sábado, 13 de agosto de 2016

Manuel António Pina e a Ciência


O escritor, poeta e cronista Manuel António Pina (MAP) (1943-2012), como mostra nas suas poesias e nas suas crónicas, tinha uma admiração particular pela ciência, descobrindo nela afinidades com a poesia. Estas afinidades são afirmadas numa entrevista que deu a Maria Leonor Nunes (MLN), intitulada “Crónica de uma ‘Servidão’ ”, inserida no livro que acaba de sair na Assírio e Alvim “Dito em voz alta. Entrevistas sobre literatura, isto é, sobre tudo”, com coordenação de Sousa Dias (o livro retoma, completando-o, título idêntico, saído na editora Pé de Página de Coimbra, em 2007):

“MLN- Curiosamente chama-se por vezes “literatura” às “bulas” dos remédios e aos tratados
médicos. E há quem fale de uma ligação entre a ciência e a cultura ou mesmo a literatura. Interessam-lhe estas possibilidades do ponto de vista da poesia? E como cronista?

 MAP- Sim, interessam (mais decerto na poesia do que nas crónicas). A poesia e a ciência partilham, interrogando o real interrogando-se ao mesmo tempo a si mesmas, uma fronteira não raro difusa. Por outro lado, a poesia é, como a ciência, uma prática artesanal, algo feito do próprio fazer. Hoje, quando já não há ninfas nos regatos, as ciências, principalmente as do infinitamente grande, como a astronomia, e as do infinitamente pequeno, como a física de partículas, ou como ainda, a várias títulos, também a biologia e a química, ou mesmo a neurologia, têm não só uma natureza, como dizer?, “poética” (não encontro palavra melhor) como, exprimindo-se fora da linguagem matemática, se socorrem às vezes de uma linguagem próxima da poesia.

MLN- Como?

 MAP- Diz Álvaro de Campos que o “biníomio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”. Mas também Steven* Weinberg (um Nobel da Física) fala igualmente de beleza (e verdade) quando explica o seu deslumbramento com a hipótese de Witten de teoria unificada, a teoria M: “Quando Edward Witten a expôs, pensei: ´´E tão bela que tem que ser verdadeira!”. Invertendo Novalis, talvez seja possível dizer hoje a propósito de muito do conhecimento científico que “quanto mais verdadeiro, mais poético”.”

*Emendei o nome, errado no original.

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