homens vagamente tolos. E termina com dois finais antagónicos, em dois capítulos com a palavra
"FIM", sendo que o último destes é denominado "Suplemento - Prefácio".
Há também um charuto com um papel secundário mas importante que aparece inicialmente no capítulo avulso numa diatribre contra o tabaco (antecipando também os anúncios anti-tabágicos chocantes - e não é igualmente chocante a imagem acima!?),
"Para vós, Bórgias, para vós, raça de Locusta, e de Brinvilliers, para vós envenenadores impunes, o patíbulo neste mundo, donde fugiu espavorida a vergonha e a justiça; e os caudais de súlfur em combustão eterna nas furnas tartáreas, onde é de fé que dá urros medonhos um condenado chamado Nicot, que trouxe para a Europa o tabaco, e teve a impudência de o trazer a Portugal em 1560, onde viera com embaixada de França.
Porque os vossos charutos propinadores de venenos, enegrecem as substâncias orgânicas, como o ácido sulfúrico.
São amargos e cáusticos como o ácido nítrico.
Calcinam os beiços como o ácido hidroclórico.
Queimam a laringe como o ácido fosfórico.
Laceram o esófago como o acetato de chumbo.
Fulminam e despedaçam como o ácido hidrociânico."
Estas referências químicas, que são razoavelmente exactas tanto quanto é conhecido das substâncias referidas, tinham-me escapado, por não conhecer este livro, quando escrevi sobre a química em Camilo! O que foi uma pena, pois, em seguida Camilo refere que,
"Um manual de química para uso dos leitores de romances é instantemente reclamado. Sente-se na literatura este vazio, desde que a novela é um estendal da ciência humana;"
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